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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga


Vistas da exposição ‘Cindy Sherman: Metamorfoses’, Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Fotos © Filipe Braga

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ARQUIVO:


CINDY SHERMAN

CINDY SHERMAN: METAMORFOSES




MUSEU DE SERRALVES - MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Rua D. João de Castro, 210
4150-417 Porto

04 OUT - 16 ABR 2023

As Metamorfoses de Cindy Sherman em Serralves

 

 

Donas de casa, palhaços, figuras históricas, fashion victims ou socialites, são apenas algumas das muitas personagens que Cindy Sherman (n.1954) incorpora, ao longo de 40 anos de prática artística, em encenações fotográficas que agora ganham um novo palco no Museu de Arte Contemporânea de Serralves na exposição Cindy Sherman: Metamorfoses. Com curadoria de Philippe Vergne e coordenação de Paula Fernandes, a mostra organizada em diálogo direto com a artista e em parceria com o The Broad Art Foundation, LA, apresenta-nos uma série de obras que atravessam a carreira de Sherman, dos anos setenta à atualidade, em que a fotografia assume função de denúncia e desconstrução social. Com um discurso concetual irónico, recorrendo à fotografia enquanto medium e ao próprio corpo como suporte dos seus trabalhos, Sherman explora e desconstrói estereótipos em imagens fictícias e poderosas, reminiscentes da cultura em que vivemos. Atuando como diretora artística, fotógrafa, maquilhadora, cabeleireira e intérprete do papel a desempenhar, as suas obras não são autorretratos, mas uma cópia sem um original em que examina a construção da identidade, a natureza da representação e o artifício da fotografia. Sem obedecer a uma ordem cronológica, Metamorfoses apresenta-nos algumas das mais significativas séries de trabalho da artista que estruturadas como uma narrativa criam novas e surpreendentes justaposições, sugerindo pontos comuns entre as mesmas. Num mundo saturado de imagens e na era da Internet - Facebook, Youtube e Instagram - a mostra de Serralves revela-nos como a prática artística de Sherman subsiste atual e impactante, readaptando-se como resposta e crítica ao momento cultural contemporâneo no qual vigora o anseio do status e do eu.

A sumptuosidade do ambiente que nos acolhe na primeira sala de exposições, a teatralidade da cenografia e do desenho expositivo – reforçados pelas tonalidades das paredes, pelas molduras douradas e escala grandiosa das impressões coloridas - transportam-nos para um espaço de encontros e de memórias, onde figuras da Renascença, do Barroco e do Neoclassicismo confrontam a realidade e o olhar contemporâneo. Assumindo-se como espaço de crítica, de questionamento e de reflexão assistimos, no primeiro ambiente expositivo, à sobrevivência da imagem ao longo da história da arte e da cultura, e confrontamo-nos com conceitos e definições de identidade. Imagens que rementem para um passado, em que Sherman reclama para si própria o controlo, apresentando-se de modo multifacetado, questionando a natureza da história de arte e o papel da mulher. Aristocratas, clérigos, madonnas e heroínas bíblicas, Sherman interpreta figuras históricas - femininas e masculinas – em retratos de composição clássica, através dos quais investiga e questiona a representação nas obras dos Velhos Mestres. Realizada entre os finais da década de 80 e inícios de 1990, a série conhecida como Retratos Históricos, foi iniciada pela artista enquanto vivia em Roma, tendo optado por trabalhar com imagens recolhidas de livros ao invés de observar as pinturas originais, I was living in Rome but never went to the churches and museums there. I worked out of books, with reproductions. It’s an aspect of photography I appreciate, conceptually: the idea that images can be reproduced and seen anytime, anywhere, by anyone. À medida que observamos o conjunto de obras em exibição, reconhecemos algumas das mais famosas pinturas realizadas entre os séculos XVI e XIX: La Fornarina de Rafael (c.1518-1519); Virgem de Melun de Jean Fouquet (1450); ou Judith com a cabeça de Holorfenes de Sandro Boticelli (c.1497-1500), todavia os retratos de Sherman não se tratam de cópias ou espelhos das pinturas originais, mas de construções através das quais chama a atenção para a distorção e natureza encenada das pinturas de retratos históricos. O processo de desconstrução e reconfiguração de retratos tradicionais inicia-se desde logo pela escolha do medium - a fotografia – e pela sua própria representação à imagem dessas pinturas, quebrando desse modo fronteiras entre classe, status e hierarquia, ao mesmo tempo que questiona a representação do eu, enquanto artista mulher. Interpretando ambos os papéis, artista e modelo, Sherman oferece-nos a sua versão de retratos históricos num conjunto de obras simultaneamente satíricas, cómicas e grotescas, em que o seu interesse em expor o artificio da imagem é uma constante. Se num primeiro contacto com as obras, numa ilusão de familiaridade, cremos reconhecer pinturas de Rafael, Fouquet, Caravaggio ou Bernardino Luini, um olhar mais atento revela-nos a encenação criada por Sherman mediante a utilização de acessórios e adereços. Sem esconder o processo de construção das imagens - ou será antes, de desconstrução? – e do qual nos tornamos cúmplices, observamos com humor o exagero da mascarada, da teatralidade e do artifício: desde a utilização de próteses plásticas de seios e falsas barrigas de grávida; ao uso de máscaras carnavalescas; grandes narizes e perucas; passando pelo exagero da maquilhagem e tecidos modestos, tudo é uma encenação e falsidade que nos ilude e convence, situando os Retratos Históricos de Sherman no limiar entre a paródia humorística e a caricatura grotesca. A propósito da análise e questionamento de Sherman sobre tradição do retrato ao longo dos tempos e o seu estatuto histórico, destaquemos a decisão pouco inocente ao expor-se na mesma sala, e perfeitamente integrado na série apresentada, Untitled #474, 2008. Mimetizando os retratos de artistas para patronos, Sherman personifica-se na pele de uma mulher distinta e influente - talvez uma colecionadora de arte – cuja teatralidade do cenário em que se apresenta, escritório/biblioteca, projeta uma aura de riqueza, poder e estatuto social, que a grandiosidade da escala e impacto visual da impressão ajudam a reforçar. Constatamos a ressonância que existe entre a obra de 2008 e as de 1989-90, a continuação da exploração crítica de Sherman sobre o aparato do retrato, a sua encenação e construção artificial, associada a ciclos poderosos e influentes, que se perpetua por diferentes períodos históricos e mantém-se no tempo presente, levando-nos a questionar sobre a veracidade d/neste tipo de representações.

Conceitos e definições de identidade; dicotomia entre encenação/realidade; e exploração da disparidade entre a persona exterior e o eu interior atingem o seu pleno na série iniciada em 2003, Palhaços em exibição na segunda sala dedicada à exposição. Se inicialmente nos deixamos seduzir pelas figuras carnavalescas e teatralidade das poses, pelas cores vibrantes, psicadélicas e lúdicas dos cenários de fundo em que se inserem, criados com recurso à tecnologia digital, rapidamente nos apercebemos que por detrás do brilho e exagero da maquilhagem dos palhaços sobressai um certa ambivalência e perversidade. Atribuindo-lhes uma carga psicológica, os palhaços de Sherman não se enquadram nas convenções do palhaço tradicional que associamos à infância, humor e felicidade. Num jogo entre a ironia e o grotesco, são personagens simultaneamente sedutoras, assustadoras, obscuras e perturbadoras, figuras paradoxais, símbolos da mascarada que absorvem e escondem as suas emoções e identidade individual. A importância da noção de máscara na prática artística de Sherman, já havia sido explorada pela própria em séries da década de 90, em que assistimos à subtração da presença da artista nas imagens e à sua desumanização: For Sherman, masks are also intimately linked with identity and selfhood: exaggerating, concealing, transforming and delighting. A este propósito destaquemos as obras Untitled #321; #324; #315 em exibição, pertencentes à série Máscaras (1996): close ups de rostos artificiais e enigmáticos, cuja intensidade da maquilhagem e saturação de cores evocam personagens do reino da ficção científica e filmes de terror, provocando no espetador sensações de repulsa e aversão. No mesmo espaço, o olhar crítico e irónico de Sherman revela-nos personagens bizarras - que se escondem por detrás da máscara cosmética - em imagens que satirizam o ideal de mulher proposto pela indústria da moda. Retratando-se como personagem, Sherman subverte padrões de beleza e perfeição, ao apresentar-nos mulheres zangadas (Untitled#146; #126), andrógenas (Untitled #138), aparentemente loucas e psicologicamente perturbadas em campanhas publicitárias de designers como Jean-Paul Gaultier (Untitled#131) ou Comme des Garçons (Untitled#296).

A construção da identidade feminina e representação da mulher, enquanto produto, resultante de modelos e convenções socioculturais pré-definidos, perpetuados e divulgados pela cultura dos mass media, são analisadas pela artista na série Fotogramas sem título, 1977-80, um dos seus mais importantes e influentes corpos de trabalho. Ocupando um lugar central na sala de exposições, observamos fotografias a preto e branco, cujo formato e escala mimetizam fotogramas de filmes para fins publicitários, e que embora ficcionais nos parecem familiares, evocando a imagética da cultura popular, a atmosfera de filmes de Godard, Antonioni ou Hitchcock. Inspirada por filmes de série B de Hollywood dos anos 1950 e 60 – época de culto da aparência – e european art house cinema, Sherman encarna a ação numa variedade de disfarces e personas – da rapariga ingénua, à dona de casa solitária, à femme fatale - em imagens nas quais assume diversos estereótipos femininos, denunciando os lugares-comuns da mulher na sociedade, revelando-nos a identidade como representação em que a feminilidade surge como construção moldada pelas expectativas masculinas.

A análise de estereótipos femininos e a importância dos filmes como parte integrante das criações de Sherman subsistem nas impressões coloridas e luminosas de grande escala pertencentes à série Flappers, 2016-2018, em exibição no segundo piso da exposição, num interessante contraste com os trabalhos iniciais a preto e branco e de reduzidas dimensões. Em diálogo com estas mulheres, observando-as e estabelecendo contato visual com o espectador, a imagem enigmática de um homem de pose galante personificado por Sherman (Untitled #613, 2019) expande a investigação da artista sobre construção de identidade e natureza da representação, expressões de género, androgenia e masculinidade na época contemporânea.

Num pequeno espaço no último piso de Metamorfoses, a atração pelo bizarro e narrativas negras são-nos reveladas em imagens nas quais o corpo de Sherman é substituído por modelos anatómicos, próteses médicas e bonecos que representando de modo explícito atos sexuais e poses eróticas, surgem como reação agressiva da artista numa época em que nos EUA se questionava e debatia a obscenidade no mundo da arte. Mediante imagens grotescas (Untitled# 339; 334; 332 e 264), a artista recorre à pornografia como objeto de crítica e ironia, desmembrando, mutilando e criando bonecos mutantes cujos comportamentos refletem violência e sexualidades desviantes, bem como o humor sombrio de Sherman e o fascínio pelo macabro.

Terminamos o nosso percurso com a série Primeiros Planos de 2000, na qual a artista, novamente como modelo, regressa ao enquadramento central da câmara, protagonizando um conjunto de retratos de estúdio em que encarna uma variedade de personagens femininas que de aparência frágil e vulgar – denunciadas pela maquilhagem excessiva, pele e cabelos queimados pelo sol, e más cirurgias estéticas - evocam um ideal de beleza e de juventude que lhes escapou, um anseio de aspiração e ambição falhadas que provocam empatia por parte do observador. A encerrar a exposição as personagens de Sherman libertam-se dos quadros e elevam-se perante o visitante num mural fotográfico de escala monumental que a artista concebe e adapta para o Museu de Serralves. Num trabalho que responde à arquitetura na qual é instalada, criando um ambiente fictício imersivo, o friso de personagens gigantescas, estranhas e bizarras de olhares inexpressivos - criadas com manipulação digital no computador - flutuam sobre o cenário a preto branco, qual papel de parede decorativo, cujo padrão remete para bosques vitorianos, paisagens pastoris, estabelecendo-se um interessante diálogo com o parque de Serralves. Alterando o seu rosto por meios digitais, exagerando traços com recurso ao Photoshop, Sherman funde fantasia e realidade no seu mural onde, à semelhança de trabalhos anteriores, subsiste o seu contínuo vigor artístico e processo de experimentação bem como o questionamento e denúncia da manipulação e ficção na fotografia contemporânea divulgada pelos média. 

 

Mafalda Teixeira
Mestre em História de Arte, Património e Cultura Visual pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estagiou e trabalhou no departamento de Exposições Temporárias do Museu d’Art Contemporani de Barcelona. Durante o mestrado realiza um estágio curricular na área de produção da Galeria Municipal do Porto. Atualmente dedica-se à investigação no âmbito da História da Arte Moderna e Contemporânea, e à publicação de artigos científicos.



MAFALDA TEIXEIRA