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A MOVART reabre portas na Estrela com duas exposições que exploram o território entre o visível e o invisível, o material e o digital, o íntimo e o coletivo. Desde o dia 10 de outubro, o novo espaço da galeria, na Rua Santo António à Estrela, 74A, acolhe as mostras individuais de Fidel Évora e Jules Be Kuti, patentes até 22 de novembro de 2025. Juntos, os artistas propõem reflexões sobre a imagem, seja como fragmento de memória, como corpo ou como espelho das identidades contemporâneas.
© Alexander Silva / Cortesia MOVART
© Julia Ugelli
Pixels que guardam memórias
Em “Coisas do Coração e Não Coisas”, o artista cabo-verdiano Fidel Évora, com curadoria de João Silvério, apresenta uma investigação poética sobre a transição da imagem analógica para o universo digital. Através da serigrafia, Évora reinterpreta arquivos visuais provenientes do cinema, de livros e da internet, convertendo-os em estruturas bitmap que fazem a imagem oscilar entre o reconhecimento e a abstração.
Cada obra é uma recomposição da memória: impressões únicas que restauram a fisicalidade perdida na era dos ecrãs. O artista transforma pixels em matéria e sons em paisagem, construindo uma atmosfera contemplativa e imersiva, amplificada pelas colaborações sonoras com a artista Mrika Sefa. Entre composições melódicas e imagens que parecem ganhar movimento, Fidel Évora propõe uma experiência sensorial que convida o visitante a desacelerar e observar - um gesto de resistência face à velocidade algorítmica do nosso tempo.
Nesta cartografia de imagens e sons, a arte torna-se um lugar de deriva, onde o digital reencontra o humano, e onde cada fragmento revela o coração das “não coisas”, aquilo que sobrevive à fugacidade da tela.
© Alexander Silva / Cortesia MOVART
© Julia Ugelli
Masculinidade em novos contornos
Em “Fragment from an Invisible Masculinity”, o artista francês Jules Be Kuti traz a sua primeira exposição individual em Portugal, uma poderosa meditação sobre a identidade masculina negra. Integrada na série “Shades of Black: Explorations of Masculinity”, a mostra explora, com delicadeza e vigor, as múltiplas camadas da experiência negra masculina, da infância à paternidade, da solidão à comunhão.
Com uma paleta vibrante, que alterna profundidade e luminosidade, Be Kuti constrói retratos que revelam tanto a resiliência quanto a vulnerabilidade. Inspirado pelas figuras masculinas de seu círculo familiar e afetivo, o artista propõe um diálogo sobre representação, diversidade e beleza, questionando os estereótipos que ainda moldam as narrativas sobre masculinidade.
A mostra conduz o público a mergulhar nas emoções e narrativas que cada retrato evoca, oferecendo uma jornada sensível e reflexiva sobre as vivências da masculinidade negra. E é precisamente esse espaço, íntimo, político e poético, que a exposição abre: um lugar de reconhecimento e escuta, onde o olhar encontra o outro e, no reflexo, também se vê.
Acima de tudo, “Coisas do Coração e Não Coisas” e “Fragment from an Invisible Masculinity” são momentos de pausa, presença e percepção. Dois percursos complementares que, no som e no silêncio, nos pixels e na pele, revelam o poder da arte como território de encontro.
Por Julia Ugelli