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ARTES PERFORMATIVAS


ASTROBOY: SONHOS ANALÓGICOS MADE IN PORTUGAL

RUI MIGUEL ABREU

2011-07-08




 

The Chromium Fence que Astroboy agora edita na PAD é uma das mais interessantes surpresas do ano no que à música portuguesa de recorte electrónico diz respeito. Com essa ideia firmemente plantada, desafiámos Luís Fernandes para uma entrevista que revela bastante dos moldes estéticos que atravessam o seu pensamento musical.


Tens obviamente um percurso antes de Chromium Fence. Explica-nos o que andaste a fazer antes de aqui chegares e onde poderemos ouvir esse material.

Desde 2006 que faço música como The Astroboy e editei 2 álbuns antes de chegar a este novo disco. O primeiro em 2007 através da test tube/lovers and lollypops intitulado ”A derrota da engrenagem” e o segundo em 2009 pela Cobra Discos de nome “090309”.
O primeiro disco foi baseado na exploração drone associada ao uso assumido de guitarra shoegaze e de uma roland tr606. A versão física esgotou mas a versão digital está disponível gratuitamente em testtube.monocromatica.com. O segundo disco partiu de uma premissa distinta: gravar directamente uma sessão de improvisação  para fita, sem overdubs. O 090309 é baseado totalmente em trechos desta sessão. Está disponivel gratuitamente em www.cobradiscos.org.
Paralelamente a The Astroboy sou membro fundador dos peixe : avião, colaboro com Old Jerusalem e pontualmente com outros artistas.


Chromium Fence sai na PAD. Queres explicar por favor os contornos deste colectivo?

Aquando das decisões sobre a edição do 2º disco dos peixe : avião, o Madrugada, sentimos que fazia sentido criar um selo editorial próprio, que permitisse ter total liberdade e controlo sobre a nossa música.  A ideia de alargar a PAD a outros artistas surgiu logo de seguida e tornou-se uma realidade no inicio deste ano. Sentimos que fazia sentido albergar os diferentes artistas com os quais mantemos relações ou pelos quais nutrimos admiração, na mesma casa editorial. Acreditamos que com critérios estéticos bem definidos e uma partilha de know-how as carreiras de todos podem ser potenciadas.

No contexto global do teu trabalho como Astroboy, como descreverias The Chromium Fence? Evolução, refinamento, ruptura?

De certa forma um pouco dos três conceitos. Há sem dúvida uma evolução e um refinamento na música de The Astroboy derivado da experiência que tenho acumulado e de tudo o que tenho aprendido, quer a nível técnico e de skills, quer até em termos da evolução da minha forma de pensar a música em geral.
Acredito também que existe uma ruptura a cada novo disco pois uma das minhas particularidades é necessitar de um linha de orientação conceptual/estética muito bem determinada desde o inicio. Só assim consigo trabalhar. Ao mudá-la a cada disco acaba por existir sempre uma pequena ruptura.

Chromium Fence tem uma edição analógica em cassete e esse parece ser um gesto com total sentido uma vez que há de facto um subtexto analógico que atravessa esta música. Crias paisagens analógicas com ferramentas digitais? Em que ambiente trabalhas?

Recorro aos dois universos. Este disco surgiu a partir de esboços resultantes de experiencias com sintetizadores analógicos que fui gravando ao longo dos últimos dois anos. Esse foi o “core” do disco. A partir desses esboços e da definição da linha estética que queria seguir fui esculpindo os temas recorrendo a outros sintetizadores (nem sempre analógicos), guitarras, pedais, câmaras de echo e a técnicas de processamento e síntese digital em max/msp. Sempre utilizando o computador como plataforma de gravação, edição e mistura.

Algumas das mais interessantes propostas dos terrenos da electrónica têm chegado recentemente da cena drone muito apoiada numa vigorosa tape culture. É aí que te integras?

Desde o inicio do projecto que trilho estes caminhos, ainda numa altura em que não estavam tão em voga, daí sentir que me integro nessa corrente de abordagem à musica electrónica. No entanto, o recurso à cassete como formato de edição é novo para mim e a decisão prendeu-se em muito com a influência da corrente da “tape culture” que referes. Consegue reunir num formato de edição o simbolismo da distribuição da música mais marginal, o registo em domínio analógico e a referencia retro que procurava e que se identifica com a música.

Kraut de recorte mais cósmico, Edward Artemiev… são algumas das referências que penso ouvir na tua música. Quais são as coordenadas da inspiração vintage de Astroboy?

A Kosmische musik é sem dúvida uma forte influência para mim e principalmente na estética deste disco. Não conheço a fundo a obra de Artemiev, embora as bandas sonoras de Solaris e Stalker estejam bem presentes e sejam uma influência. Se tivesse de citar influências para este The Chromium Fence seriam Klaus Schulze, Cluster, Tangerine Dream paralelamente a abordagens actuais de Fennesz, Tim Hecker e Emeralds.

Há por aqui também, certamente, um imaginário cinematográfico em acção. Há algum filme para que te atrevesses a refazer a banda sonora? Ou preferes criar bandas sonoras para filmes imaginários?

A minha forma de fazer música tem passado por criar uma narrativa musical sobre um mote pré-definido o que vai de encontro a uma banda sonora pessoal para um filme imaginário. No entanto gostava muito de fazer o contrario. Não me importava de criar uma banda sonora alternativa para o Dune! Não gosto particularmente da original.

Por outro lado, o título do teu novo trabalho referencia um conto obscuro de Philip K. Dick que até poderia ser uma boa metáfora para o que se passa actualmente em termos políticos no nosso país. És devoto da literatura sci fi clássica?

Sou um apreciador do universo sci fi, seja literatura, cinema ou BD. Tenho descoberto nos últimos tempos a obra de Phillip k. Dick com maior profundidade e tem sido muito gratificante. Sou também um admirador da obra do Arthur C. Clarke e, desde pequeno, do Júlio Verne.

5 discos
Aphex Twin – Selected ambient Works vol.2, Fennesz – Black Sea, Brian Eno – Another Green World, Broadcast – Haha sound, Wilco – Yankee Hotel Foxtrot.

5 filmes
2001, Odisseia no Espaço e Laranja Mecânica (Stanley Kubrik), Voando sobre um ninho de cucos (Milos Forman), Batman (Tim Burton), Fight Club (David Fincher).

5 livros
O processo (Kafka), Ubik (P.K.Dick), Crime e Castigo (Dostoievski), Viagem ao centro da terra (Júlio Verne), O jogo das contas de vidro (Herman Hesse).

5 máquinas
Korg MS20, Korg Mono/Poly, Roland RE201 Space Echo, Nord Lead, Fender Telecaster.

Para terminar, quais vão ser os teus próximos passos enquanto músico e quais as acções que podemos esperar no futuro imediato de Astroboy?

Enquanto The Astroboy estou a trabalhar em remisturas para outros artistas e em fase de apresentação do disco ao vivo. É um concerto com uma forte componente visual que gostava de levar ao maior número de sítios possível. Conto também trabalhar em novos temas ainda este ano.
Paralelamente vou iniciar em breve a composição do terceiro álbum dos peixe : avião e trabalhar num EP de um projecto no domínio da electrónica. Desta vez em dupla com o Miguel Pedro (baterista dos Mão Morta).
 

The Astroboy
The Chromium Fence
PAD 2011

As referências são inegáveis e apontam para a zona cósmica do legado Kraut e para a cena presente que actualiza essas experiências por via de uma recuperação das texturas analógicas dos sintetizadores – Emeralds, claro, mas também Steve Moore ou Stellar OM Source. Mas no labirinto actual da paisagem synth e drone, importa pelo menos tanto o que se refencia como a abordagem a essas referências. E aqui, The Astroboy brilha, porque revela uma maturidade estética a toda a prova, mostrando que sabe equilibrar a gramática dessa linguagem específica com a sua própria imaginação. As suas deambulações são criativas e envolventes e a música presente em The Chromium Fence não procura nunca ser pastiche de época, mostrando-se bem mais interessada em assumir a sua condição presente de forma subtil nalguns pormenores dos arranjos, nos sons escolhidos. Como se num filme de época houvesse alguns anacronismos propositados que deslocassem o sentido e nos obrigassem a abrir a dimensão do sonho. The Chromium Fence é assim mais acerca de uma viagem no tempo, a bordo de uma nave equipada com toda a bagagem histórica que só o presente permite obter. A edição em cassete é um pormenor adicional de pura classe, remetendo a uma dimensão analógica uma música que nasce numa idade digital, obtendo da fita o calor e o brilho próprio das experiências electrónicas de outro tempo. Só que, percebe-se, Astroboy continua a sonhar com o futuro.

Links:
http://pad-online.com/category/the-astroboy
http://pad-online.com/the-astroboy/the-astroboy-the-chromium-fence

 




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