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SALLA TYKKÄSalla Tykkä![]() SOLAR - GALERIA DE ARTE CINEMÁTICA Solar de S. Roque Rua do Lidador Vila do Conde 04 JUL - 06 SET 2009 ![]() Salla Tykkä e o “efeito cinema” na arte contemporânea![]() Entre a nova geração de artistas finlandeses que trabalham com a imagem em movimento, Salla Tykkä (n. 1973) é, a par de Eija-Liisa Ahtila, uma das vozes mais originais. Tal como o trabalho desta última, a obra de Tykkä (que trabalha também com fotografia) ilustra um “efeito-cinema” na arte contemporânea, traduzido neste caso pela apropriação e exploração dum certo imaginário cinematográfico. A notoriedade da jovem artista (cujas obras fazem já parte da colecção do Centre Georges Pompidou em Paris) deve-se à intensidade emocional dos seus trabalhos, à “inquietante estranheza” que deles parece emanar. A exposição realizada pela Galeria Solar em Vila do Conde constitui assim uma introdução importante à produção da artista finlandesa, cujos filmes têm vindo a ser mostrados no Festival Internacional de Curtas da mesma cidade. A passagem da sala cinema à sala de exposição constitui certamente um dos aspectos mais interessantes da mostra, que reúne cinco obras da artista: Victoria (vídeo digital, 2009), a trilogia formada por Lasso, Thriller e Cave (35 mm/vídeo, 2000-2003), e o primeiro filme de Tykkä, Power (16mm/vídeo, 1999). Afirmando-se simultaneamente como curtas-metragens e como obras de arte contemporânea, os filmes de Tykkä suscitam inúmeras questões em torno duma interrogação principal: “O que é o cinema hoje?”. Será que o vemos na Galeria Solar continua a ser “cinema”? Se sim, de que “cinema” se trata? Dum cinema que “migrou” (como é agora costume dizer) das suas escuras salas de projecção em direcção às salas habitualmente mais luminosas dos museus e das galerias? Dum “pós-cinema” ou dum “para além” do cinema? Se os trabalhos de Tykkä se distinguem quase sempre pela combinação entre o recito autobiográfico e a reflexão sobre a condição feminina, a referência ao imaginário e ao dispositivo cinematográfico é constante, forçando o espectador a reflectir sobre esse complexo território de fronteira e de miscigenação que é o cinema, arte contemporânea. A incerteza identitária do trabalho de Tykkä, expressa tanto no plano teórico como no plano institucional (as suas obras foram mostradas no festival e na galeria), encontra-se resumida na pequena mas problemática vírgula que simultaneamente separa e aproxima os termos cinema e arte contemporânea. No filme Power (o único exibido num monitor), Tykkä interpreta o personagem de uma lutadora de boxe que combate, torso nu, contra um lutador do sexo masculino. A jovem mulher parece simultaneamente vulnerável e forte, a visão do seu corpo sexuado ameaçando a superioridade aparente do seu oponente. A banda sonora de Power reutiliza dois excertos do filme Rocky (1976). Esta estratégia é, a par da ausência de diálogos, uma constante do trabalho da artista, sendo igualmente convocada na trilogia Cave (2000-2003). Se Power reflecte a relação edipiana de Tykkä com o seu pai (o filme começa com um cartão onde a artista afirma que pretendia realizar um filme sobre a sua mãe, mas que não conseguia deixar de pensar no seu pai), a trilogia parece explorar a passagem complexa da infância à idade adulta. Os três filmes evocam ainda determinadas convenções de género do cinema clássico, fazendo justiça a uma afirmação de Tykkä segundo a qual o cinema pode “ser parte da experiência pessoal e da memória e guiar a concepção que uma pessoa tem de si própria e do mundo” (1). Em Lasso, a referência é ao western, a banda sonora do filme retomando um excerto da célebre composição de Enio Morricone para Era uma vez no Oeste (1968). Já com Thriller somos confrontados, através da reutilização de excertos sonoros de Carrie (1976) e de Halloween (1978), ao universo dos filmes de terror e, com Cave, ao dos filmes de ficção científica. Se estes três filmes enigmáticos se articulam invariavelmente em torno de personagens femininos, o mais recente Victoria constitui uma excepção à regra: documentando o florescer nocturno de um nenúfar gigante (Victoria Cruziana). A planta em questão, que floresce apenas uma vez, foi descoberta no começo do século XIX por exploradores britânicos, que lhe deram o nome da Rainha Vitória e a trouxeram para o Reino Unido (diz-se que as folhas do nenúfar gigante inspiraram a construção do célebre Crystal Palace). A música de Mahler contribui para a dramaturgia cuidada do filme: tal como na trilogia “Cave”, o espectador tem a sensação de testemunhar um acontecimento único ... e sempre profundamente enigmático. Diante as imagens cuidadas de Tykkä, as interrogações sucedem-se, digam elas respeito à natureza das imagens ou à beleza do mundo. NOTA (1) Salla Tykkä, “Cave”, in www.tinyurl.com/mf6udd (artigo consultado a 3 de Agosto de 2009). ![]()
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