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ELISA PÔNEFALSO SOL, FALSOS OLHOS | 'COMO UMA LUVA'![]() GALERIAS MUNICIPAIS - GALERIA QUADRUM Palácio dos Coruchéus, Rua Alberto Oliveira nº 52 1700-019 Lisboa 21 NOV - 31 JAN 2021 ![]() ![]() Curadoria: Estelle Nabeyrat
[Todos os itálicos se referem a citações da conversa entre Catarina Real e Elisa Pône, enquadradas ao longo do texto que se segue.]
Elisa Pône apresentou, de 21 de Novembro de 2020 a 31 de Janeiro de 2021, a exposição “Falso Sol, Falsos Olhos” na Galeria Quadrum em Lisboa. Apesar do encerramento progressivo das galerias e espaços expositivos devido ao estado de emergência, a exposição de Elisa continuou, sozinha mas não abandonada, com espectadores mais participantes do que a norma das exposições. O espaço da galeria Quadrum, a sua história e a sua fisicalidade, são o mote projectual de Elisa. Esta dimensão é extrapolada também para o espaço digital, trazendo uma outra camada de leitura do espaço e da presença. Apesar de o contexto pandémico não o evidenciar, e esta ser agora uma estratégia contemplada na adaptação do universo artístico que vivia da presença, a mostra do vídeo num espaço desfasado da exposição in loco não é resultado de uma adaptação, mas de uma vontade. Comecei a trabalhar neste projecto de exposição há mais de dois anos... o sítio estava já carregado por aquele potencial de ter coisas dentro e fora do espaço... A direcção do projecto coincidiu com uma certa “compatibilidade pandémica”. Conversei com a Elisa sobre esta peça, a única que tive oportunidade de visitar, e que suscitou uma possibilidade particular de leitura da exposição e dos seus propósitos.
Como uma luva, video still. Vídeo 4:3, preto e branco, 10’27’’, 2020.
Apesar do francês e do português terem uma grande semelhança estrutural, os jogos de linguagem exigem-nos uma certa subtileza que Elisa sente que vai conseguindo acompanhar embora às vezes tenha de verificar. É também na subtileza de um certo jogo paradoxal que a minha leitura sobre esta peça se deu, o que se confirmou com toda a direcção e programa artístico de Elisa que, como diz, gosta dos objectos ambíguos e com duas potencialidades de leitura. Este vídeo centra-se no sistema de segurança que Elisa primeiro julgou ser apenas um sistema de som. Trabalho com frequência com objectos que têm uma certa ambiguidade, que trazem problemas com eles... como a pirotecnia. O objeto pirotécnico tem ambas as leituras; é um símbolo de celebração, mas também belicoso. Pode passar facilmente de um registo para outro.
Como uma luva, video still. Vídeo 4:3, preto e branco, 10’27’’, 2020.
E porquê a opção do espaço virtual para o mostrar? Queria que as pessoas que não conhecem o sítio pudessem refletir sobre o vídeo sem perceber que era um espaço de exposição. Filmámos de maneira específica: câmara no ombro, muito móvel e perto do actor, o que dá poucas perspectivas alargadas do espaço. A rodagem aconteceu entre duas exposições, com o espaço vazio. São momentos de ultra-potencialidade. Considerei-o quase como um espaço mental. Nesta óptica, fazia todo o sentido a difusão online.
Acho que as raízes do meu trabalho se encontram precisamente aqui: na colisão das potencialidades de leitura. Que também se revela aqui na escolha do actor... Neste caso, eu própria tinha um preconceito sobre quem deveria ser o “especialista em segurança”. Procurava uma pessoa mais provocante. A final, achei mais interessante escolher alguém como o Mário Afonso. É coreógrafo e bailarino. Ele tem uma certa delicadeza fora do padrão esperado, o que cria confusão neste contexto e abre espaço para dúvidas e gera complexidade. Eu fiquei presa no limbo entre uma espécie de incitamento e dissuasão de um roubo e também na compreensão do valor da presença pela ausência. E, na mesma linha, a forma como o texto foi preparado e a sua articulação com o actor; há um espaço de silêncios em que se compreende a não verdade, mas ainda podemos hesitar ... Quando ele começa a falar, mas deixa em suspenso a frase, como se [nós que o ouvimos] já soubéssemos, como se só pudéssemos saber. Sim. Uma das minhas primeiras exposições tinha o título “Fecha os olhos, salva a tua pele” [1]. É uma coisa recorrente, a de trabalhar as contradições. Mesmo as de linguagem.
Como uma luva, video still. Vídeo 4:3, preto e branco, 10’27’’, 2020.
E também há a relação com o robô da exposição [referindo-se a Memory Flood, 2020], que literalmente produz uma luz, mas que tem uma vida própria. “Vida própria” face à interpretação de uma série de factores, mas que não são legíveis para nós. O robô é programado para se movimentar em função de dados ambientais (temperatura, humidade e luminosidade); cada variação dos dados inicia uma mudança no comportamento do robô. É um objecto industrial que, supomos, terá por função a de iluminar determinados objectos. Neste caso não cumpre essa função, não está a iluminar nada, está a compor o seu próprio caminho. Essa peça, juntamente com Composição de Teresa Quirino (1920-2013) e a iluminação que lhe atribuíste, dá-nos uma exposição não acessível e ainda acessível [considerando o confinamento, mas mesmo antes dele, a autonomia perante os horários da galeria Quadrum], parece uma continuidade do desdobramento de pensar o espaço. Exactamente. Queria que pudesse estender-se, e duma certa maneira, entrar nas rotinas da vizinhança ou no caminho dum público indirecto. Daí o funcionamento das luzes e do robô fora dos horários de funcionamento da galeria ou o comprimento da escultura de pladur que atravessa totalmente a galeria até sobressair do edifício pelas janelas. Articula a ligação entre os dois jardins e a galeria, cria uma interface. Fiquei contente por ver que foi aproveitada pelas pessoas que lá iam passear. Serviu como banco, mesa, elemento de jogo...
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Elisa Pône (n.1979), estudou história da arte (Universidade de Paris-Nanterre) e artes visuais (École Nationale Supérieure d'Arts de Paris-Cergy, Master 2005; e Maumaus Lisboa, Independent Study Programme 2015). Vive e trabalha em Lisboa. A sua prática implementa um trabalho proteiforme. Interessa-se pelas ambiguidades e paradoxos dos nossos comportamentos, pelos efeitos da velocidade e dos objetos equívocos. É representada pela galeria Michel Rein em Paris e Bruxelas.
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Notas [1] ”Fermer les yeux, Sauver sa peau” titúlo do meu primeiro solo na galeria Michel Rein Paris, em 2008. O título vem da novela de Thibault Lang-Willar, Chlore, 2003. ![]()
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