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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição. Foto: © Vasco Stocker Vilhena / Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art


Vista da exposição. Foto: © Vasco Stocker Vilhena / Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art


Gabinete do Crime (2024) (pormenor). Foto: © Aad Hoogendoorn


Vista da exposição. Foto: © Vasco Stocker Vilhena / Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art


Vista da exposição. Foto: © Vasco Stocker Vilhena / Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art


Vista da exposição. Foto: © Vasco Stocker Vilhena / Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art


Vista da exposição. Foto: © Vasco Stocker Vilhena / Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art


Vista da exposição. Foto: © Vasco Stocker Vilhena / Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art


Vista da exposição. Foto: © Vasco Stocker Vilhena / Cortesia Cristina Guerra Contemporary Art

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ARQUIVO:


ROSÂNGELA RENNÓ

COISAS VIVAS [E O DESLETRAMENTO PELA PEDRA]




CRISTINA GUERRA CONTEMPORARY ART
Rua Santo António à Estrela, 33
1350-291 Lisboa

09 OUT - 15 NOV 2025


 

 

 

Uma noite… 
Em que tudo for púrpura no Universo
Em que as rochas retomarem as suas trajetórias de loucas,
Eles despertarão.

Guillevic _ Terraqué

 

 

As pedras e as metáforas da dureza. Granito, basalto, jaspe, quartzo, arenito. O trabalho do escultor e o trabalho do martelo. Ao longe os rochedos e um silêncio primevo. A pedra, na sua mudez, fala tanto que se alonga. As pedras e as rochas guardam qualquer segredo da terra. Os monumentos, por sua vez, guardam a história da história. São o registro das coisas de longa duração. Se um dia vires que uma pedra te sorri, irás dizê-lo? Pergunta Guillevic.

É a partir das pedras, do seu tempo, da sua matéria prima e dos monumentos empedrados que inicio o texto sobre o trabalho de Rosangela Rennó, Coisa Vivas [E o desletramento pela Pedra] em exposição na Galeria Cristina Guerra até dia 15 de novembro. Rennó é artista brasileira com um vasto percurso artístico, tendo executado desde a década de 1990 trabalhos de diferentes naturezas. É difícil, nesse sentido, defini-la de uma só rajada; mas podemos dizer que a Fotografia (Pés de Luanda, 1999; Câmera obtusa, 2020; Afinidades eletivas, 1990; Menos valia, 2010); a História Colonial e Política (Colonial Crime Cabinet, 2024; Projeto Eaux de Colónias, 2020, Operação Aranha, 2024) e a reflexão sobre o próprio artefacto artístico são parte constituinte da sua atenção e do seu olhar.

Na exposição Coisas Vivas [e o Desletramento Pela Pedra], esses interesses se reúnem em um conjunto fotográfico e visual que tem a pedra como elemento principal. Mas a pedra, como eu dizia, não é a pedra enquanto elemento. Da pedra só resta, aqui, a sua temporalidade tão longa, a sua permanência e resistência no tempo, diferente de outros elementos mais voláteis. A exposição na Cristina Guerra nos coloca diante dos monumentos coloniais, talhados em pedra, mas que transcendem a pedra. São os pelouros e o monumento ao esforço colonizador (Porto, 1934) que protagonizam uma exposição acompanhada por um trabalho com as letras e as palavras, bem como por outras imagens coloniais. Sob o olhar de Rennó, a pedra é ao mesmo tempo matéria prima e artefacto histórico, memória e história, letramento e desletramento.

Isso porque a memória tem sempre uma tendência. A memória marca sempre a forma e o olhar de quem relembra. É por isso que Walter Benjamin dizia que era preciso escovar a história a contra-pelo - porque a história contada é a história dos vencedores - não a história dos vencidos. No caso da memória colonial, expressa nesses monumentos, a voz que se ouve é a voz de um só lado. Essa falta de dialética ou de sentido de contradição é também o que faz Walter Benjamin afirmar que todo o monumento histórico é também um monumento de Barbárie. A contradição fundamental do sistema económico é visível nas suas formas estéticas precisamente por aquilo que oculta. Não há monumento glorioso que não seja também, de alguma forma, um monumento de terror. O Pelouro, nesse sentido, traz consigo essa inscrição de oculta contradição, da mesma forma que o monumento do esforço colonizador. Que vozes jazem sob as pedras monumentais?

De maneira pragmática, o pelourinho, essa peça urbana e histórica, consiste em uma torre pequena colocada em uma aldeia ou uma vila, que costumava cumprir a função de punir e castigar. O Pelourinho marca a passagem de um sistema económico feudal para o capitalismo, tendo assim as características próprias desse hibridismo - foi concedido a proprietários, bispos e donos de terras para punir os seus trabalhadores. Em Portugal, há uma série de pelouros; na Bahia, em Salvador, Pelourinho é o mais importante bairro da cidade. É um monumento muito presente no território brasileiro e profundamente relacionado ao período escravocrata. Trata-se de um monumento de expressão e de prática de poder, característico de um período económico híbrido e que expressa também a relação inextricável entre Brasil e Portugal, entre brancos e negros, entre crime e castigo, entre a casa grande e a senzala.

O trabalho de Rennó, para observá-los, é fotográfico e plástico, literário, poético e visual. Isso porque os pelouros, em primeiro lugar, não estão só: inserem-se em um conjunto de obras que lhe oferecem guarida e companhia. Acompanhados e variados, no seu estilo e nos seus formatos, os Pelouros de Rennó são potencializados pela sua fotografia e seu trabalho de iluminação. Esse trabalho concede aos pelouros e ao espaço qualquer carácter fantasmagórico, aproximando essas figuras da nossa percepção por meio de uma iluminação obscura. Como uma luz que bruxuleia parca na memória, os objetos começam a tremer de forma a fazer-nos duvidar da sua própria consistência, da sua própria identidade, como se, loucos, falassem e fossem falados — e o que falassem também guardasse aquilo que calaram.

Em outra peça emblemática, O Gabinete do Crime, Rennó une as figuras do monumento ao esforço colonizador, que estão no Porto, por meio de um feixe de aço e uma folha de ouro. As figuras, com mais de 2 metros de altura, no monumento original, no Porto, formam um círculo. No trabalho de Rennó, estão dispostos horizontalmente em uma fotografia. Em junho de 2018, as mãos dessas figuras foram pintadas de vermelho por uma ação civil que visava jogar luz - ou tinta - ao carácter sanguinário desse esforço. Rennó raptou essas figuras por meio da fotografia e deu-lhes nova forma e nova composição: atados entre si, seus peitos, de espada e médica serpente, dirigem-se aos céus e representam, não a glória do esforço colonizador, mas o seu terror e o seu crime.

Outras obras compõe a exposição, que neste texto não vou exaurir. A artista revela em outra parte a sua proximidade com a literatura, o que está presente também no título da exposição. Os monumentos como coisas vivas; chamando-nos como tempo e como memória, mas sobretudo como uma história — e não outra. Que palavra esconde outra que se silencia mais atrás desta ainda? Há um poema de João Cabral de Melo Neto a que Rennó refere: A Educação pela Pedra. Poeta brasileiro que retratou, como ninguém, a vida sertaneja, empobrecida, sem água nem comida, João Cabral diz-nos, no seu poema, tanta coisa pela pedra. A pedra é a mudez primeva, a metáfora da dureza, o trabalho mais duro do artesão. A pedra nos ensina com o silêncio, chama-nos a frequentá-la mesmo que não nos diga nada. É resistente, não flui, não é maleável. É exemplo das coisas duradoura e persistentes, difíceis de romper. Tanta coisa construímos com pedra. Tanta coisa jaz, entretanto, por debaixo dela.

 

 

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal;
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
o que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua camadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática)
No sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprender a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

 

João Cabral de Melo Neto, Serial e Antes, A Educação pela Pedra e Depois, Rio de Janeiro, 1997

 

 

 

Mariana Varela
É formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e Filósofa-em-Curso pela FCSH. Fez uma Tese no Mestrado sobre o Capitalismo Flexível e os Novos Movimentos Sociais e desenvolve actualmente uma tese sobre Materialismo e Temporalidades da Natureza na Filosofia. Colaborou com grupos de estudos sobre os Situacionistas e integrou grupos de Poesia Experimental, tendo participado de uma série de eventos literários em São Paulo. Em Lisboa publicou os livros de poesia Enigmas de Jaguar e Jasmim e Rotativa, ambos pela editora Urutau. Está publicada em revistas literárias e antologias.

 



MARIANA VARELA