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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Pedro Cabrita Reis, I Dreamt Your House Was a Line, 2003. Vista da instalação na University Art Gallery of Massachusetts, Dartmouth, 2003. Fotografia: Roland Gutierrez. Colecção do artista (pro


Vista da exposição One after another, a few silent steps no Museu Colecção Berardo, Lisboa. Fotografia: David Luciano.


Vista da exposição One after another, a few silent steps no Museu Colecção Berardo, Lisboa. Fotografia: David Luciano.


Vista da exposição One after another, a few silent steps no Museu Colecção Berardo, Lisboa. Fotografia: David Luciano.


Pedro Cabrita Reis, One floor, one floor plan, 2004. Fotografia: PCRSTUDIO / João Ferro Martins.


Pedro Cabrita Reis, vista das instalações The grid, 2006 e Compound group (#13, #14, #15), 2007. Fotografia: PCR Studio / João Ferro Martins. Colecção Museu Colecção Berardo, Lisboa.


Pedro Cabrita Reis, Cabinet d’Amateur #2 (Stockholm version), 2001. Fotografia: Anna Kleberg Colecção Museu Colecção Berardo, Lisboa.

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ARQUIVO:


PEDRO CABRITA REIS

One after another, a few silent steps




MUSEU COLEÇÃO BERARDO
Praça do Império
1499-003 Lisboa

04 JUL - 02 OUT 2011


A origem da obra de arte é o artista.
A origem do artista é a obra de arte.

Martin Heidegger




Uma reflexão em torno da obra do artista Pedro Cabrita Reis torna inevitável uma extrapolação para outros domínios, levando-nos a questionar conceitos a respeito da função que a arte sempre exerce enquanto representação antropológica e poética que coloca o ser humano perante um reflexo de si mesmo, da sua existência num espaço e num tempo irrevogáveis. A retrospectiva do artista que actualmente se encontra no Museu Colecção Berardo propõe uma viagem ao universo do autor. Território e materialidade são o ponto de partida para uma mescla de obras cuja característica basilar é a interdisciplinaridade artística na qual os limites impostos pela terminologia clássica que distingue pintura, escultura ou desenho deixam de fazer o menor sentido. Pedro Cabrita Reis “trabalha com um material anterior às palavras, teoricamente impossível de transmitir em linguagem corrente, isto é, numa linguagem que não seja a sua, porque qualquer outra é uma linguagem errada.†(1).


I. Sacralização do objecto na Arte

Pedro Cabrita Reis é um “artista que faz tudo o que lhe apeteceâ€, no entanto, não é de aleatoriedade ou de ausência de mensagem que aqui se trata. O artista selecciona materiais, transforma-os, une-os, criando, deste modo, obras de arte que evocam a religiosidade intrínseca a qualquer objecto. “Que respeito pelos objectos. Cada um tem beleza própria porque é único, possui o insubstituívelâ€, afirmou Jean Genet referindo-se às obras de Alberto Giacometti. Este mesmo respeito pelos materiais pode ser constatado perante as obras de Cabrita Reis. “Há uma objectividade própria à identidade intransigente de um material.†(2), no entanto, essa mesma objectividade, através do processo criativo, converte-se numa subjectividade que estabelece um diálogo com a subjectividade do espectador. Estabelece-se uma relação osmósica entre a vida e a arte, mediante um processo artístico que se baseia na transladação de materiais pertencentes à quotidianidade para um domínio que, de certo modo, torna possível um outro olhar sobre estes, “o espectador percebe um objecto tal como ele concretamente é, algo que existe no espaço e no tempo. Dessa forma, a experiência é interessante na medida em que a relação entre espectador e objecto pode ser envolvida em drama; ou seja, na medida em que esse relacionamento possa ser tornado teatral.†(3). A obra I dreamt your house was a line poderá parecer uma mera instalação composta por grandes suportes de luz, mas o que presenciamos é um simples desenho no qual o lápis foi substituído por luz – desenhos de luz, uma casa cujas linhas circundantes emanam luz.

A arte contemporânea ficou marcada por uma aproximação a valores filosóficos e conceptuais na medida em que não é já apenas a tonalidade da cor ou a perfeição do traço que são sujeitas a uma apreciação, sendo-lhes acrescentadas questões que se escondem por trás dessas cores e desses traços; “as formas inelutavelmente linguísticas de pensar, discutir, definir e interpretar a arte tornam-se os próprios materiais da prática da arte (…) as obras assumem a forma de declarações.†(4). Daí que a arte contemporânea, na sua generalidade, tenha desenvolvido uma forte componente de auto-reflexão antropológica, sendo o percurso artístico desenvolvido por Cabrita Reis um exemplo inegável dessa transformação no seio da arte. Como um dos seus representantes no meio artístico português, o próprio afirma “qualquer obra de arte é um problema de pensamento.†E se recuarmos ao século XVIII, podemos encontrar um prenúncio desta arte auto-reflexiva nas palavras de Hegel, “a obra de arte deve, portanto, ter por um lado um conteúdo interno e por outro representá-lo, de maneira a mostrar que tanto esse conteúdo como a sua forma não são somente uma parte mais ou menos inteligente da realidade exterior, mas um produto resultante da representação humana.†(5). Contrariamente à desumanização da arte de que nos falava Ortega y Gasset em 1925, a arte contemporânea parece reflectir o pensamento humano de um modo mais realista do que o próprio realismo pictórico alguma vez o fez. O Quadrado negro sobre fundo branco (1915) de Malevitch estará por ventura mais próximo de uma representação do inconsciente humano do que qualquer retrato de Vermeer. É o ser humano, demasiado humano como medida de todas as coisas, a intimidade subjectiva enquanto base para qualquer criação ou vislumbre. E as obras de Cabrita Reis manifestam de um modo indubitável a marca presencial e autoral de um ser humano.

“Permanece inalterável para a refracção estética o que é alterado; para a imaginação o que ela concebe.†(6). O espectador e a relação que este estabelece com as obras tornam-se um factor primordial ao longo de todo o processo de criação artística, sendo ele que concebe a reflexão que dá a obra por consumada. Deste modo, o meio artístico é forçado a pensar a arte não apenas enquanto objecto que se apresenta à contemplação, mas enquanto processo de criação e acto de pensamento.


II. Construção e Território: A Casa

“A casa é a concepção de um modelo de universo que se pode medir.†(7). A questão do território e do modo como o ser humano se relaciona com o espaço consagrou, durante um vasto período, uma temática constantemente presente nas obras de Cabrita Reis, daí que vulgarmente este seja tido pela crítica como criador de obras arquitectónicas. No entanto, a arquitectura é aqui colocada em oposição à construção enquanto acto primordial do ser humano ao estabelecer uma relação com um território particular. “A construção tem a ver com o lugar que os homens criaram dentro e por oposição à Natureza, a qual inevitavelmente pertencem mas com a qual, inevitavelmente não comunicam†(8), “É a tentativa de encontrar um lugar único a partir do qual se pudesse imaginar a construção quase perfeita de uma cosmogenia ou cosmogénese que seria o lugar do autor no mundo.†(9). O acto de construir, inserido no pensamento e prática artísticos de Pedro Cabrita Reis, é indício da luta que a espécie humana trava, desde os seus primórdios, contra a sua animalidade, contra o caos da Natureza, impondo ao território uma criação autoral, para que, de certo modo, este lhe pertença. A construção da casa torna-se símbolo de uma pulsão tectónica que impõe ao espaço os contornos do pensamento humano. “É, de facto, um olhar de inteligência que perdeu o acesso ao Paraíso e faz uma imposição sobre o mundo. Consegues uma casa. E essa casa é o universo.†(10).


III. Marca Autoral e Metafórica


A obra de Pedro Cabrita Reis está marcada por uma dimensão metafórica mediante a criação de contextos de emergência de significados respeitantes a questões basilares da existência. Há uma sensibilidade que atravessa e extravasa os materiais, convocando, não sem uma certa obscuridade e ambiguidade, a natureza enigmática das obras. “Quando a arte se fala, pela voz ou mão do artista que a transporta, toda a palavra será obscura.†(11). O objecto artístico dá origem a um sentido mutante, pois que resulta da confluência do processo artístico com a experiência do espectador ao confrontar-se com a obra. As construções de Cabrita Reis impõem a primordialidade das formas e os modelos arquetípicos: a casa, a árvore, a água, a luz.

A textualidade que contamina as criações de Cabrita Reis, e que apresenta uma coerência ao longo do seu percurso artístico, remete-nos para uma intensa marca autoral, baseada num formalismo alfabético que se reduz a uma essencialidade geométrica e pictórica, um retorno a formas primordiais: linha, círculo, plano, quadrado, cubo, bem como a ao repetido recurso a materiais rudes, degradados e aparentemente insípidos. A simplicidade das formas está patente em obras como The Grid (2006), um ordenamento de quadrícula numa tela de enormes dimensões, perante o qual podemos constatar a total ausência de uma tal perfeição geométrica na Natureza, o que nos remete para um olhar/criação exclusivamente humanos. Cabinet d’Amateur#2 (2001) coloca-nos perante uma sala na qual parece estar presente a gama cromática de um mundo onde a cor é apenas isso, a pigmentação que absorvemos a cada olhar. No que diz respeito à pintura, o artista, opõe o rigor geométrico de alguns dos seus trabalhos à coloração aquática de telas colossais que lembram misturas químicas, onde a tinta se espraia como se tivesse vontade própria, numa eterna movimentação que se opõe à estaticidade de outras pinturas.

Cada obra afirma a necessidade de regressar ao primordial a fim de concretizar a experiência humana de apropriação da Natureza. O princípio está presente, não sob a forma de um retorno, mas como uma intemporalidade: um eterno sempre do qual nunca partimos e ao qual nunca chegaremos.

“Mas a beleza está não no poema, nem no azul, nem no comum, mas na poesia. A poesia está por todo o lado, onde menos se pode reconhecê-la. É ela que salva todos os possuídos pela falta das imagens ou os embriagados pelo excesso delas. A poesia é, assim, política, porque afecta o comum, cria as formas do comum. É nestas que o humano tem lugar.†(12).

Pedro Cabrita Reis coloca-nos esta poesia diante dos olhos, que sendo partilhada, nos qualifica de comunidade, para que não possamos escapar à sua contemplação, e, através dela, reconhecer que a beleza do “poema†está em todo e qualquer lugar.

“Prefiro a lucidez de uma aparente incoerência e aprender, nessa cacofonia de rumores e murmúrios, que em cada trabalho nos traz, devolvido, o silêncio do princípio, a claridade com que teremos sentido o primeiro encantamento. Afinal uma obra não se conhece, revela-se.†(13). E, “acerca daquilo que não se pode falar tem que se ficar em silêncio.†(14).



NOTAS

(1) Antunes, António Lobo, in Catálogo da exposição One after another, a few silent steps. Lisboa: Museu Colecção Berardo, 2011, p. 5.
(2) Pedro Cabrita Reis em entrevista ao suplemento “Ãpsilonâ€, in Público, 1 de Julho de 2011.
(3) Harrisson, Charles, Hood, Paul, Modernismo em Disputa: a Arte desde os Anos 40. São Paulo: Cosac & Naify, 1998, p. 108.
(4) Charles Harrison e Paul Hood (1998), Modernismo em Disputa: a Arte desde os Anos 40. São Paulo: Cosac & Naify, p. 204.
(5) Hegel, G.W.F., Estética. Lisboa: Guimarães Editores, 1993, p. 393.
(6) Adorno, Theodor W., Teoria Estética. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 16.
(7) Pedro Cabrita Reis em entrevista ao suplemento “Ãpsilonâ€, in Público, 1 de Julho de 2011.
(8) Idem.
(9) Idem.
(10) Idem.
(11) Reis, Pedro Cabrita, “As Notas Polacasâ€, in Catálogo da exposição One after another, a few silent steps, Museu Colecção Berardo, 2011, p. 15.
(12) Miranda, José Bragança de, Corpo e Imagem. Lisboa: Vega, 2008, p. 40.
(13) Reis, Pedro Cabrita, “As Notas Polacasâ€, in Catálogo da exposição One after another, a few silent steps, Museu Colecção Berardo, 2011, p. 15.
(14) Wittgenstein, Ludwig, Tratado Lógico-Filosófico, Investigações Filosóficas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, p.142.


Maria Beatriz Marquilhas