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CARLOS LOBOSTILL THERE![]() CENTRO CULTURAL VILA FLOR Avenida D. Afonso Henriques 701 4810-431 Guimarães 27 FEV - 11 JUN 2016 ![]() ![]()
“Para saber, há que imaginar” [1], diz Didi-Huberman, sem simplificar a imaginação ao acto de des-realizar, em Imagens, apesar tudo, texto que refuta a ideia de imagem-toda. Em planos recortados e /ou descontextualizados, Lobo dá a ver o conflito de guerra no Líbano através de vestígios: carros abandonados, desenhos naïf em paredes baleadas ou edifícios arruinados. Tal como na série capturada no Japão, em 2011, após um tsunami, o artista procura marcas da destruição porque, como o próprio diz, “faz(em) parte da cidade” [2]. Beirute é uma cidade em mutação permanente e sem um tempo. Alguns edifícios ainda não estão construídos ou reconstruídos [3] mas já estão destruídos, ainda não foram mas já não são. Se é verdade que a destruição pode potenciar a recriação, não será menos verdade que se pode tornar numa espécie de ciclo vicioso da morte. Metonímia para o estado das coisas, estas fotografias surgem como matéria de inscrição da constante instabilidade sociopolítica. Distanciando-se, Lobo desconstrói a imagem que o regime libanês tinha do seu país, bem como a imagem que o Ocidente produz do Líbano, tal como acontecera em Through the pale dawn [4], exposição acerca da Coreia do Norte, comissariada por João Pinharanda para a Fundação EDP. Num gesto subversivo, o espectador é convidado a habitar as representações destes espaços aparentemente desalmados, colocando em problemática a noção de não-lugar como espaço de transição, sem passado nem futuro, conferindo-lhes uma presença, um habitar. À semelhança do que acontece no road movie Je veux voir, de Joana Hadjithomas e Khalil Joreige, que Carlos Lobo importa em parte para o segundo piso desta exposição, o artista deambula pelas ruas da cidade, descobrindo e construindo o seu próprio discurso espacial, resultante de uma experiência íntima e fulgurante com aquele lugar. Catherine Deneuve é a protagonista do filme lançado em 2008, após a guerra do Líbano, sequela do conflito israelo-árabe, ocupando o lugar do estrangeiro, do outro, que se relaciona com o nativo, Rabih Mroué, actor libanês, num exercício constante de alteridade. Lado-a-lado com Unity (2016), uma brevíssima mas espantosa filmagem, reproduzida em loop e slow motion, na qual vários homens se vão juntando a um outro, reprimido por um jacto de água de alta pressão. O plano de detalhe e a cadência lenta das imagens em repetição evidenciam a gestualidade dos corpos: por um lado os braços ao alto do homem que se tenta defender, por outro os vários braços que o abraçam e que juntos o resguardam e engolem formando um corpo uno. Cinco anos após a viagem, Lobo cria e mostra este vídeo tendo em mente que o conflito no Líbano persiste até hoje, opondo apoiantes anti e pró-governo sírio e despoletando um sectarismo reliogoso violento. No mesmo piso, uma espécie de arquivo em exposição reúne estudos do artista sobre fotografia e apontamentos do seu próprio processo de criação. Ao situarem-se “entre uma situação quase documental e a exploração estética” [5], as fotografias de Carlos Lobo enquadram-se num regime imagético “negociado entre as imagens ostensivas da arte e os sintomas sociais, culturais e políticos” [6], proposto por Rancieré. Nem puros documentos, nem pura arte, as ditas imagens metamórficas potenciam relações analógicas infindáveis e por vir, congregando em si um regime duplo da imagem como símbolo (remissiva) e como interruptora do fluxo mediático (dissemelhante). [7] Através da fotografia, inscrever na história marcas de um tempo, fisicamente removíveis ou deléveis, contribuindo dessa forma para a possível edificação de uma memória colectiva e para a reconstrução identitária do país. Ainda estão lá.
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[1] DIDI-DIHUBERMAN, Georges. Imagens, apesar de tudo. KKYM, Lisboa, 2012. ![]()
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