|
DELFIM SARDO
De 10 a 13 de Julho realiza-se a primeira edição da Est Art Fair, uma feira de arte contemporùnea no Estoril que, além da presença das galerias nacionais e internacionais, apresenta uma forte programação curatorial. A Artecapital teve a oportunidade de falar com Delfim Sardo, que juntamente com Filipa Oliveira e Moacir dos Anjos, constitui o grupo curatorial.
Por Liz Vahia
>>>>>>
LV: A Est Art Fair, além de ter presente uma série de galerias nacionais e internacionais, tem uma forte componente curatorial paralela. à uma estratégia de distinção desta feira de outras feiras de arte contemporùnea?
DS: Essa pergunta deve ser dirigida Ă direção da Est Art Fair que nos fez (a mim, ao Moacir dos Anjos e Ă Filipa Oliveira) o convite para constituirmos o grupo curatorial. A componente curatorial existe em vĂĄrias feiras de arte e tem tido consequĂȘncias interessantes, quer para os artistas, quer para os galeristas e para os colecionadores. No caso da Est Art Fair esteve presente desde o inĂcio, na discussĂŁo interna sobre o conceito da feira e possui um peso relativamente importante, na medida em que, nĂŁo sĂł a exposição âDesenhar o Mundoâ, mas tambĂ©m a secção de solo projects (uma galeria com um artista) esteve a nosso cargo.
LV: O tema âUm foco no desenhoâ vai pautar nĂŁo sĂł o programa curatorial, mas tambĂ©m servirĂĄ de mote Ă s galerias. A ideia Ă© as prĂłprias galerias âcomissariaremâ a sua representação e dar um sentido de unidade Ă feira?
DS: Sim. As galerias sabem muito bem definir as suas estratĂ©gias e conceberem abordagens diversas Ă ideia expandida de desenho que a feira propĂ”e e que estĂĄ presente na nossa exposição. Claro que, hoje em dia, definir o que Ă© o desenho Ă© uma tarefa difĂcil, apaixonante e, por vezes, mais tributaria da intuição do que, em bom rigor, de uma abordagem conceptual rĂgida. O desenho Ă© uma prĂĄtica, nĂŁo uma disciplina no sentido histĂłrico do termo e, por isso mesmo, perpassa por metodologias e processos criativos muito diversos, umas vezes de forma literal â como linha sobre um suporte â outras vezes de formas mais metafĂłricas ou derivativas, usando o filme, o vĂdeo ou as prĂĄticas tridimensionais. Por outro lado, o desenho Ă© uma prĂĄtica interna a outras disciplinas, como a arquitetura, ou o design. Nesse sentido, as possibilidades de diferentes entendimentos para as galerias sĂŁo muito amplas, podendo dialogar a questĂŁo de forma interessante com os artistas que representam, dentro das suas linhas de actuação.
LV: Como surgiu a escolha do desenho como conceito organizador da årea curatorial da primeira edição da feira? Tem a ver com a versatilidade e transversalidade da pråtica do desenho?
DS: A primeira ideia partiu da necessidade da feira ter um foco especĂfico e, portanto, constituir-se em torno de um tĂłpico suficientemente flexĂvel para ser interessante, mas simultaneamente diferenciador. O desenho Ă© uma prĂĄtica culturalmente transversal, mas ao mesmo tempo possui uma inscrição na histĂłria da arte; Ă© mĂșltipla na sua funcionalidade, diversa nas suas metodologias e aberta. Estes foram aspetos importantes na opção pelo âfoco no desenhoâ. No entanto, outros aspectos tambĂ©m pesaram nesta opção e constituĂram eixos de trabalho para o grupo curatorial: o desenho possui, em Portugal, uma curiosa transversalidade porque muitos artistas desenham (o que nĂŁo acontece da mesma forma noutros contextos artĂsticos) e a feira, sendo internacional, Ă© aqui que tem lugar. O desenho possui ainda uma qualidade de resistĂȘncia pela sua secura que nos interessou, pela forma como possui um eco polĂtico na eficĂĄcia â e historicamente isso Ă© confirmĂĄvel â e tambĂ©m pela transportabilidade: o desenho Ă© migratĂłrio. Em Ășltimo lugar, interessou-nos a conexĂŁo do desenho com a escrita, a anotação, o registo, a memĂłria, a linha de divisĂŁo, a fronteira, o temporĂĄrio, o que Ă© frĂĄgil â e todas estas sĂŁo temĂĄticas contemporĂąneas relevantes do nosso ponto de vista.
LV: Na conferĂȘncia de apresentação da Est Art Fair no inĂcio do ano afirmou que Portugal era um paĂs com muitos artistas que praticam o desenho. Vamos poder ver alguns deles na exposição proposta pelo grupo curatorial?
DS: Sim, vamos ver alguns artistas portugueses da exposição Desenhar o Mundo, (Helena Almeida, Ălvaro Lapa, Gabriela Albergaria, Jorge Queiroz, Bruno Cidra ) bem como nos Solo Projects entre os diversos artistas de outros contextos (Fernando Brice, Silvia BĂ€chli, Rosa Barba, Anna Maria Maiolino, Dennis Openheim, Oscar Muñoz, Franz Erhard Walther, Francis AllĂżs, Lawrence Weiner, entre outros). Certamente que muitos outros artistas portugueses estarĂŁo nos stands das galerias.
LV: Para alĂ©m da exposição âDesenhar o Mundoâ, a programação propĂ”e mais duas ĂĄreas, os jĂĄ referidos âSolo Projectsâ e as âArt Talksâ. Os primeiros sĂŁo desafios Ă s galerias e as conversas vĂȘm dizer que Ă© importante para os pĂșblicos, profissionais ou nĂŁo, nĂŁo sĂł ver arte mas tambĂ©m falar sobre arte?
DS: Os Solo Projects partiram de um espaço histórico, o espaço Proun de Lazar Lissitzky, apresentado em Berlim em 1923. Os Solo Projects são o resultado do convite a 9 galerias para apresentarem o projecto de 1 artista concebido para um espaço as mesmas dimensÔes desse momento de viragem na arte do século XX.
As galerias aceitaram o nosso convite e estamos muito confortåveis com o resultado, com galerias do Brasil, da Alemanha, de França, do México, da ColÎmbia, do Reino Unido e de Portugal a apresentarem os artistas que nós propusemos.
Os Art Talks são uma oportunidade para falar sobre a pråtica do desenho, no dia 10, sobre colecionar desenho, no dia 11 e as questÔes curatoriais do desenho, no dia 12, para além da mesa que encerrarå a feira no dia 13, sobre a especificidade dos livros de artista.
LV: Do Grupo Curatorial Internacional fazem parte tambĂ©m os curadores Filipa Oliveira e Moacir dos Anjos. Ă a primeira vez que estĂŁo juntos num projecto de curadoria? Como Ă© que foi a dinĂąmica de trabalho nestes Ășltimos meses?
DS: Sim, foi a primeira vez que trabalhåmos juntos num projecto e não podia ter sido um grupo com melhor ambiente de trabalho e colaboração. O Moacir dos Anjos e a Filipa Oliveira deram-me a grande satisfação de terem aceite trabalhar em conjunto, são excelentes profissionais com visão, sensibilidade e empenho.
LV: Esta feira tem como alvo principal os profissionais das artes ou tambĂ©m pretende atrair novos pĂșblicos para a arte contemporĂąnea em Portugal? O trabalho do grupo curatorial poderĂĄ contribuir para isso?
DS: Como qualquer feira, a sua ambição Ă© estabelecer pontes mais alargadas com os pĂșblicos, mas tambĂ©m desenhar essa quadratura do cĂrculo que Ă© a de, simultaneamente, estabelecer um diĂĄlogo interno entre os profissionais da ĂĄrea (artistas, galeristas, crĂticos, curadores) e os colecionadores. Uma feira Ă© um lugar estranho e pode ser fascinante, porque os protocolos sĂŁo menos rĂgidos, o pĂșblico sente-se menos constrangido do que nos museus, os profissionais tĂȘm razĂ”es para se encontrarem, fazem-se negĂłcios e, quando as feiras correm bem, vĂȘ-se arte interessante num contexto que tem uma componente festiva.
Espero que algumas destas caracterĂsticas se apliquem Ă Est Art Fair â no que me diz respeito, que se veja arte interessante e que seja o lugar para bons encontros.
Curadoria Ă© sobre isso, nĂŁo Ă©? Contribuir para bons encontros, ora perturbadores, ora felizes, ora sĂł estranhos.