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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Tropa / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Tropa / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Tropa / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Tropa / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Pina / Cortesia MAAT


Miriam Cahn, Unser fruhling, 2004, 2020, 2021, 2023.


Miriam Cahn, Rennen, 2005.


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Tropa / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Julia Ugelli / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Tropa / Cortesia MAAT


Miriam Cahn, Konnteichsein, 2022.


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Pina / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Tropa / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Pina / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Pina / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Pina / Cortesia MAAT


Vista da exposição O que nos olha, de Miriam Cahn, MAAT, 2025. © Pedro Tropa / Cortesia MAAT

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MNAC - Museu do Chiado , Lisboa
MADALENA FOLGADO

ARQUIVO:


MIRIAM CAHN

O QUE NOS OLHA




MAAT
Av. de Brasília, Central Tejo
1300-598 Lisboa

26 JUN - 27 OUT 2025

Pintar com luz a escuridão

 

 

“In the dark times
Will there also be singing?
Yes, there will also be singing.
About the dark times.”
— Bertolt Brecht

 

 

Aquilo que nos olha e aquilo que é olhado são dois pólos do mesmo núcleo da visão. Encontramo-nos com as coisas e nelas nos entranhamos. De olhos abertos ou fechados o mundo oferece-se à nossa visão, aguardando pela régua, pela caneta, pelo pincel — pela ação. As coisas tornam-se as coisas por meio do nosso olhar: é o nosso olhar que antecede o ato e é ele que mede, na flutuação do tempo, o gesto que lhe procederá. Porque olhar é ver e saber que vê, ele é por isso também a consciência diante d’aquilo que vemos; a responsabilidade de debruçar-nos, com atenção, sobre aquilo que nos aparece à frente.

“O que nos olha” é o nome da primeira exposição individual da pintora suíça, Miriam Cahn (Basel, 1949) no MAAT, até dia 27 de outubro de 2025, sob a curadoria de João Pinharanda e Sérgio Mah. A exposição, que conta com um conjunto de 160 quadros e uma sala-instalação, incide de maneira precisa sobre as questões do nosso tempo e inclui trabalhos maioritariamente da sua produção mais recente – não excluídas, entretanto, as obras das décadas de 70, 80 e 90.

De maneira geral, Cahn pinta sobre temas contemporâneos e, ao mesmo tempo, longevos: a violência, a guerra, o estupro, a humilhação, a decadência e o horror. Inscreve, ainda, os estados de espírito que acompanham a tragédia humana: medo, pavor, desespero, pânico, sadismo. Na quase totalidade das obras, o corpo aparece como medium central e privilegiado da sua exposição, seja como recetáculo, como perpetuador ou como enigma sensível dos fenómenos da violência. Os estados de espírito macabros que acompanham os quadros figurativos apresentam-nos desde situações violentas até quadros de retratos - de rostos ou corpos.

Envolvidos por um continuum de vida a morte, ou, mais precisamente, de destruição e devastação, os quadros nascem e renascem sistematicamente na exposição atravessados por uma melodia semelhante, qual seja, a melodia dos estados horroríficos causados pela guerra, pela decadência do humano e pela imponente violência sádica, indiferente e irresponsável na experiência do nosso tempo. A pintora dedica-se, assim, a pintar o grotesco e o brutal, buscando alcançar o insuportável da experiência humana. A exposição comporta momentos diferentes da sua trajetória e, também por isso, momentos de maior simplicidade e outros de maior aprofundamento técnico.

 

Miriam Cahn, b.t. 10.05.2012, 2012, pastel e grafite sobre papel, 84 x 70 cm.

 

Com uma ênfase evidente, entretanto, na pintura figurativa – adquirindo por vezes caracteres infantis, como no caso dos desenhos em grafite e carvão – as salas encontram-se lotadas de acontecimentos e cores. A exposição como um todo veicula um certo excesso, não de informações – porque a forma como os quadros estão dispostos é bastante equilibrada – mas por uma espécie de sobrecarga psíquica sugerida desde o início do percurso, que alcança maioridade ao longo da exposição. A pintora utiliza diferentes formas para alcançar ou expressar a violência e o macabro, das quais se destaca o entrelaçamento do traço figurativo e exímio domínio no uso das cores.
Por meio desse entrelaçamento, as obras apresentam um conjunto não só de figuras, mas de estados de espírito que se inscrevem na formação dos corpos e dos acontecimentos, ao mesmo tempo reais e irreais. Com uma clara herança do expressionismo alemão, os rostos, os corpos, os momentos grotescos e trágicos da experiência humana estão figurados e atravessados por um carácter macabro, conseguido por uma forte expressividade e um exímio controle da iluminação por meio do uso das cores.

 

Miriam Cahn, Wesen, 28.05.2018. Óleo sob madeira.


Nos rostos e nos eventos, as cores e os traços ao mesmo tempo se compõem e se desmancham, como se o próprio humano estivesse em decomposição. Inscreve-se, dessa maneira, em grande parte dos quadros, a força da violência na sua capacidade de desconfigurar os corpos e a realidade – seja pelo desmembramento literal, seja pela capacidade de entrelaçar o real e o onírico, onde as experiências retratadas sugerem o sobre-humano. Mesmo a presença constante de aviões e tanques de guerra, muitas vezes em tamanhos colossais, sugerem o abismo que se cria na experiência da desumanização absoluta. Nesse sentido, a exposição evoca uma experiência estética em que prevalece a brutalidade, a sexualidade e a violência na experiência humana – onde uma espécie de abandono diante do grotesco da humanidade agita estranhas espiritualidades.
Nos quadros em que figuram eventos, como é o caso de “Fuck Abstraction!” o polêmico quadro vandalizado em França [1], o humano, entre o desconfigurado e o anónimo, aparece frontalmente nos seus rituais de guerra e subjugação, de sexo e humilhação, em um horizonte ao mesmo tempo distópico e real, imaginário e histórico. Com uma referência marcada dos crimes cometidos na guerra Rússia - Ucrânia, Cahn marca a mistura entre a violência e a sexualidade, o prazer e o horror, numa obra que figura ao lado de outros quadros em que o humano e o animal se confundem. Essa confusão, de mãos dadas a uma espécie de despedaçamento da realidade, inscreve-se nas obras por meio de um jogo de iluminação que concede à realidade de devastação e solidão.

 

Miriam Cahn, fuck abstraction! (2007-2022).

 

O corpo aparece na exposição sob diferentes luzes e diferentes traços, revigorando a sua centralidade enquanto suporte da experiência estética e marcando também uma forte componente de género no seu trabalho. Cahn apresenta, nesse contexto sombrio, o corpo precisamente com a sua simples e extraordinária simplicidade: um corpo é um corpo. Ao evocar também as questões relacionadas ao envelhecimento, a pintora figura o corpo feminino precisamente no seu carácter transitório, envelhecido, com as suas veias salientes e as suas formas naturais. A mulher é, aqui, corpo – suporte da experiência e da intervenção do mundo – e também experiência feminina particular: rituais de parto, estupro e violência de género estão presentes na exposição, não descurando do aspecto essencialmente político e muitas vezes heróico de estar viva como mulher. Assim, sob diferentes luzes e diferentes experiências, o corpo aparece e reaparece: opaco ou belo, horroroso ou simples, iluminado ou obscurecido, ele é o caminho central para a experiência da pintora e do humano no mundo — constitui forma privilegiada de figuração e veículo para a vida e a expressão estética.

Nesse sentido, profundamente atenta ao nosso tempo, Miriam Cahn apresenta-nos uma exposição sombria que entrelaça ao mesmo tempo a sua experiência enquanto mulher e a tentativa de figurar o não figurativo, de dar contorno à absoluta desfiguração, de retratar o carácter sombrio do nosso tempo. Em um contexto político, económico e histórico em que as guerras, os genocídios e a cumplicidade política com políticas de morte são notícias diárias; em que corredores humanitários são dispostos para que milhares de pessoas caminhem mesmo sem ter para onde ir, despedaçadas de seus territórios e das suas vidas, a entrada no imaginário dessa artista é, no fundo, a entrada na irrealidade do real.

Nesse sentido, o trabalho pujante dessa pintora suíça coloca-nos não só diante das suas obras, mas diante das questões fundamentais do nosso tempo, daquilo que não podemos dizer não ver. Lembra-nos, assim, da experiência humana, individual e coletiva, que diz respeito ao compromisso de olharmos o que nos olha, de entranharmo-nos na realidade – de estar presente no nosso tempo e enfrentar as questões ao mesmo tempo contemporâneas e longevas, quase eternas, como as da violência e da guerra, da destruição do outro e da acumulação desenfreada, da vingança e da matança como motores históricos. A partir do corpo, cabe-nos perguntar o que resta do humano, revitalizar a nossa sensibilidade diante de um futuro maquinal que se ergue entre guerras e catástrofes, mas também em meio à indiferença, à hipocrisia e à banalidade.

Cabe a nós olhar, sentir e fazer as questões do nosso tempo.

 

 


Mariana Varela
É formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e Filósofa-em-Curso pela FCSH. Fez uma Tese no Mestrado sobre o Capitalismo Flexível e os Novos Movimentos Sociais e desenvolve actualmente uma tese sobre Materialismo e Temporalidades da Natureza na Filosofia. Colaborou com grupos de estudos sobre os Situacionistas e integrou grupos de Poesia Experimental, tendo participado de uma série de eventos literários em São Paulo. Em Lisboa publicou os livros de poesia Enigmas de Jaguar e Jasmim e Rotativa, ambos pela editora Urutau. Está publicada em revistas literárias e antologias.

 

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Notas

[1] O quadro em questão foi vandalizado, em 2023, depois de vários grupos de direitos das crianças haverem denunciado a pintura como pornografia infantil e pedirem que ela fosse retirada - tentativa que foi rejeitada pelos tribunais franceses. No mês de maio, um homem idoso, insatisfeito com a suposta representação, vandalizou o quadro com tinta roxa.



MARIANA VARELA