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SUSANA MENDES SILVARectangle DisorderFUNDAÇÃO LEAL RIOS Rua do Centro Cultural, 17-B 1700-106 Lisboa 30 JAN - 07 MAR 2014 Rectangle DisorderÀ palavra inglesa disorder correspondem, em português, duas significações distintas: desordem - ausência de ordem, desarranjo, desorganização - ; e distúrbio - na sua acepção patológica, enquanto perturbação psíquica. A exposição Rectangle Disorder, de Susana Mendes Silva, patente na Fundação Leal Rios até dia 7 de Março, convoca o espectador, o material e o espaço de exibição, para discutir as possibilidades contidas nesta polissemia, a partir da estabilidade geométrica de um rectângulo. A exposição é composta por uma instalação que atravessa toda a galeria principal, uma grelha ortogonal suspensa, feita com cabelo humano artificial. As relações de perpendicularidade que se estabelecem entre ângulos e linhas rectas (a cada linha corresponde um fio de cabelo) formam rectângulos que se repetem até à omnipresença. O rectângulo activa, aqui, a arquitectura do espaço expositivo que consiste num paralelepípedo branco, uma variação da “câmara estética única” [1], o espaço (pretensamente) asséptico e neutral que serviu de paradigma expositivo à modernidade – o cubo branco. Em 2008, Susana Mendes Silva apresentou, por primeira vez, esta instalação, na Appleton Square – um cubo branco perfeito -, replicando, tal como na Fundação Leal Rios, as condições arquitectónicas do dispositivo de exibição, sendo o resultado Square Disorder, uma grelha quadrangular. Ao replicar o quadrado, e agora o rectângulo, a obra duplica a auto-referencialidade a que impele o cubo branco (no momento da contemplação) tornando-a nula. Este exercício obriga o espaço a negociar com a sua própria estrutura, atingindo-se um primeiro, e imediato, grau de desordem. A desordenação do rectângulo pelo rectângulo, ou do quadrado pelo quadrado, denuncia a falácia de neutralidade associada ao cubo branco e às suas diversas declinações geométricas, mas também destitui espectador de um campo próprio, de uma possibilidade de escolha entre proximidade e distância, pois, neste caso, ver a obra na sua totalidade implica habitá-la – não há contemplação sem participação. O espaço é transformado em território imediatamente comum, onde coabitam lugar, obra e espectador, e é esta comunidade que acciona toda uma espiral de desordem. De cada um dos vértices da grelha, um segundo tecto que envolve todo o espaço expositivo, pende um fio de cabelo que interpela o espectador na sua fisicalidade pois obriga a um contacto háptico que não faz, contudo, com que Rectangle Disorder se subordine a uma qualquer lógica sinestésica, apenas oferece uma impossibilidade de fragmentação sensorial. Estas condições de convivialidade (imposta) dotam a obra de um imenso potencial performativo. O corpo de cada espectador, que é também participante, tem de encontrar uma forma, sempre subjectiva, de se relacionar com a instalação de Susana Mendes Silva. Não será por acaso que paralelamente à exposição, decorrem, na Fundação Leal Rios, três performances concebidas a partir de Rectangle Disorder, realizadas pela artista em colaboração com o coreógrafo e performer Miguel Pereira e o sonoplasta Jari Marjamäki. Em "#1 [Preview]" (no passado dia 28 de Janeiro), foi mostrado um momento anterior à inauguração em que ainda decorre a montagem e a quase coreografia a que esta obriga; na sessão "#2 [Manual de Instrução]" (19 de Fevereiro, às 18h; 22 de Fevereiro, às 16h30; e 5 de Março, às 18h), Susana Mendes Silva e Miguel Pereira acompanham os participantes na exploração das diversas relações que um corpo pode estabelecer com a instalação; e em "#3 [Finissage]" (7 de Março, às 22h) é apresentado o momento final, a natureza finita que permeia Rectangle Disorder. As três performances concorrem para um entendimento daquilo que é, neste caso, o ciclo de vida da obra de arte [2]. A natureza do material utilizado - o cabelo humano artificial - tem implicações de diversa ordem. Por um lado, faz com que a obra se situe no limiar da visibilidade (e, portanto, dificilmente fotografável), perturbando a tendência escopofílica humana e desorganizando a normalidade perceptiva. O visível e o invisível assumem-se enquanto instâncias fundamentais na análise das condições de visualidade contemporâneas, ao desordená-las, Susana Mendes Silva, traz também a discussão as relações de poder associadas a todo o processo escópico. Por outro lado, o cabelo é uma matéria ambígua, moto de fascínio e repulsa. (Na origem desta obra está, como revela Pedro de Llano no texto que acompanha a exposição, um episódio em que uma amiga da artista ia enrolando e arrancando fios de cabelo, depositando-os num cinzeiro). Toda a carga simbólica que lhe está associada, o universo patogénico pelo qual se desloca (do arrancar de cabelos à sua queda), a importância que detém junto de algumas comunidades, ao nível simbólico e ritualísco, fazem desta tessitura capilar um lugar de ausência de ordem, um território que escapa à normalização. Susana Mendes Silva testa, assim, a resiliência de um rectângulo que, na sua estabilidade geométrica, se insurge como distúrbio, e não como mero simulacro. E o distúrbio é um dos mais poderosos lugares das cartografias contemporâneas. ::::::::::::::: Notas [1] O’Doherty, Brian (2007), No Interior do Cubo Branco – A Ideologia do Espaço da Arte, Martins Fontes: São Paulo. [2] A programação paralela à exposição, incluí também duas conversas, entre a artista e João Seguro (artista), que decorreu no passado dia 6 de Fevereiro; e uma segunda, dia 28 de Fevereiro, que conta com apresentação e moderação de Nuno Crespo (crítico de arte) com a participação de Susana Mendes Silva, Pedro De Llano (historiador de arte e curador) e Miguel Pereira (coreógrafo/ performer).
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