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SNAPSHOT. NO ATELIER DE...




© Rafaela Salgueiro


Vista da exposição no Atelier B12, 2025, Lisboa: Novas formas de afeto e sensibilidade, 2019. Telas de courvin, poliamida. © Rafaela Salgueiro


Vista da exposição no Atelier B12, 2025, Lisboa. © Rafaela Salgueiro


Vista da exposição no Atelier B12, 2025, Lisboa. © Rafaela Salgueiro


Vista da exposição no Atelier B12, 2025, Lisboa. © Rafaela Salgueiro


© Rafaela Salgueiro


As armaduras que carrego por dentro/ Being a Woman, 2019. Fio de alumínio 85 x 50 x 120cm. © Rafaela Salgueiro


Untitled (Tangle I), 2023. Veludo e algodão, 80 x 100 cm. © Rafaela Salgueiro

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RAFAELA SALGUEIRO

MARIANA VARELA


 

 

Lançada entre os têxteis e os artefactos, Rafaela Salgueiro propõe uma pequena exposição no ateliê b12 *, em Benfica. Vinda do mundo da moda, a artista apresenta um conjunto de três obras que são, sucintamente, corpos amorfos de matéria, experimentações táteis de forma e sensibilidade. Ainda que duas outras peças figurem na exposição - uma na montra, outra em vídeo - a exposição está centrada em uma peça em especial, uma vestimenta para três corpos.

A peça em questão figura como uma espécie de composição musical: deve ser executada. Ela está envolta em uma série de véus colocados no espaço e desce até nós por meio de um móbile. Não é feita de seda; é poliamida e courvin - plástico enfim. E a sua forma é similar ao colete ou ao corpete. Elásticos tensionados forjam a ligação entre as partes. Velcros expressam sonoramente o abrir e fechar das peças. A vestimenta para três corpos propõe, assim, uma aproximação e uma tensão, um afastamento e uma conexão entre as partes — uma relação a ser ativada, uma peça a ser executada, uma ação a ser produzida por meio e com a peça.

Rafaela Salgueiro trabalha, sobretudo, com peças têxteis. Para vesti-las ou interagir com elas, os trabalhos em exposição no b12 propõem uma reconfiguração das formas de vestir e interagir com aquilo que, ao mesmo tempo, nos oculta e nos abre ao outro. É isto, afinal, a roupa: oculta a nossa nudez, abrindo por outro lado, simbolicamente, o nosso mundo ao outro. Mas as propostas de Rafaela Salgueiro ultrapassam a ênfase na imagem daquilo que se veste, transformando as peças em uma proposta relacional com o espaço e com o outro.

À semelhança do trabalho de Ligia Clark, a roupa não é só uma forma de nos ocultar e expressar nossos gostos estéticos; é uma proposta de habitação do corpo; forma de habitação de si e de abertura ao outro. Dessa forma, experiências relacionais são propostas. Formas experimentais de ser e estar no mundo são produzidas.

A primeira sensação que tenho, quando retiro a vestimenta, é de uma ausência evidente. Mas não é a roupa; são as relações pela roupa convocada. De repente estar sozinho parece diferente. Na verdade, carreguei por um período de tempo, mais duas pessoas juntas ao meu corpo; envolvidas comigo por laços e fitas, elásticos e velcros. Sua proximidade ou a sua ausência eram sentidas fisicamente no meu corpo pela vestimenta que nos ligava os três. Nenhum movimento que acontecia com um, era alheio a mim. Entretanto, ao estar com ele o peso parece natural. A sua ausência posterior é que me revela a sua presença de outrora. Mas há textura, peso, densidade na sua presença.

O corpo é o medium central. Plataforma de percepção e sensorialidade, mas também de ativação de formas de relação por meio dessas obras temporárias no espaço. Uma obra como essa, temporariamente fixada na galeria, poderia estar em um jardim ou um apartamento. No fundo, a questão é que ela está disponível para ser incorporada, utilizada, vestida. Decidido a vesti-la e vestir-se ao mesmo tempo, aquele que entra na peça se propõe a estar junto com a peça. É um vestido que investe aquele que o veste dos poderes do vestido. O vestido é, assim, forma e abertura de relação. É carregar, deslizar, tensionar. É possibilitar e condicionar a relação com o outro; sugerir formas de andar e habitar o mundo.

Mas essa materialidade incorporada pode ser também um trabalho do tempo, uma forma construída pela história ou pelo hábito, uma espécie de fôrma em que nos inserimos, ao mesmo tempo escultóricos e esculturados. Um artefacto que vestimos porque nos foi dado a vestir, que se forjou pelo fogo do passar dos anos, que traz a marca do nosso corpo ou dos corpos que vieram antes de nós. É uma forma de inscrição de relações históricas, de género e de poder, marcas da duração das formas de ser, de estar e de sentir do mundo. Formas que podem ser particulares ou colectivas, marcados dos hábitos ou dos movimentos, das fragilidades ou das estruturas rijas, dos padrões e das formas que expressam ideias, sentimentos e sensações. Formas que são memória, tempo cristalizado no espaço. Ser mulher e a ideia de feminino encontra, aqui, sua expressão material - as formas de inscrição daquilo que deve ou não deve ser posto em prática enquanto sujeito de um género; aquilo que inscreve qualquer noção universal em um corpo particular; aquilo que dá contorno e limita; aquilo que, da prática ou da história, propõe a forma externa de um corpo.

Nesse sentido, a peça que veste pode ser expressão ou limitação, pode abrir possibilidades ou reproduzir velhas histórias. Na exposição b12, a questão é precisamente esta: construir novas formas de afeto e sensibilidade, novas formas de habitar o mundo e sentir o outro. Mas essas formas de sensibilidade passam pela materialidade, elas são produzidas precisamente pelos objetos, elas são produto de um uso, de uma prática, de uma repetição gestual. A matéria e o corpo, juntos, pode ao mesmo tempo reproduzir ou produzir uma história, perpetuar-se no tempo enquanto forma e enquanto gesto, enquanto objeto e enquanto possibilidade de vida.

Esse é o ser no tempo, essa é a origem da história. Uma armadura, uma defesa, um gesto repetido incontáveis vezes, como abertura ou fechamento, como violência ou como acolhimento, cristaliza em nós com a força do hábito. Às coisas repetidamente feitas no tempo e no espaço, damos nome e moldamos formas; reconhecemos a sua presença por meio da inscrição material ou simbólica da sua forma no tempo. E a sua forma cristalizada se voltará para nós um pouco mais à frente, pondo questões. Há uma dialética nas nossas formas criativas; produzimos e ao mesmo tempo somos produzidos pelos objetos que criamos, passamos a servir àquilo que forjamos para que nos servisse. Somos reféns dos nossos objetos precisamente porque os criamos por meio de nós próprios. Os objetos têm a forma da nossa interioridade, são uma tentativa de materializá-la.

No futuro, eventualmente, voltarão para nós colocando novas questões, não mais como aquilo que formamos, mas aquilo que formou a nós.

E isso porque não produzimos como desejamos; a ideia não acontece no nada. Produzimos sempre de acordo com o contexto em que estamos, com o mundo em que vivemos, com o território, com a matéria que nos está disponível. E isso significa também durabilidade, permanência, possibilidade de memória. A matéria não é simplesmente um meio, mas um fim em si mesmo, uma vez que é expressão e condução daquilo que produzimos. Não são só os metais que conduzem eletricidade; todo material conduz alguma coisa, nem que seja a própria coisa. O objeto não é distinto da matéria de que é feito o objeto; ele é a possibilidade mesma de inscrição e permanência do objeto.

Diferentes materiais conduzem e possibilitam diferentes obras - o linho ou o algodão, o cetim ou a lã, o couro ou o veludo, todos são formas particulares de abertura para a pele humana e para os outros materiais; formas que possibilitam e limitam as ferramentas utilizadas e que determinarão, em alguma medida, a experiência estética daquele que ativa a obra.

A matéria é assim a outra grande mediação através do qual a experiência dos trabalhos de Rafaela Salgueiro se dá. Há uma chamada de atenção para a materialidade das coisas, para os têxteis, para a tessitura. E nada mais justo: além da forma, que nos reveste e revela, que nos incita e suspende, a matéria é a grande questão por trás de todo o objeto, ela esconde toda a linha histórica que possibilita o objeto final; ela é guardiã de todo o tear e de todo o bicho-da seda que originou a linha. A matéria retoma, nesse sentido, uma intuição muito fundamental a respeito da experiência existencial da humanidade no mundo, que é não a sua capacidade técnica, mas a experiência mais fundamental com o vasto conjunto de vida - materiais e seres - que compõe o mundo em que vivemos.

Fazemos o que fazemos, mas fazemos sobretudo com aquilo que fazemos. E aquilo que chamamos matéria é evidentemente, nos trabalhos de Rafaela Salgueiro, matéria viva, inteligente, que ultrapassa aquilo que poderíamos chamar ‘matéria-prima’, em uma visão científica, reificada. Dotada de inteligência e vivacidade, elasticidade e porosidade, a matéria determina e condiciona as formas e os entrelaçamentos possíveis - ela resiste, abandona, possibilita, impede, provoca, cai. Tem peso, densidade, cor, textura. É um encontro de acidentes e possibilidades, connosco e com outros materiais.

E deixa inscrever na sua pele uma memória, uma duração, determinada também pela sua natureza material.

 

 

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Mariana Varela
É formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e Filósofa-em-Curso pela FCSH. Fez uma Tese no Mestrado sobre o Capitalismo Flexível e os Novos Movimentos Sociais e desenvolve actualmente uma tese sobre Materialismo e Temporalidades da Natureza na Filosofia. Colaborou com grupos de estudos sobre os Situacionistas e integrou grupos de Poesia Experimental, tendo participado de uma série de eventos literários em São Paulo. Em Lisboa publicou os livros de poesia Enigmas de Jaguar e Jasmim e Rotativa, ambos pela editora Urutau. Está publicada em revistas literárias e antologias.

 

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* Até 10 de Agosto no Atelier B12, na Rua José dos Santos Pereira, 12 b, 1500-145 Lisboa.