Links


ARTES PERFORMATIVAS


LEBANON HANOVER - “LET THEM BE ALIEN”

RICARDO ESCARDUÇA

2018-07-25



 

A suíça Larissa Iceglass e o britânico William Maybelline estão de regresso desde Abril último com o seu quinto LP. Desde 2012, ano de estreia do duo Lebanon Hanover no registo longa-duração com “The World is Getting Colder”, “Let Them Be Alien” completa uma mão-cheia de álbuns. Pelo meio, entranhou-se na comunidade do gothic rock revivalista do post-punk e darkwave do início da década de ’80 como um dos seus mais destacados embaixadores contemporâneos, conquistando admiradores que muito ultrapassam este círculo. Juntam-se ainda algumas outras edições em outros formatos, onde Lebanon Hanover ensaiam complementos e variações à sua raiz musical; veja-se o maxi single “Babes of the ‘80’s” de 2016, cujo original revela esta veia algo exploradora que, ainda assim, não trai a substância essencial da sua música – traição essa cometida pelos (assaz) dispensáveis remixs contidos no maxi.

É, pois, “Let Them Be Alien” por si só, e enquanto pretexto de uma digressão que anima a visita e revisita dos seus antecessores, que anima e justifica a referência. Tal digressão denuncia a evidência que “Let Them Be Alien” confirma (ao que parece, já lá se vai): a música de Lebanon Hanover é repetitiva e redundante. E, por esse motivo, enjoativa e entediante.

 

 

“Let Them Be Alien” não foge à regra. A desnudez do corpo musical é estruturada pela cadência pesada e tonal do baixo, pela implacidez intransigente e perturbante das caixas rítmicas, pelo dramatismo espesso e envolvente dos teclados sintetizados e pela austeridade sombria e opressora dos vocais, todos eles combinados em constrição melódica cujas harmonias carregam o símbolo de uma outra desarmonia. Invariavelmente um dos principais sulcos que Lebanon Hanover lavra no âmago emocional: além da inquietação, o do desalento total. Lebanon Hanover esvaziam tudo de tudo. É, porém, esse esvaziamento absoluto a condição fundamental para se encontrar em Lebanon Hanover a essência que preenche o vazio. Mero engodo, portanto, a sensaboria da habitual reiteração. Absoluto motivo, portanto, a depressão da latente melancolia.

A verdade é que, ao seu fazer artístico, que tão simplesmente e sem outra ambição é o que é – a expressão necessária dos seus autores –, Lebanon Hanover parece acumular outros desígnios; alguns destes sem sequer premeditação por parte dos artistas, tais como a do objecto artístico que, ainda que sem embutido de ideologia, involuntariamente reconfigura a experiência do observador, e permite o tão estimulante ensaio de debate de outras matérias à mesa do café, mesmo que estas não estivessem voluntariamente inseridas na concepção e execução da obra.

 

 

Por um lado, se Iceglass e Maybelline parecem ser, na contemporaneidade, a evocação de um certo romantismo, refugiando-se no conforto deprimido do isolamento da natureza e nos ambientes propícios à divagação intuitiva que conduzem à experimentação emocional e intelectual em oposição ao frenetismo encadeador das urbes de Londres e Berlim do séc. XXI onde, ainda que aí alternando residência, se sentem estranhos, a identidade musical de Lebanon Hanover é, antes de mais, um grito afirmativo do duo, tenazes e incorrigíveis nostálgicos do fazer artístico de uma era pré-tecnológica anterior ao século XXI (e ao XX), no qual não conseguem escapar ao sentimento de alienação numa época em que o patrocínio da alteridade em defesa da igualdade está tão em voga. Ao evocar algumas das tendências musicais de há algumas décadas que o fervor da novidade dos dias de hoje olham talvez de soslaio, Lebanon Hanover fazem assim saltar para cima da mesa do café a discussão da igualdade preservadora da diferença identitária contraposta à homogeneização regularizadora dessas mesmas diferenças.

Por outro lado, ainda que obra musical, “Alien”, como característico em Lebanon Hanover, “exige” a destacada atenção ao conteúdo lírico afirmativo desta sua peculiar alteridade que evoca a condição humana afinal, pois é nele que se revela e ultrapassa ao incorporar em palavras confessadas sem vénias acanhadas a inquietude e a resiliência a essa mesma alienação perante os optimismos iludidos e manipulados ou os simulacros permanentes cujos efeitos propagam a dúvida e apagam qualquer convicção. “Alien”, a faixa de entrada, tão evidente quão relevante nestes diversos propósitos, e porque absolutamente significativamente crua e emotivamente cristalina, e assim-mesmo de difícil selecção parcelar, é aqui transcrita integralmente: “I like to wander some graveyards alone / And think of all that Iʼve become / What kind of box I would go / And would you even notice / My disappearance my impressions / Iʼm just waiting, waiting... / And until then my desolation / Will be my trademark / Iʼll always remain alien / And however hard I try to integrate / Iʼll always remain alien / You say I should go out / In every brutal town / There is someone of substance / Forcing me to do things I never do / For instance laugh at jokes of you / Small talks have simply no relevance / And until you change / Iʼll keep my delighted face / It is my trademark to always remain alien / And however hard I try to integrate / Iʼll always remain alien”.

 

 

“Let Them Be Alien” é um álbum mais no assinalável percurso de Lebanon Hanover que encorpa e corresponde aos ensejos e desejos do género musical. Mas é bem mais que isso. É a honesta e emocional expressão confessional de dois alienados que se abandonam e não abdicam do seu carácter identitário, e incitam ao mesmo, sem que simultaneamente deixem banalizar a diferença às mãos da homogeneização desta. O melhor a fazer, sugere-se, é ouvir, dar a ouvir aos amigos, e depois combinar um encontro no café.

 

“Let Them Be Alien” tracklist

1. Alien
2. Gravity Sucks
3. Kiss Me
4. Favorite Black Cat
5. Lavender
6. Du Scrollst
7. True Romantics
8. Silent Choir
9. Ebenholz
10. Petals

 




Outros artigos:

2024-03-24


PARADIGMAS DA CONTÍNUA METAMORFOSE NA CONSTRUÇÃO DO TEMPO EM MOVIMENTO // A CONQUISTA DE UMA PAISAGEM AUTORAL HÍBRIDA EM CONTÍNUA CAMINHADA
 

2024-02-26


A RESISTÊNCIA TEMPORAL, A PRODUÇÃO CORPORAL E AS DINÂMICAS DE LUTA NA ARTE CONTEMPORÂNEA
 

2023-12-15


CAFE ZERO BY SOREN AAGAARD, PERFORMA - BIENAL DE ARTES PERFORMATIVAS
 

2023-11-13


SOBRE O PROTEGER E O SUPLICAR – “OS PROTEGIDOS” DE ELFRIEDE JELINEK
 

2023-10-31


O REGRESSO DE CLÁUDIA DIAS. UM CICLO DE CRIAÇÃO DE 10 ANOS A EMERGIR DA COLEÇÃO DE LIVROS DO SEU PAI
 

2023-09-12


FESTIVAL MATERIAIS DIVERSOS - ENTREVISTA A ELISABETE PAIVA
 

2023-08-10


CINEMA INSUFLÁVEL: ENTREVISTA A SÉRGIO MARQUES
 

2023-07-10


DEPOIS DE METADE DOS MINUTOS - ENTREVISTA A ÂNGELA ROCHA
 

2023-05-20


FEIOS, PORCOS E MAUS: UMA CONVERSA SOBRE A FAMÍLIA
 

2023-05-03


UMA TERRA QUE TREME E UM MAR QUE GEME
 

2023-03-23


SOBRE A PARTILHA DO PROCESSO CRIATIVO
 

2023-02-22


ALVALADE CINECLUBE: A PROGRAMAÇÃO QUE FALTAVA À CIDADE
 

2023-01-11


'CONTRA O MEDO' EM 2023 - ENTREVISTA COM TEATROMOSCA
 

2022-12-06


SAIR DE CENA – UMA REFLEXÃO SOBRE VINTE ANOS DE TRABALHO
 

2022-11-06


SAMOTRACIAS: ENTREVISTA A CAROLINA SANTOS, LETÍCIA BLANC E ULIMA ORTIZ
 

2022-10-07


ENTREVISTA A EUNICE GONÇALVES DUARTE
 

2022-09-07


PORÉM AINDA. — SOBRE QUASE UM PRAZER DE GONÇALO DUARTE
 

2022-08-01


O FUTURO EM MODO SILENCIOSO. SOBRE HUMANIDADE E TECNOLOGIA EM SILENT RUNNING (1972)
 

2022-06-29


A IMPORTÂNCIA DE SER VELVET GOLDMINE
 

2022-05-31


OS ESQUILOS PARA AS NOZES
 

2022-04-28


À VOLTA DA 'META-PERSONAGEM' DE ORGIA DE PASOLINI. ENTREVISTA A IVANA SEHIC
 

2022-03-31


PAISAGENS TRANSDISCIPLINARES: ENTREVISTA A GRAÇA P. CORRÊA
 

2022-02-27


POÉTICA E POLÍTICA (VÍDEOS DE FRANCIS ALŸS)
 

2022-01-27


ESTAR QUIETA - A PEQUENA DANÇA DE STEVE PAXTON
 

2021-12-28


KILIG: UMA NARRATIVA INSPIRADA PELO LOST IN TRANSLATION DE ANDRÉ CARVALHO
 

2021-11-25


FESTIVAL EUFÉMIA: MULHERES, TEATRO E IDENTIDADES
 

2021-10-25


ENTREVISTA A GUILHERME GOMES, CO-CRIADOR DO ESPECTÁCULO SILÊNCIO
 

2021-09-19


ALBUQUERQUE MENDES: CORPO DE PERFORMANCE
 

2021-08-08


ONLINE DISTORTION / BORDER LINE(S)
 

2021-07-06


AURORA NEGRA
 

2021-05-26


A CONFUSÃO DE SE SER NÓMADA EM NOMADLAND
 

2021-04-30


LODO
 

2021-03-24


A INSUSTENTÁVEL ORIGINALIDADE DOS GROWLERS
 

2021-02-22


O ESTRANHO CASO DE DEVLIN
 

2021-01-20


O MONSTRO DOS PUSCIFER
 

2020-12-20


LOURENÇO CRESPO
 

2020-11-18


O RETORNO DE UM DYLAN À PARTE
 

2020-10-15


EMA THOMAS
 

2020-09-14


DREAMIN’ WILD
 

2020-08-07


GABRIEL FERRANDINI
 

2020-07-15


UMA LIVRE ASSOCIAÇÃO DO HERE COME THE WARM JETS
 

2020-06-17


O CLASSICISMO DE NORMAN FUCKING ROCKWELL!
 

2019-07-31


R.I.P HAYMAN: DREAMS OF INDIA AND CHINA
 

2019-06-12


O PUNK QUER-SE FEIO - G.G. ALLIN: UMA ABJECÇÃO ANÁRQUICA
 

2019-02-19


COSEY FANNI TUTTI – “TUTTI”
 

2019-01-17


LIGHTS ON MOSCOW – Aorta Songs Part I
 

2018-11-30


LLAMA VIRGEM – “desconseguiste?”
 

2018-10-29


SRSQ – “UNREALITY”
 

2018-09-25


LIARS – “1/1”
 

2018-07-25


LEBANON HANOVER - “LET THEM BE ALIEN”
 

2018-06-24


LOMA – “LOMA”
 

2018-05-23


SUUNS – “FELT”
 

2018-04-22


LOLINA – THE SMOKE
 

2018-03-17


ANNA VON HAUSSWOLFF - DEAD MAGIC
 

2018-01-28


COUCOU CHLOÉ
 

2017-12-22


JOHN MAUS – “SCREEN MEMORIES”
 

2017-11-12


HAARVÖL | ENTREVISTA
 

2017-10-07


GHOSTPOET – “DARK DAYS + CANAPÉS”
 

2017-09-02


TATRAN – “EYES, “NO SIDES” E O RESTO
 

2017-07-20


SUGESTÕES ADICIONAIS A MEIO DE 2017
 

2017-06-20


TIMBER TIMBRE – A HIBRIDIZAÇÃO MUSICAL
 

2017-05-17


KARRIEM RIGGINS: EXPERIÊNCIAS E IDEIAS SOBRE RITMO E HARMONIAS
 

2017-04-17


PONTIAK – UM PASSO EM FRENTE
 

2017-03-13


TRISTESSE CONTEMPORAINE – SEM ILUSÕES NEM DESILUSÕES
 

2017-02-10


A PROJECTION – OBJECTOS DE HOJE, SÍMBOLOS DE ONTEM
 

2017-01-13


AGORA QUE 2016 TERMINOU
 

2016-12-13


THE PARKINSONS – QUINZE ANOS PUNK
 

2016-11-02


patten – A EXPERIÊNCIA DOS SENTIDOS, A ALTERAÇÃO DA PERCEPÇÃO
 

2016-10-03


GONJASUFI – DESCIDA À CAVE REAL E PSICOLÓGICA
 

2016-08-29


AGORA QUE 2016 VAI A MEIO
 

2016-07-27


ODONIS ODONIS – A QUESTÃO TECNOLÓGICA
 

2016-06-27


GAIKA – ENTRE POLÍTICA E MÚSICA
 

2016-05-25


PUBLIC MEMORY – A TRANSFORMAÇÃO PASSO A PASSO
 

2016-04-23


JOHN CALE – O REECONTRO COM O PASSADO EM MAIS UMA FACE DO POLIMORFISMO
 

2016-03-22


SAUL WILLIAMS – A FORÇA E A ARTE DA PALAVRA ALIADA À MÚSICA
 

2016-02-11


BIANCA CASADY & THE C.I.A – SINGULARES EXPERIMENTALISMO E IMAGINÁRIO
 

2015-12-29


AGORA QUE 2015 TERMINOU
 

2015-12-15


LANTERNS ON THE LAKE – SOBRE FORÇA E FRAGILIDADE
 

2015-11-11


BLUE DAISY – UM VÓRTEX DE OBSCURA REALIDADE E HONESTA REVOLTA
 

2015-10-06


MORLY – EM REDOR DE REVOLUÇÕES, REFORMULAÇÕES E REINVENÇÕES
 

2015-09-04


ABRA – PONTO DE EXCLAMAÇÃO, PONTO DE EXCLAMAÇÃO!! PONTO DE INTERROGAÇÃO?...
 

2015-08-05


BILAL – A BANDEIRA EMPUNHADA POR QUEM SABE QUEM É
 

2015-07-05


ANNABEL (LEE) – NA PRESENÇA SUPERIOR DA PROFUNDIDADE E DA EXCELÊNCIA
 

2015-06-03


ZIMOWA – A SURPREENDENTE ORIGEM DO FUTURO
 

2015-05-04


FRANCESCA BELMONTE – A EMERGÊNCIA DE UMA ALMA VELHA JOVEM
 

2015-04-06


CHOCOLAT – A RELEVANTE EXTRAVAGÂNCIA DO VERDADEIRO ROCK
 

2015-03-03


DELHIA DE FRANCE, PENTATONES E O LIRISMO NA ERA ELECTRÓNICA
 

2015-02-02


TĀLĀ – VOLTA AO MUNDO EM DOIS EP’S
 

2014-12-30


SILK RHODES - Viagem no Tempo
 

2014-12-02


ARCA – O SURREALISMO FUTURISTA
 

2014-10-30


MONEY – É TEMPO DE PARAR
 

2014-09-30


MOTHXR – O PRAZER DA SIMPLICIDADE
 

2014-08-21


CARLA BOZULICH E NÓS, SOZINHOS NUMA SALA SOTURNA
 

2014-07-14


SHAMIR: MULTI-CAMADA AOS 19
 

2014-06-18


COURTNEY BARNETT
 

2014-05-19


KENDRA MORRIS
 

2014-04-15


!VON CALHAU!
 

2014-03-18


VANCE JOY
 

2014-02-17


FKA Twigs
 

2014-01-15


SKY FERREIRA – MORE THAN MY IMAGE
 

2013-09-24


ENTRE O MAL E A INOCÊNCIA: RUTH WHITE E AS SUAS FLOWERS OF EVIL
 

2013-07-05


GENESIS P-ORRIDGE: ALMA PANDRÓGINA (PARTE 2)
 

2013-06-03


GENESIS P-ORRIDGE: ALMA PANDRÓGINA (PARTE 1)
 

2013-04-03


BERNARDO DEVLIN: SEGREDO EXÓTICO
 

2013-02-05


TOD DOCKSTADER: O HOMEM QUE VIA O SOM
 

2012-11-27


TROPA MACACA: O SOM DO MISTÉRIO
 

2012-10-19


RECOLLECTION GRM: DAS MÁQUINAS E DOS HOMENS
 

2012-09-10


BRANCHES: DOS AFECTOS E DAS MEMÓRIAS
 

2012-07-19


DEVON FOLKLORE TAPES (II): SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA COM DAVID CHATTON BARKER
 

2012-06-11


DEVON FOLKLORE TAPES - PESQUISAS DE CAMPO, FANTASMAS FOLCLÓRICOS E LANÇAMENTOS EM CASSETE
 

2012-04-11


FC JUDD: AMADOR DA ELETRÓNICA
 

2012-02-06


SPETTRO FAMILY: OCULTISMO PSICADÉLICO ITALIANO
 

2011-11-25


ONEOHTRIX POINT NEVER: DA IMPLOSÃO DOS FANTASMAS
 

2011-10-06


O SOM E O SENTIDO – PÁGINAS DA MEMÓRIA DO RADIOPHONIC WORKSHOP
 

2011-09-01


ZOMBY. PARA LÁ DO DUBSTEP
 

2011-07-08


ASTROBOY: SONHOS ANALÓGICOS MADE IN PORTUGAL
 

2011-06-02


DELIA DERBYSHIRE: O SOM E A MATEMÁTICA
 

2011-05-06


DAPHNE ORAM: PIONEIRA ELECTRÓNICA E INVENTORA DO FUTURO
 

2011-03-29


TERREIRO DAS BRUXAS: ELECTRÓNICA FANTASMAGÓRICA, WITCH HOUSE E MATER SUSPIRIA VISION
 

2010-09-04


ARTE E INOVAÇÃO: A ELECTRODIVA PAMELA Z
 

2010-06-28


YOKO PLASTIC ONO BAND – BETWEEN MY HEAD AND THE SKY: MÚLTIPLA FANTASIA EM MÚLTIPLOS ESTILOS