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EXPOSIÇÕES ATUAIS


João Penalva. Vista da exposição, Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva. Vista da exposição, Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva, Seven views of spaces between five chairs (2015). Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva, Seven views of spaces between five chairs (2015). Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva, Reclining Nude (Abstract) (2025). Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva, Composition with two Nineteenth-century Japanese paper bags... (2025). Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva, Composition with two Nineteenth-century Japanese paper bags... (2025) (detalhe). Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva. Vista da exposição, Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva, John Tanner 1892 (2025). Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva. Vista da exposição, Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva. Vista da exposição, Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva. Vista da exposição, Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva, Philharmonie, after Erich Fritz Reuter (1911–1997) (2025). Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st


João Penalva, People On Air (2014). Galeria Francisco Fino, 2025. © carbonara.st

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ARQUIVO:


JOÃO PENALVA

JOÃO PENALVA




GALERIA FRANCISCO FINO
Rua Capitão Leitão, 76 Marvila, Lisboa


25 SET - 08 NOV 2025


 


Em 1972, em Nova Iorque, Irving Penn começava a trabalhar na série Cigarettes. Interessavam-lhe as beatas de cigarro em “estado de decomposição e mutilação”. Fotografou os objetos, recolhidos nas ruas de Nova Iorque, em escala muito aproximada: cerca de vinte vezes o seu tamanho real. A escala permitiu-lhe a autópsia. Sujos, deteriorados, pedregosos, mas horrorosamente atraentes, como se extraídos de um fumo sinistro e ofuscante: uma questionável sociedade de consumo onde surgiam como comodidades desejadas. Humanizou-os, reconfigurando-os a um pathos trágico, no seu abandono. Mortos, para uma vida que nunca tiveram.

Em 1972, em Londres, João Penalva estudava ballet na London Contemporary Dance School. Trabalharia a partir do ano seguinte com Pina Bausch, mas voltaria à capital inglesa, quatro anos depois, para estudar pintura, até 1981. Mostraria os seus trabalhos pela primeira vez, pouco depois, no Porto. Mais de quarenta anos depois, a exposição que apresenta na Galeria Francisco Fino, sem título, é composta por imagens fúmidas.

Às Sete vistas de espaços entre cinco cadeiras, uma geometria convexa faz surgir silhuetas, crucigramas, labirintos. Sem vermos o título retemos, com alguma dúvida, a fisionomia destes objetos – a textura da madeira, as perpendicularidades do objeto. O que se guarda é o enredo de linhas, subjetivado pela lente aproximada. As cadeiras são reconfiguradas num mikado complexo, sujeitas a uma permanente distensão entre o abstrato e o figurativo. O grão da imagem e o tom sépia ficcionam uma historicidade construtivista, um gosto pelo tátil ou analógico. O título é literal, definindo a obra através do processo que a fundou.

 

Seven views of spaces between five chairs (2015), João Penalva. © carbonara.st

 

A seguir, um padrão têxtil evoca um relevo que não existe. Parece-nos escultórico, depois pictórico, e revela-se fotográfico. Vemos remendos a protagonizarem acasos, como se cerzidos num tecido para ser usado. Uns maiores que outros, os remendos dispõem-se numa geografia retangular, sempre paralela ou perpendicular, cuidadosamente reproduzida. A imagem dá pelo título de Nu Reclinado (Abstracto). Não percebemos. Somos levados a induzir que, entre a abstração e a figuração, o texto vai surgindo como mediador. Não revela, mas suspende um primeiro juízo sobre as imagens. Como já sabemos, no trabalho de João Penalva, a relação texto-imagem é permanente, até obsessiva. Também o verificamos em Composição com dois sacos de papel japoneses, não só pelo título (mais uma vez, feito mínimo denominador comum), mas através da descrição do objeto que vemos, espalmado e crepitante, contra uma superfície vermelha. Ela dá-nos o contexto daqueles dois sacos, a sua proveniência e historicidade, como se dispostos num museu etnográfico. Não nos revela a narrativa possível por trás dos dois olhos do crocodilo (sugeridos pelo artista), na parte inferior da peça – a subjetividade permitida e refletida no objeto retirado do seu contexto. A nova vida dos mortos. Ou extravasando, a língua de uma boca aberta, como aquela de John Tanner 1892, ou um dos possíveis rostos no kintsugi espontâneo de Shiroyama. É assinalável a possibilitação destas ficções no trabalho de Penalva (por nós, ou por ele), nunca adulterando o objeto em causa.

 

Shiroyama (2025), João Penalva. © carbonara.st

 

Nestes dois últimos casos, o texto é um enigma, ora sublinhando uma inscrição na própria obra (no caso de John Tanner 1892), quer remetendo a uma relação íntima, a que apriori não nos é dado acesso (Shiroyama). Quando possível, essa relação é desmistificada no pequeno e bonito livrete (um livro de artista, no sentido mais prático do termo) que acompanha a exposição, com explicações ou contextualizações. Parece-nos ser ele o núcleo, e o motivo para chamar esta exposição de “retrospectiva” – termo abusivo se levado à letra, à inferição de que veremos um extenso percurso pelo trabalho do artista. João Penalva vai expondo as suas considerações num tom confessional, sincero, cómico, milimétrico, fora de tempo – e nesse sentido, retrospetivo. Intervala facto e comentário. Olha os trabalhos como motivos para recordar. O hipertexto não põe em causa o efeito das obras – a tradução dos seus trabalhos tem brechas, acolhe interferências, ou possibilidades de correspondência. Tradução, talvez seja um termo abusivo, é preferível transliteração. Exemplificativo é esse permanente convite a uma pareidolia, nunca descortinada, mas permitida, e por vezes sugerida, pelo artista: reflexo da constante indagação do seu trabalho, a sua atração inevitável por uma complexidade “derivada estrictamente pela necessidade e pelo acaso”.

 

W (1994), de João Penalva. © carbonara.st

 

É nesse sentido que lemos a obra mais antiga da exposição W, de 1994: letra serifada, sozinha, enclausurada num pequeno painel de madeira. Olhando com tempo, a serifa evoca-nos uma distensão: três pregos curvos, condenados. O óleo reluzindo numa ferrugem negra, sob a claridade dos janelões da galeria. Veremos inscrições semelhantes na madeira de John Tanner, procurando uma afinidade narrativa, no filme benningiano da exposição. Segue-se outro trabalho pictórico, deste ano, Philarmonie, inspirado em Erich Fritz Reuter (1911-1997) – paisagem de padrões, fluxo de ritmo e simetria, árido e seco. O intervalo dá-se com Pessoas no Ar. Evocam-se um conjunto de temas comuns às várias obras: a relação permanente entre texto e imagem; o texto que descreve, e contextualiza, sem descodificar; a obra como disposição museográfica, bailado de formas regulares, padronizadas (pós-irónicas?), procurando um lugar na História. Mas aqui, estamos num cenário quase alienígena: um fundo salmão intenso num espaço quadrado; as imagens aglomeradas, apenas, do lado direito. Acaso? Não é um acaso. A estranheza, o deslocamento vai-se calcinando à medida que olhamos em volta: tudo começou nas cadeiras hirtas, alinhadas, mas separadas pelo vão de entrada: duas de um lado, cinco do outro, esticando e encolhendo. Opacas, quase impercetíveis: tingidas pelo fumo do tempo.

 

 

Miguel Pinto
Nascido em 2000. Mestre em Jornalismo pela Universidade Nova de Lisboa, redigiu uma tese sobre a ética noticiosa no Portugal do século XVII, e as suas interseções com uma mundivisão barroca. Licenciado em História da Arte, colaborou com publicações como Hyperallergic, Público ou Umbigo. Trabalha no Departamento de Comunicação da Cinemateca Portuguesa. Escreve nas horas vagas.



MIGUEL PINTO