Links

NOTÍCIAS


ARQUIVO:

 


CARTA DE GEORGIA O’KEEFFE MUDOU VIDA DE YAYOI KUSAMA

2025-05-12




Ao longo da história da arte, houve pares de amigos a colaborar, apoiando as práticas uns dos outros e enfrentando juntos a tempestade dos mercados e das exposições — de Picasso e Braque a Warhol e Basquiat. Um duo de que talvez nunca tenha ouvido falar, no entanto, é o impacto que a modernista americana Georgia O'Keeffe teve na sua amiga por correspondência Yayoi Kusama. Na verdade, Kusama talvez não tivesse feito a mudança que definiria a sua carreira para a América se não fosse o conselho de O’Keeffe, mais de quatro décadas mais velha do que ela.

Kusama nasceu em Matsumoto, no Japão, em 1929. Na sua juventude, deparou-se com o trabalho de O'Keeffe num alfarrabista da cidade. Numa entrevista de 2016 ao “Guardian”, a artista disse que a descoberta mudou a sua vida. “Sonhava ir para a América e escapar da minha família, mesmo não conhecendo lá ninguém”, disse. “Depois de ver as suas pinturas neste livro, escrevi-lhe.” A carta que ela enviou daria início a uma correspondência que duraria décadas.

Foi a 15 de novembro de 1955 (aliás, no 68º aniversário de O'Keeffe) que Kusama escreveu a sua primeira carta a O'Keeffe no Novo México. Nunca tinham falado antes. O'Keeffe foi uma célebre pioneira da pintura modernista americana durante duas décadas; Kusama tinha apenas 26 anos. “Estou apenas no primeiro passo da longa e difícil vida de ser pintora”, escreveu. “Poderia gentilmente mostrar-me o caminho?” Ela enviou duas pinturas em aguarela juntamente com a sua carta para O'Keeffe.

Em 20 dias, para grande surpresa de Kusama, O'Keeffe respondeu. “Fiquei louca a pensar que ela poderia responder… Nem queria acreditar na minha sorte!” escreveu Kusama na sua autobiografia de 2002, “Infinity Net”. Teve a gentileza de responder ao súbito desabafo de uma humilde rapariga japonesa de quem nunca tinha conhecido ou ouvido falar. E esta foi apenas a primeira de muitas cartas encorajadoras que ela me enviaria.

Na sua resposta a Kusama, a 4 de dezembro, O’Keeffe aconselha a jovem artista japonesa a mudar-se para a cidade, pergunta-lhe se pretende vender as aguarelas que as acompanham (e a que preço) e se gostaria que as enviasse a um negociante que pudesse estar interessado. O seu principal conselho foi que Kusama deveria “mostrar a sua arte a todos os que pudesse” para impulsionar a sua incipiente carreira.

A resposta da estrela artística talvez não tenha sido tão surpreendente como Kusama pensava. O'Keeffe trabalhou durante anos para quebrar o teto de vidro numa indústria dominada por homens, pelo que apoiar uma aspirante a artista feminina estava na sua natureza. O'Keeffe tinha também uma apreciação pessoal pela arte e cultura japonesas, tendo visitado o país em 1959 e possuído os seus próprios quimonos. Diz-se que o endereço de devolução japonês de Kusama foi o que inicialmente despertou o interesse de O'Keeffe em responder à nota.

O par continuou a enviar cartas uma à outra. Apesar das ofertas regulares de O'Keeffe para que Kusama a visitasse na sua casa no Novo México, as duas só se encontraram uma vez. Este primeiro e único encontro ocorreu seis anos depois de Kusama ter enviado a sua primeira carta. Nessa altura, Kusama estava a viver em Nova York. Já tinha passado cinco anos desde que se tinha mudado para os EUA, tendo-se estabelecido inicialmente em Seattle durante um ano. No seu apartamento no centro da cidade, recebeu um telefonema de O'Keeffe, dizendo: "Estou a caminho". Dez minutos depois, lá estava ela.

Yayoi Kusama refletiu sobre o seu encontro para a Tate em 2019: “Ela era uma mulher que simplesmente transpirava refinamento. Havia algo verdadeiramente nobre e digno nela. ‘Sou Georgia O’Keeffe’, disse ela, entrando na sala. ‘Deves ser Yayoi. Como vão as coisas?’” Kusama ficou devastada ao descobrir que a sua câmara estava sem película, pelo que não foi possível registar o encontro.

Durante anos, O'Keeffe continuou a oferecer a Kusama que ficasse com ela no Novo México. “O’Keeffe foi muito prestável comigo, perguntando-me se eu estava com dificuldades em pagar as contas e se queria ir para a casa dela no Novo México. Embora fosse uma pessoa muito solitária, ela esforçou-se para me visitar e expressar preocupação com o meu bem-estar. Disse que teria todo o gosto em oferecer-me alojamento e alimentação, mas eu recusei relutantemente porque sabia que só em Nova Iorque me poderia tornar uma estrela”, escreveu Kusama.

Para além do apoio escrito e das ofertas para que Kusama ficasse com ela, O'Keeffe até facilitou a venda de várias obras de Kusama enquanto esta esteve em Nova Iorque para ajudar as finanças da jovem artista.

Mas o que O'Keeffe deu a Kusama foi algo muito mais profundo. “Se ela não tivesse respondido tão gentilmente à minha carta desajeitada e imprudente, não tenho a certeza se teria chegado à América”, recordou a artista japonêsa. “Ela foi a minha primeira e maior benfeitora; foi graças a ela que pude ir para os EUA e começar a minha carreira artística a sério.”


Fonte: Artnet News