|
JULIANA CAMPOS / PAISAGEM-FUGABÁRBARA FADEN / MAGNÓLIA![]() MAIS SILVA GALLERY Rua do Duque de Saldanha, 424 4300-462 Porto 13 SET - 31 OUT 2025 ![]() ![]()
O binómio inaugura as sensações, os vaticínios e os reconhecimentos. Faden conduz o olhar do observador para o solo húmido e escorregadio, fecundo, cultivando na terra siena queimada a Magnólia que tentamos discernir: seja ela árvore, flor, espírito ou estado. Os motivos naturais têm sido recorrentes na sua prática artística, que oscila entre a abstração e a figuração, projetando “lugares-sentimento” e “histórias-sonho” que a tinta, na sua condição líquida, torna turvos, livres e selvagens. Não é a definição concreta que Faden pretende. Magnólia é um pretexto assim como o é a sua floração: um pré - um antes da sua folhagem. O centro de Faden é embrião. Nasce resguardado para depois ser expandido, descoberto e agitado pelas intempéries da incerteza do rumo da imagem. Alternando entre pinturas a óleo e a aguarela, pinta confiando no futuro, sem previsões. As formas são rastros, desbravam o terreno com a toxicidade de uma seiva verde que alimenta os invisíveis bichos e a vida de um jardim sem escala, onde “não existem palavras, só poderes” [1]. No piso -1, o chão da galeria é pintado do mesmo tom térreo que imprime as telas. Habitamos o terreno da pintura, mas falta o vento para lhe sentirmos o turbilhão. É no tríptico Waterfall (2025) que uma certa frescura nos é borrifada: pequeníssimas esferas azuis, quais gotículas, aparecem solidamente suspensas numa aguada escorrida de verde limo. É nesta evaporação negada que se dá a transição para o trabalho sideral de Juliana Campos.
Bárbara Faden, Waterfall 2, 2025. © Samuel Duarte Figueira
Dir-se-ia que ele é o completo oposto do de Bárbara: o espaço pictórico é controlado por métricas, composições geométricas e matemáticas, com a presença obsessiva do círculo, da elipse, do quadrado e do rectângulo, tudo em contornos finos desenhados, recortados e perfurados, sobrepostos, sobrepostos e mais sobrepostos ainda, em cores primárias, secundárias e terciárias, degradés tecno e manchas cadentes. O seu processo de trabalho alia-se a processos de repetição e sequência, explorando a tensão que advém da excepção e da variação sobre os mesmos, em cartografias reguladas e reguladoras. As formas que vemos, ao contrário do que acontece em Faden, não são rastros: são astros. O movimento perpétuo de corpos sem nome, em órbitas por vezes ocultas, constrói cenários que vão além dos limites da terra (onírica de Faden) e da visão humana. Campos dá-nos o ar, o acesso aos sistemas de um possível cosmos que já sabemos que é imenso, impossível de conceber no seu todo porque ele é, mesmo plasmado, capturado e seguro na irresistível trama quadriculada, mutante. Desvia-se, engana, teima, é - utilizando a variação da palavra - literalmente tramado. O título escolhido para a exposição é, curiosamente, provocatório: se paisagem pode implicar um posicionamento do observador numa determinada localização, e fuga reporta à ideia da perspetiva que determina a representação ‘real’ (ilusionista) de um espaço que afunila, a utilização da grelha cartesiana contradiz a visão instaurada. Se pensarmos como Rosalind Krauss quando diz que “ao contrário da perspetiva, a grelha não mapeia o espaço de uma sala, de uma paisagem ou de um grupo de figuras na superfície de uma pintura”, podemos concordar que “se ela mapeia alguma coisa, é a superfície da própria pintura” [2]. Este mapeamento demonstra que a realidade física da superfície e a sua representação estética são uma única coisa. Arrisco-me então a pensar se estes dois planos - o estético e o material - se podem converter, respetivamente, na imagem de uma mira sobre o seu alvo. Se o físico diz respeito ao suporte (o alvo), a dimensão estética permite conceber e interpretar essa superfície, mirando-o. O potencial das imagens de Juliana enquanto mira-alvo, sobrepostos - o predador e a presa - é deveras sedutor. A mira, como dispositivo que permite o alinhamento visual para ver e focar melhor, despreza a distância (uma miragem) e converte-a num plano “coextensivo e, através de abcissas e ordenadas, coordenado” [2]. Campos elimina uma linha que não chega sequer a ser de fuga. É eixo que posiciona, sem mover. É uma linha vista de trás, um ponto que tudo reúne.
Juliana Campos, Sem título #35, 2025. © Filipe Braga
O momento suspenso entre a iminência do gatilho, a velocidade do tiro e a trajectória do fogo (veja-se, por exemplo, Untitled #35 (2025)).É esta a sensação de ver os trabalhos de Campos. O olho está em constante foco, quer mover-se mas afigura-se preso, achando que assume o controlo total do rigor pictórico quando é surpreendido por uma linha desalinhada com outra, um círculo que foge da quadrícula, ou uma mancha que se prolonga mais do que devia. Pensa-se que se sabe o que se observa, mas Campos confunde-nos, como ainda há pouco, o cosmos. Concluo então que o centro de Campos é gravitacional, com efeitos no espaço circundante. Faz questão de ir além do quadro para se prolongar pelo espaço da galeria: as paredes são pintadas de um azul matinal engradado por uma grelha a branco, e não parece por acaso o pavimento em mosaico e a existência de clarabóias circulares. Habitamos o mapa da pintura, onde somos o elemento variável que se move em órbitas desconhecidas. E as pinturas-desenhos-colagens também. Reformulo: Faden volta, é crepuscular. Campos vai, é amanhecer. Viajamos em círculo?
Cláudia Handem
[1] Apropriação do título da pintura No words just powers (2025). ![]()
|
