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BERNARD STIEGLER (1952–2020)2020-08-11![]() Bernard Stiegler, o prolífico filósofo francês e teórico da “tecnicidade” que insistia no papel constitutivo da tecnologia na cultura, na sociedade e na existência humana, morreu aos sessenta e oito anos. O Collège International de Philosophie (Ciph) de Paris anunciou a sua morte através de um post nas redes sociais no dia 6 de agosto, lamentando a perda de uma “voz forte e singular, um pensador extraordinário da tecnologia e do contemporâneo, que desafiou inventar formas para uma nova linguagem.” Nascido em Villebon-sur-Yvette, Stiegler foi atraído pela política de esquerda desde muito cedo, e participou aos dezesseis anos nos protestos estudantis de maio de 68. Alistou-se no Partido Comunista Francês, do qual desertou em 1976 alienado pela acentuada vertente stalinista. Aos 20 anos, Stiegler trabalhou como agricultor, empregado de balcão de lojas, e em vários outros empregos antes de abrir um clube de jazz em Toulouse. Problemas financeiros obrigaram-no a realizar uma série de assaltos à mão armada, que o levaram à prisão em 1978 pelo período de cinco anos. Enquanto esteve preso, estudou filosofia na Université de Toulouse-Le Mirail (hoje Université de Toulouse-Jean Jaurès), e encetou uma greve de fome de três semanas para ganhar o direito a ler sozinho na sua cela. Em 1987, Stiegler co-curou, com Catherine Counot, “Mémoires du futur. Bibliothèques et technologies. ” (Memórias do Futuro. Bibliotecas e Tecnologias) no Centre Pompidou, uma exposição que explorava como computadores, bancos de dados digitais e leitura eletrónica transformaram a memória cultural. Cinco anos depois, defendeu a sua tese na École des Hautes Études en Sciences Sociales sob a orientação de Jacques Derrida e publicou posteriormente mais de trinta livros. O seu trabalho mais influente, Technics and Time (1994-2010), desafiou a oposição categórica da filosofia entre epistēmē e tékhnē, argumentando que humanidade e tecnologia, sujeito e objeto, estão mutuamente imbricados. Livros mais recentes, incluem Automatic Society: The Future of Work (2016), The Neganthropocene (2018) e The Age of Disruption: Technology and Madness in Computational Capitalism (2019) e abordam desafios urgentes apresentados pela inteligência artificial, o Antropoceno e o algoritmização da vida quotidiana. Em 2018, Stiegler ajudou a conceber a "Maratona do Trabalho" de doze horas nas Galerias Serpentine de Londres, onde dezenas de pensadores - entre eles David Adjay, Anne Imhof, Eyal Weizman, Yoko Ono e Lynette Yadom-Boayke - se reuniram para escrever coletivamente um manifesto para enfrentar a crise trabalhista e climática; enviado às Nações Unidas em janeiro seguinte. Stiegler teve muitos cargos académicos e institucionais, incluindo, mais recentemente, enquanto diretor do departamento de desenvolvimento cultural do Centre Pompidou em Paris. Em conjunto com aquele museu, fundou em 2006 o Instituto de Pesquisa e Inovação (IRI), dedicado ao estudo dos efeitos culturais e cognitivos das novas tecnologias digitais. Stiegler também fundou em 2005, a Ars Industrialis, que promove uma “política industrial do espírito e pharmakon.fr, uma escola de filosofia em Épineuil-le-Fleuriel, em 2010. Num artigo publicado no Le Monde em abril, Stiegler refletiu sobre as possibilidades intelectuais e emocionais proporcionadas pelo isolamento no decorrer de uma pandemia global. “O atual confinamento deve ser a ocasião para uma reflexão muito ampla sobre a possibilidade e a necessidade de mudarmos as nossas vidas” escreveu. “Deve ser uma oportunidade para reavaliar o silêncio, e os ritmos a que nos predispomos…” Fonte: Artforum |