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ENTREVISTA


Ivo Mesquita

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IVO MESQUITA


Ivo Mesquita tem uma longa trajectĂłria no circuito da arte no Brasil, iniciada no fim dos anos 60. Desde o fim de 2007, seu nome estĂĄ associado a uma ideia: o vazio. Mesquita Ă© o curador da 28.ÂȘ Bienal, que acontece entre Outubro e Dezembro deste ano.

Ele propÔe, para o evento, discutir abertamente a crise pela qual passam as grandes exposiçÔes, sobretudo a de São Paulo, onde a Fundação Bienal enfrenta acusaçÔes de desmandos administrativos e procura redefinir seu papel e função.

Para representar esse gesto, ele deixarĂĄ vazio um dos andares do prĂ©dio projectado por Oscar Niemeyer. Mesquita pretende recriar o modelo da Bienal, a fim de que o pĂșblico nĂŁo tenha apenas um percurso (passear por obras reunidas por afinidades temĂĄticas num pavilhĂŁo), mas um circuito — composto de publicaçÔes, debates ou acçÔes envolvendo a cidade e os seus habitantes, entre elas duas festas no parque do Ibirapuera.

Essa seria uma das estratĂ©gias possĂ­veis para repensar o papel do artista — e do curador — num ambiente de feiras de arte e do discurso dominante do mercado. Para ele, a actual atmosfera de excesso, velocidade e grandeza desmedida deve ser contida. Como escreveu o artista francĂȘs Yves Klein (1928-1962), que fez do imaterial toda uma questĂŁo para a arte, Ă© preciso “manipular as forças do vazio”. A 28ÂȘ Bienal se prepara para o desafio, disse Ivo Mesquita.


Por Marcelo Rezende


P: Hoje, as feiras de arte se multiplicam, mostrando a força e o vigor do mercado, e ao mesmo tempo reivindicam ser ainda um espaço para o debate. Hå competição com as bienais?

R: A cada semana hĂĄ uma feira abrindo. HĂĄ o mesmo tipo de multiplicação das bienais. Em um dado momento, a partir dos anos 80, as bienais vĂŁo precisando cada vez mais do apoio das galerias para produzir projetos para essas mesmas bienais — um financiamento. Isso jĂĄ havia desde os anos 50 e 60, durante a Guerra Fria, com a criação dos prĂ©mios no circuito de bienais, e havia uma pressĂŁo das galerias por esses prĂ©mios. O que houve nos Ășltimos tempos Ă© que as galerias se deram conta de que era melhor fazerem directamente tudo, com as feiras. Por isso, proponho que as bienais sejam mais enxutas, com menos artistas, mais crĂ­ticas e mais reflexivas. Na verdade, antes dessa explosĂŁo, atĂ© os anos 80, os museus nĂŁo se ocupavam muito de arte contemporĂąnea; isso era uma coisa de bienais. As bienais tinham o papel de certa organização, revelação da arte contemporĂąnea. À medida que isso passa para dentro dos museus, estes começam a ocupar esse lugar, e esse mercado, o da arte contemporĂąnea, vai se tornando muito poderoso tambĂ©m — e nĂŁo era assim antes.


P: Esse contexto deixa-o mais livre ou mais pressionado para preparar uma Bienal?

R: Mais livre. Porque hĂĄ vĂĄrios segmentos que estĂŁo muito bem supridos, representados e ouvidos. As bienais tĂȘm que ter uma visĂŁo mais crĂ­tica sobre os modos de produção de hoje. Acredito muito nos programas de residĂȘncia de artistas, mas nĂŁo aquela coisa que jĂĄ se institucionalizou. O artista trabalhando por trĂȘs semanas ou trĂȘs meses. Tem que ir para uma cidade, ter uma casa, ter uma vida, aprender a lĂ­ngua, ver as escolas de arte que existem naquele lugar. E isso pode durar um ano e meio, dois anos, com o acompanhamento de um curador. Acho importante essa experiĂȘncia, a possibilidade de desacelerar o tempo para a produção da obra, criar um contraponto a esse tempo digital, acelerado. Nesse sentido, as bienais deveriam ser menores, o que abre a possibilidade de criar novos formatos que nĂŁo o da prĂłpria exibição de objectos num pavilhĂŁo. Por que nĂŁo uma Bienal que aconteça na internet? Por que algo que nĂŁo esteja dentro do prĂ©dio?

Nos circuitos das bienais, hĂĄ um crescente discurso polĂ­tico nas obras — em teoria, projectos que nĂŁo podem ser comprados — e nos temas, o que seria uma estratĂ©gia para se opor ao mercado. Mas tudo isso acontece sob os olhos do mercado de arte. Mas nĂŁo Ă© isso o que se vĂȘ nas feiras de arte? Os artistas vendendo os seus trabalhos, os seus arquivos, aquelas pesquisas que eles fazem. Tudo estĂĄ lĂĄ para vender. Custa 15 mil euros, 50 mil euros, dependendo do artista. O colecionador compra. Mas por quĂȘ? Ele vai ler todas aquelas figurinhas? Talvez. Mas nĂŁo Ă© um trabalho que caiba no espaço da casa; isso nĂŁo faz sentido. E se nĂŁo sĂŁo obras para o espaço da casa, entĂŁo talvez nĂŁo seja o espaço para esse mercado, e as instituiçÔes devem pensar sobre isso. Nesse sentido, o que precisa ser readaptado talvez seja a economia que permite que esse artista trabalhe. E isso seria veiculado Ă s bienais. Esse espaço que antes era de projetos foi apropriado pelo mercado. NĂŁo sei se a gente consegue desfazer isso, mas ao menos temos que deixar claro como a coisa acontece.


P: EntĂŁo a 28ÂȘ Bienal começa com a vontade de desfazer?

R: O economista alemĂŁo Ernst Friedrich Schumacher dizia que o pequeno Ă© bonito. Quando todos propunham as grandes corporaçÔes, na dĂ©cada de 1970, ele vinha com a ideia do pequeno negĂłcio, que permitia emprego. No lugar das grandes fĂĄbricas, o pequeno negĂłcio. Eu concordo com ele. Temos essa relação com o grande, mas nĂŁo encaramos alguns fatos. Desde 1951, a Bienal de SĂŁo Paulo Ă© visitada por 10% da população da cidade. Com as dĂ©cadas, a cidade cresceu, criou-se uma infra-estrutura cultural enorme, mas continuam sendo os mesmos 10 % que visitam a Bienal. Por que isso ocorre? O que significa? Quando vocĂȘ pensa que a Bienal pode custar R$ 20 milhĂ”es, e vocĂȘ pensa nesses 10%... Sei que nĂŁo se medem as questĂ”es da cultura por meio desses valores, mas eles nĂŁo deixam de ser significativos. Precisamos entĂŁo parar e refletir, pensar que alternativas temos, que possibilidades se apresentam, hoje, para um outro tipo de modelo.


P: E o novo modelo pode ser iniciado com um salĂŁo vazio?

R: O tema da Bienal nĂŁo Ă© o vazio. HaverĂĄ por volta de 40 artistas participantes, publicaçÔes, performances, debates, diferentes acçÔes. O vazio Ă© um gesto simbĂłlico. A psicanĂĄlise Ă© algo muito presente para mim, um instrumento. Acredito na ideia de um corte na fala, na interrupção da conversa, no fim da sessĂŁo. VocĂȘ estĂĄ lĂĄ, falando, e o psicanalista diz que acabou a sessĂŁo e vocĂȘ fica com a palavra no ar, e isso descortina um vazio para vocĂȘ, que Ă© quando vocĂȘ tem a chance de se ver, de buscar respostas. Para mim, as pessoas tĂȘm medo do vazio. O que estaria por trĂĄs desse medo? Mais uma vez, algo psicanalĂ­tico. Talvez estejamos percebendo que a arte jĂĄ nĂŁo nos assegura, nĂŁo tem mais a capacidade de mitigar a nossa angĂșstia diante do vazio de nossa prĂłpria existĂȘncia. SerĂĄ que a arte perdeu essa capacidade ao falar de coisas imediatas, do mundo, das raças? NĂŁo basta apenas afirmar que hĂĄ crise; Ă© preciso se colocar e debatĂȘ-la.


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