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RUI CHAFESACREDITO EM TUDOGALERIA FILOMENA SOARES Rua da Manutenção, 80 1900-321 Lisboa 20 SET - 15 NOV 2025
Quando visitamos a exposição Acredito em tudo, de Rui Chafes, na galeria Filomena Soares, vislumbramos bandeiras, pendões, pequenas divisas, tomadas pelo vento, pelo tempo. Num cenário que nos inclui, num espaço que nos devora, claustrofóbico, intuímos um fim, uma condenação. Sob o efeito fantasmático, talvez possamos ver multidões que marcham, descontentes, ou ainda clamores esperançosos. Por entre gritos, já mudos, resta apenas a ondulação do vento, os farrapos, ou a inelutável destruição dos signos. Mas o corpo que toma forma, também se esboroa, degrada, dilacera e dilui. Sobre as esculturas de Rui Chafes, Maria Filomena Molder terá dito uma vez: colocar-me junto daquilo que sempre se degrada, se decompõe, daquilo que sempre já foi. Ou ainda: Fixadas nas matrizes do fogo estão as dores do tempo que os corpos sofrem, fixado nelas está um saber dos poderes a que os corpos se sujeitam: multiplicar, repetir, reproduzir, desmembrar, desmanchar, despedaçar, fragmentar, medir.
Mas somos, também, espectadores desse dilacerar, desse desmoronamento, e ao mesmo tempo, agentes desse fim, dessa perda, que o artista representa com tanta beleza. Poderíamos, aqui, vislumbrar, no corpo da exposição, uma quebra de espectativas, ou a queda do ocidente? As nações, tal como as conhecemos hoje, tendem a diluir-se, a esboroar-se, e as suas fronteiras a esbater-se. Também observamos uma desterritorialização, e o fim de velhos paradigmas. Essas bandeiras, ao qual somos convidados a entrar, a habitar, podem evocar, também, um apelo à partilha, à comunidade, ao cooperativismo, ou a um regresso ao bem comum. Rui Chafes parece corresponder ao homem contemporâneo de que fala Agamben: Capaz de se distanciar, e vislumbrar as sombras do seu próprio tempo: “O contemporâneo não é apenas aquele que, percebendo o escuro do presente, nele apreende a resoluta luz; é também aquele que dividindo e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e de coloca-lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história, de citá-la segundo uma necessidade que não provém do seu arbítrio, mas de uma exigência à qual ele não pode responder. É como se aquela invisível luz, que é o escuro do presente, projectasse a sua sombra sobre o passado, e este, tocado por esse facho de sombra, adquirisse a capacidade de responder às trevas do agora” (Agamben).
O homem contemporâneo, portanto, pode ser o único capaz de navegar simultaneamente no tempo antigo e no futuro, reconhecer as trevas do seu tempo, e o obscurantismo da sua época. O ferro pintado a negro, usado por Rui Chaves, há largos anos, também enfatiza as não sombras, ou a não forma, ou a forma que se dilui, erode, e degrada ao longo do tempo. De um certo modo evoca as coisas finitas, e o pensamento em Espinosa como o tempo, o limite, a duração. Para os homens as coisas deparam-se, ou afiguram-se, divisíveis, quebrantáveis, limitadas pelo seu tempo finito. A ideia de tempo. A ideia de que se pode fixar um pensamento, uma ideologia, um momento no tempo, só pode ser uma invenção humana. Podemos constatar, por isso, que nem todas as coisas são infinitas. Ou melhor, que se lhes damos, ou queremos dar propriedades infinitas, somos nós que imprimimos nelas essa faculdade. E quando algo tropeça no acidente, ou cai no esquecimento, por julgarmos que é invencível, eis que se debate com a finitude, com o torpor da sua limitação. Talvez por isso Espinosa fale em medida, aquela que só o Homem pode reconhecer.
Carla Carbone
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