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A Devon Folklore Tapes é uma nova editora que conta já três lançamentos em cassete e uma associação à Pre-Cert dos Demdike Stare que resultou numa edição em vinil. David Chatton-Barker, artista gráfico e músico experimental que comanda os destinos da DFT, falou à Artecapital sobre o universo explorado pela sua editora. Mergulhando nos mistérios do folclore de Devon, a DFT combina música, sound art, recolhas antropológicas e uma perspetiva quase vitoriana em cada um dos seus lançamentos, apresentados como monografias que esmiuçam temas muito concretos do folclore dessa zona rural britânica. Publicamos este mês a primeira parte de uma entrevista onde Chatton-Barker nos conduz ao interior do seu pensamento e dos projetos que tem delineado para esta sua aventura editorial.
P: Como é que nasceu o projecto Devon Folklore Tapes?
Bem, começou como um projeto postal entre mim e o Ian Humberstone. A ideia era cada um de nós encher um lado de uma cassete; no essencial, tratava-se de fazer um álbum split em torno de um tema específico. Ambos partilhamos interesses no folclore e por isso achámos que esse seria um excelente conceito para sustentar o projeto, especialmente por ser algo aparentemente inesgotável e fascinante. Penso que ambos gostámos da ideia de começar algo que (potencialmente) podia continuar para sempre. Há uma quantidade tão imensa de folclore por aí que se encontra arquivado em estantes poeirentas de bibliotecas e que apenas algumas pessoas exploram. Uma parte importante do nosso pensamento passava por partilhar estas histórias e mistérios topográficos com uma audiência mais vasta. Mais ou menos da mesma maneira que adaptar essas histórias e mistérios a um filme forçaria a expandir e a concretizar esses conteúdos tornando-os mais apelativos e apetecíveis. E quanto mais pensávamos no projeto, mais íamos tendo pequenas ideias, embora o fantástico seja que esta ideia continua a desenvolver-se. Ambos tínhamos passado temporadas consideráveis em Devon a explorar o folclore local e certos lugares e por isso decidimos basear as primeiras cassetes nesta zona sendo que a ideia será abordar diferentes locais a cada ano. E logo que decidimos abrir os volumes a outros investigadores isto tornou-se um projeto muito mais comunal desenvolvido em torno de uma fogueira e com potencial para continuar a crescer. A viagem de campo também é uma parte importante de cada volume, com o potencial de desmontar partes do local enquanto som ou folha caída.
P: Nos últimos anos tem-se debatido muito o «movimento» Hauntology. Vê essa designação como sendo apropriada para um movimento? E como é que acha que os lançamentos da Devon Folklore Tapes se encaixam nesse género?
R: No essencial, não sou um grande fã de géneros e só muito recentemente me inteirei do termo Hauntology. Parece-me ser um termo muito vago que não se relaciona com a música envolvida (o que é bom), mas mais com o tipo de temas e estéticas que têm vindo a ser explorados. E isso é justo, tratando-se de um termo que engloba muita coisa, mas não o relaciono diretamente com a Devon Folklore Tapes como um todo porque os temas são inevitavelmente mais variados, embora aconteça que até este momento as áreas de pesquisa tenham sido Bruxas (Volume 1) e Sepulturas (Volume 2), talvez por terem sido concebidos no inverno. Mas qualquer outro tema poderá vir a ser abordado. Geralmente, quando há um elemento sobrenatural no folclore isso torna-se particularmente apelativo e torna-se interessante descobrir qual a melhor história que se pode encontrar. Penso nas Folklore Tapes como cassetes de histórias, na verdade, quer sejam sobre uma pessoa ou sobre um lugar. A música que acaba por aparecer nestas cassetes é imprevisível e não segue nenhum som ou género particular, nasce do individuo e da matéria abordada. As pessoas normalmente pensam que a música nestas cassetes será folclórica e com instrumentos acústicos, mas esse não é o caso já que se pode seguir em qualquer direção.
Jay Cock
P: Fale-nos dos dois primeiros lançamentos na Devon Folklore Tapes. Parecem esgotar-se num ápice. Porquê quantidades tão limitadas e edições em cassete?
R: O primeiro lançamento da DFT foi uma experiência, na verdade. Decidimos manter a ideia original das cassetes por sabermos que as poderíamos manufaturar com facilidade. Enquanto formato para cada um gravar um lado a outra única hipótese seria vinil e isso não é financeiramente viável para uma série contínua. É bom manter as coisas em cassete neste momento, não por causa da exclusividade, mas por ser como funciona melhor enquanto edição física. Ambos gostamos muito do som das cassetes e ao que parece as pessoas ainda têm leitores de cassetes por isso faz sentido usar este suporte enquanto ainda é possível. Há também aquele compromisso com a cassete de ouvir todo um lado e nunca ter bem a certeza em que ponto vamos ouvir o que quer que seja.
Tenho produzido cassetes embaladas em capas de livros como um projeto pessoal já há algum tempo, antes mesmo da Devon Folklore Tapes ter nascido, e esse pareceu-me um modelo apropriado para este projeto já que o folclore que temos vindo a divulgar se encontra normalmente em livros. Ter uma quantidade substancial de notas é crucial para cada lançamento e um pequeno livreto parecia encaixar-se na perfeição dentro dos livros. Cada edição leva por isso mesmo algum tempo a construir e envolve muitos elementos e sou apenas eu que os fabrico o que leva um tempo considerável e por isso mesmo é necessário manter as edições limitadas ou de outra forma todas as horas que passo acordado teriam que ser gastas a fazer os livros. E isso resulta em 30 edições com livro e outras 30 regulares para cada um dos volumes. Com o tempo, as edições mais antigas hão-de ser reimpressas bem como compêndios de folclore para cada uma das zonas abordadas incluindo toda a investigação efetuada. Penso que as cassetes de folclore são únicas e isso ajudou a que tivessem impacto na forma como foram recebidas até agora.
P: Pode falar-nos no terceiro lançamento da DFT?
R: O terceiro lançamento da DFT é baseado no tema de Inland Water escolhido pelos investigadores David A. Jaycock e Sam Mcloughlin. É um lançamento muito excitante, este terceiro volume, por envolver dois sound artists que admiro muito. Fizemos um lançamento especial em Devon com ambos os artistas a executarem partes da obra contida na cassete. Foi uma delícia e também o primeiro evento ao vivo da DFT. Penso que este terceiro volume é o meu lançamento favorito até agora… talvez por não estar diretamente envolvido em nenhum dos lados. Posso olhar para este volume com uma perspetiva fresca.
Quartel general da DFT: http://devonfolkloretapes.blogspot.pt/
Para ouvir: