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JOãO JACINTO
TERESA PESSOA
O atelier do artista João Jacinto é um espaço de trabalho partilhado com a artista Mariana Gomes. Uma moradia na zona da Boa-Hora, em Lisboa. O espaço ocupado pelo artista é composto por uma sala bem iluminada e livre de mobília. Ao subir-se as escadas, ao lado dessa mesma sala, tem-se acesso a um sótão onde algumas frechas de luz vindas do tecto incidem sobre as telas que se encontram no chão. A Artecapital foi conhecer o espaço e falar com João Jacinto.
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TP: Como nos descreveria o seu atelier?
JJ: O atelier é o sitío onde trabalho e nada mais que isso. Agora estou neste atelier, mas já tive vários. Não crio qualquer relação com o espaço onde trabalho.
Está a ver esta grande bola? Irá para o caixote do lixo.
[João Jacinto mostra uma fotografia do que restou do último atelier onde esteve antes de se mudar para o actual]
TP: Que trabalho está a desenvolver de momento? Algum projecto novo?
JJ: Eu sou uma pessoa sem projectos, aquilo em que trabalho é diariamente, portanto não há nada de novo a não ser o que acontece todos os dias. Não existe um planeamento daquilo que faço. O que pode ver aqui no chão são desenhos feitos nas últimas semanas.
TP: Como é o seu ritmo de trabalho?
JJ: O ritmo é algo que nós nunca sabemos como irá correr. Às vezes corre bem, outras vezes corre mal e outras não corre nada! Nem bem, nem mal. Portanto é algo que não podemos prever. Se me pergunta se frequento o atelier regularmente, isto é, quando não estou na faculdade a dar aulas, sim, venho sempre para aqui. No fundo, resume-se às idas e vindas ao atelier. Em relação àquilo que é trabalhar aqui depende do que acontece e que acaba por resultar de forma diferente todos os dias. Eu prefiro quando corre muito bem.
TP: A sua criação artística é fruto de algum tipo de inspiração?
JJ: Há duas coisas das quais eu sou destituído: de imaginação e inspiração. Eu acho que a vida de cada um não tem sentido nenhum, por isso parte de cada um dar um sentido a essa vida. E para mim, a minha vida não tem sentido sem tentar fazer coisas. Portanto, é muito dificil passar um dia sem vir aqui tentar fazer qualquer coisa, porque é um dia que eu tenho de me confrontar desde que acordo até que adormeço com o absoluto vazio sentido de estar vivo. Por vezes uma pessoa vem para aqui tentar fazer qualquer coisa e não consegue fazer absolutamente nada. E muitas vezes sai pior ainda do que se não tivesse vindo cá. O que quer dizer que muitas vezes depois de vir trabalhar, a ausência de sentido para se continuar vivo é ainda muitissimo superior ou é maior do que aquela antes de se ter aqui chegado.
TP: É professor de desenho na Faculdade de Belas-Artes. Como é que combina o seu trabalho de professor com a prática da pintura?
JJ: Num plano mais objectivo é relativamente simples, a faculdade ocupa-me x horas por semana (depende dos horários de cada semestre) e portanto eu venho para aqui quando não tenho o tempo ocupado por esses horários da faculdade. Essa diria que é a gestão mais objectiva, depois há outra gestão que eu diria que é muito mais difícil. Acho que não é preciso imaginar muito: um professor é todos os dias assolado por um conjunto de trabalhos que são colocados à sua frente, por um conjunto de pessoas, por sensibilidades diversas, por inteligências diversas, por qualidades diversas que o afectam e atingem as suas próprias qualidades e a sua própria sensibilidade. Logo, às vezes depois de um dia a lidar com as qualidades e com as sensibilidades dos outros a nossa sai completamente arrasada, sobrando muito pouco. E essa é a gestão menos objectiva, mas é a que há. Resta-me, depois de ter visto trabalhos de tantas pessoas e de me terem afectado bastante, fazer qualquer coisa de meu, então tenho de fazer isso.
TP: A aplicação da matéria nas suas obras para além dos meios riscadores sobressai. Como justifica esta opção de dar protagonismo a este corpo texturado?
JJ: Se as coisas têm uma ocorrência na superfície é porque sentimos a necessidade dessa ocorrência, ou melhor se calhar não sabíamos que tínhamos essa necessidade. Assim sendo, a presença da densidade matérica não é o efeito que lá está. É claro que muitas das vezes acaba por o ser, sendo uma parte caracterizante do trabalho, esse efeito plástico. Contudo na sua origem não está a vontade de produzir um determinado resultado, num determinado trabalho. Não me passa pela cabeça fazer uma pintura lisa, ou seja uma pintura que seja construída em função de um fim. As próprias coisas pelas quais são constituídas a pintura, as cores por exemplo - fluídas ou espessas - são qualquer coisa que tem a ver com o modo de me relacionar com essa realidade, que é fazer a pintura. E essa é a razão pela qual essas matérias têm a presença e o protagonismo que têm no meu trabalho. O porquê de ser assim deve ser por razões várias, mas também não estou muito preocupado. A pintura e o desenho são coisas muito pouco razoáveis.
Como ainda há pouco afirmei, sou uma pessoa destituída de imaginação, por isso acabo sempre por defraudar as expectativas dos outros, pelo menos por alguns episódios com os quais me tenho confrontado. Se me perguntarem o que é que eu quero dizer com os meus trabalhos, ou porque é que eu os faço, eu digo "nada"! Eu não quero dizer nada! Se me perguntarem se eu quero mudar alguma coisa, eu digo "não"! Quero que tudo fique na mesma e que não se dê por nada. Agora, é claro que no meio disso tudo de não querer dizer nada, ou mudar nada, eu quero que estas coisas tenham a possibilidade de existir. E isso é um paradoxo! As pessoas à partida pensam que as coisas existem para alguma coisa, por alguma coisa e de alguma coisa. E portanto, quando nós não queremos nada com elas parece qualquer coisa de incongruente ou de paradoxal.
[Fotografias de Teresa Pessoa]
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João Jacinto (Mafra, 1966)
Em 1985 iniciou os seus estudos artísticos na E.S.B.A.L. Leccionou entre 1989 e 1992 no Ar.co em Lisboa. É, desde 2001, professor na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Expõe, individualmente, desde 1987. Tendo participado em inúmeras exposições individuais e colectivas. A sua obra encontra-se representada em várias colecções: CAM – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal, Caixa Geral de Depósitos, Lisboa, Portugal, Colecção António Cachola –MACE – Elvas, Portugal, Fundação PLMJ, Lisboa, Portugal, Museu do Chiado (Deposito Isabel Vaz Lopes), Lisboa, Portugal, Museo Extremeño Iberoamericano de Arte Contemporaneo, Badajoz, Espanha, Veranneman Foundation, Kruishoutem, Bélgica, Art Collectors, Genève, Suíça, Fine Arts Gallery, Brussels, Bélgica, Renate Schröder Gallery, Cologne, Mönchengadbach, Alemanha, Gallery Catherine Clerc, Lausanne, Suíça, Collection Kierbaum & Partner, Colónia, Alemanha, Fundação Carmona e Costa, Lisboa, Portugal, entre outras.