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ENTREVISTA


Processo © UMBRAL


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MARGARIDA VEIGA




UMBRAL — OOOOOOOOOOOOOOO


27/02/2023 

 

A instalação UM~BRAL,  c/ Adriana João & Rebeca Letras, inaugurou dia 15 de Dezembro das 19h às 22h na Costa do Castelo 69. Numa vitrine desativada do Teatro da Garagem, nasceu uma peça nova. Nessa noite houve uma pequena conversa de apresentação do projeto e a edição #83, 20 anos da umbigomagazine, episódio 4/4, sobre o capitalismo.

"um~bral ~~~~~~ um início para múltiplas possibilidades de percepção e experiência(s) de um lugar ~~~~~~ reflexos difusos de transparências diluídas em individualidades cruzadas ~~~~~~ imaginar paisagens do (im)possível e de processos de (trans)mutação ~~~~~~ um~ritual~~~~~ "


Projecto curatorial e textos complementares: Bruno José Silva e Reina del Mar

Dupla de artistes: Adriana João e  Rebeca Letras

 

 

Por Filipa Almeida

 

 

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FA:  Antes de mais, para quem não viu nem conheceu o projecto, podem, Bruno José Silva e Reina del Mar como curadores, explicar o projecto? 

UMBRAL: Somos amigos de longa data, de outras vidas na altura menos artísticas e mais ocasionais. Crescemos na mesma zona (centro e rural) e temos interesses em comum, dentro das questões da utilização da cidade como suporte artístico, urbanismo e arte pública, criação como prática terapêutica. O projeto nasce de uma coincidência e de vontades de intervir em lugares não convencionais da cidade e de os transformar através de diferentes perspectivas e suportes. Um~bral procura desafiar artistes a ativarem lugares ‘suspensos’ no tempo, numa tentativa de pensar lugares transitórios, questões de (trans)mutação e experimentação processual como ritual.

FA: Sei que valorizam muito o trabalho artístico e, como tal, não quiseram avançar com nenhum projecto que não fosse remunerado, tanto para vocês como para as artistes que escolheram. Admiro muito essa forma de trabalhar, especialmente nos dias que vivemos e nas condições que conhecemos. O apoio veio da parte de quem? Candidataram-se a que projecto? O que mais vos possibilitou?

UMBRAL: O primeiro momento contou com artistes Rebeca Letras e Adriana João e concretizou-se devido ao apoio financeiro da Câmara Municipal de Lisboa e ao apoio do UMBIGO do Teatro da Garagem. As próximas edições não têm aviso prévio, nem programação contínua — acontecem quando conseguirmos respostas positivas dos apoios atualmente abertos a que continuaremos a concorrer. O projeto só se desenrola se existir condições laborais e artísticas a todes es intervenientes, garantir condições e pagamentos adequados é uma das premissas da um~bral, sendo que a continuidade do ciclo dependerá disso mesmo.

FA: Escolheram Adriana João e Rebeca Letras para serem a vossa dupla, as vossas cúmplices. Tinha de ser mais do que uma pessoa ou foi uma escolha livre? Vejo sempre as duplas e colectividades como gesto político e revolucionário. Saber que juntos somos mais e podemos trazer ao mundo coisas inesperadas.

UMBRAL: Sempre existiu o interesse de trabalhar relações que vão do ocasional ao íntimo, transformar um processo artístico em algo que também se transforma num processo de intimidade e de partilha, explorar o desapego como prática e a fluidez nos processos. A partir daqui, a criação artística em duplas que nunca em momentos anteriores se conheceram ou trabalharam (como o caso de Adriana e de Rebeca) torna o encontro nas diferenças e nas brechas de significado entre universos distintos essência a possibilidade de transmutação.

FA: A instalação presente trouxe-nos uma nuvem de luz a esta vitrine adormecida, que assim, volta à vida. Porquê a vitrine do Teatro da Garagem? Pensam em continuar o projecto em mais locais destes “suspensos no tempo”?

UMBRAL: Sempre que passávamos na costa do castelo, a vitrine do teatro era algo que nos sugava porque sentimos as suas potencialidades de transformação. Espaços como a Vitrine, com vários layers são para nós uma premissa de permeabilidade e de possibilidade de transmutação (na verdade qualquer espaço pode ser transmutável). No entanto a Vitrine “suspensa no tempo” e com a possibilidade de ser experienciada de diferentes formas e de diferentes perspectivas, começando pela rua da Costa do Castelo e continuando no interior pela sala de ensaios, que apenas é utilizada pelo Teatro do Bairro e pela Comunidade de idosos do mesmo, pareceu-nos o local ideial para pensar estas possibilidades. Há para além disto uma relação de ambos de carinho com o local — foram imensas as vezes que visitámos o café do Teatro da Garagem, onde antigamente (antes da mass touristification do mesmo) era um local perfeito para nos escondermos a ver a cidade, ler, trabalhar ou apenas conversar com amigos. Nas verdade a possibilidade de podermos ativar a Vitrine é algo simbólico e bonito porque a Vitrine “esquecida” faz parte de um lugar que por muitas vezes foi casa, estúdio ou sala de estar. Trabalhar a transmutação de lugares que também nos são íntimos de alguma forma é algo que nos interessa experienciar.  

FA: A folha de sala, a vitrine e a peça digital disponível online, tornando o projecto multifacetado e expandido, fala-me muito das mesmas coisas... Ligações, respirações, pensamento tecido em continuidade. Fala-me sobre materiais que se ligam, que formam uma trama - algo que se está a tecer, que cintila quando mexe e que muda perante a nossa posição. Querem, agora es artistes, comentar estas palavras?

ARTISTES: Obrigade, pelas palavras. O comentário possível é que, com certeza, captaste a natureza do nosso processo e do resultado plástico e sonoro conseguido. De facto, esse foi o lugar que encontrámos de cruzamento entre as nossas práticas e que decidimos explorar. Entramar os nossos processos individuais num único, utilizando diferentes materiais (os que nos tocaram nos sentidos) com a calma e orientação que os movimentos repetidos que a manufactura destes objetos nos pediu. Algo, ainda que estático no enlace, que vibra num movimento aquoso e subtil. Falámos de múltiplas possibilidades, mas intuitivamente começámos por tecer tramas aquosas, a pensar acerca de ciclos, rituais, parcelas padronizadas e viscerais, que por questões temporais e de recursos se condicionam fisicamente.

FA: Não sendo uma dupla e tendo trabalhado pela primeira vez em conjunto neste projecto específico, deixam-me muito curiosa de saber como foi a vossa colaboração. Sei que fizeram uma residência de uma semana no Porto, para realizarem a peça / instalação. Onde? Quando? Querem comentar um pouco como foi o processo?

ARTISTES: Sim. Primeiro aconteceram dois encontros online onde nos conhecemos e partilhamos histórias, experiências, curiosidades e vontades a explorar. Essas conversas foram o gatilho para uma liberdade comunicacional entre nós.Num desses encontros, analisando a proposta do Bruno e da Reina (Marina) logo nos apercebemos que várias coisas nos ligavam, e outras nos separavam (processos distintos no que toca à forma como lidamos com os produtos que desenvolvemos: Adriana — apego, tendo um arquivo intocável e precioso de tudo o que tem vindo a fazer, e Rebeca — desapego, uma espécie de soltura matérica, não tendo nada que sirva como registo de toda e qualquer coisa que já tenha feito no passado, havendo mais nuances entre a binariedade mais óbvia.). Posto isto fizemos uma residência de uma semana no Armazém Pedreira, onde é o estúdio de Rebeca, seguida de outra semana em Lisboa onde continuámos o processo que iniciámos no Porto e instalámos a versão final de ooOoOoooOoOooOo, tanto na vitrine do Teatro Taborda, como no website desenvolvido em colaboração com Diogo Brigo. De modo fluído, acabámos por assumir enquanto ponto de partida o que concluímos ser o maior espaçamento nos nossos processos individuais — a forma de encarar as peças que se vão criando. A Reina e o Bruno foram muito sensíveis e perspicazes nesta proposta porque, apesar de matericamente, em primeira instância, o nosso trabalho não se assemelhar particularmente, energeticamente e tematicamente há infinitos pontos em comum — o que nos permitiu simultaneamente sair da nossa zona de conforto e alinharmo-nos melhor, tanto individualmente como em conjunto.

FA: Continuando no trabalho colectivo... Um movimento puxa o outro e nasce algo novo. Fundiram-se e nasceu a instalação que é algo novo, independente. Uma peça a quatro mãos. Continua a fascinar-me muito essa partilha de tarefas, saber que uma energia é diferente de outra, a minha mão puxa, a tua dá-me, a minha devolve-te e a tua recebe — e vamos assim caminhando, vamos assim tecendo.... o caminho, a instalação, esta rede que não é cilada, esta trama que é textura colectiva. Costumam trabalhar em colectivo (se sim, com quem?) ou têm uma prática artística mais individual?

ARTISTES: Sim, ambes temos partilhado criações ao logo dos nossos processos. Eu, Rebeca, para além do meu trabalho e pesquisa individual, faço parte do coletivo Pedreira e Roda Baixa, projetos nos quais me insiro num lugar criativo, e fui crescendo artisticamente, desde o tempo em que estudava, a integrar pequenos coletivos espontâneos, ou a colaborar em entre-ajudas para fazer acontecer coisas. O trabalho em coletivo é algo vital para manter o meu interesse e motivação no mundo das artes, para além de também estimular imenso a minha produção e as minhas ideias individuais. Eu, Adriana, gosto mesmo muito de trabalhar com pessoas com as quais me identifico, a muitos níveis. Aprendo muito, desbloqueio questões que às vezes nem sabia que existiam, alinho-me mais e melhor. Para além de manter, sempre, a minha prática artística individual, tenho vindo a colaborar em projetos, agora para além de Becas, com amigues que admiro muito, como e Gabriel Siams, o Polido, o Seán Being, o Pedro Tavares, o coletivo de rádio do qual faço parte e que co-fundei intitulado TEIA; e continuamente, noutras dinâmicas ligeiramente menos diretas a trabalhos artísticos, com pessoas que admiro muito e com as quais sinto uma troca sinergética que nos acrescenta.

FA: Voltando aos curadores, visitei esta exposição durante um dia Sol, e voltei no dia seguinte ao anoitecer, na tua companhia Bruno, que te disponibilizaste a acompanhar-me. Reparei que são duas coisas diferentes - uma de dia e uma de noite. Devido à sua natureza aquariana no sentido formal, à medida que a luz vai mudando, a peça também muda. Reflecte-se, ressoa, torna-se paisagem e a paisagem torna-se peça. Querem falar destas potencialidades ou contradições? Vejo-a como uma instalação expandida no tempo, por estas mesmas razões, e gostava de vos ouvir a este propósito.

UMBRAL: O jogo entre uma vitrine desativada que pode funcionar como galeria (através das visitas no interior) assim como a possibilidade de esta se transformar numa intervenção de espaço público (através da vista do exterior) — a possibilidade de se ver a cidade pelas transparências das janelas, e a possibilidade de se pensar um lugar “suspenso” procurando concepções com a sua história, passado, presente e futuro, explorando possibilidade de (trans)mutabilidade de lugares e de hackeamento de sistemas. O processo para atingir este fim acabou por ser bastante intuitivo e desconstruído, como é a própria premissa da UMBRAL — a possibilidade de uma instalação “fixa” numa vitrine “suspensa no tempo” que naturalmente através dos reflexos — jogos de luz nas peças, reflexos no vidro, intensidade da luz natural torna-se possível devido ao efeito “aquariano” de que falas, e que também deu a engrenagem para o próprio pensamento do projeto. A própria instalação não terminou aqui, a sua contínua existência no espaço virtual perpetuou e continua a perpetuar a UMBRAL entre diferentes fluxos, perspectivas e acima de tudo portais para potências de pensamento e experimento. 

FA: Quando visitei a exposição com o Bruno, ele contou-me o facto do tecto da vitrine só estar furado em dois lugares e serem apenas esses os furos que podiam utilizar para pendurar a vossa peça. Penso que isso a obrigou a seguir o seu próprio curso na maneira como cada parte se ligou uma à outra e como acabou suspensa daquela maneira particular. Foi uma potencialidade ou um obstáculo? No fundo é construir com aquilo que se tem, a meu ver. E cada detalhe dá a cada projecto e a cada instalação as suas particularidades...

ARTISTES: Sem dúvida que as particularidades de cada espaço vão influenciar de forma inevitável qualquer ocupação do mesmo. Neste caso, o que começou por ser um desafio, acabou por nos guiar num resultado menos limpo e mais tramado (estando todas as ligações e suspensões visíveis), o que deu mais valor ao objeto final da vitrine pela sua óbvia ligação visual e conceptual com todas as outras camadas deste processo. No entanto, estas situações de impossibilidade ou dificuldade de montagem e execução de uma ideia, não são obstáculos, mas sim potenciais limitações às criações. Por vezes, estas levam a caminhos positivos como solução, mas nem sempre isso acontece e se mostra desta forma; por vezes limitam e tornam as coisas menos agradáveis ou impossibilitam certos objetivos, ainda que, qualquer desafio possa ser visto com leveza e transformado em oportunidades de questionamento. A forma pragmática de analisar um desafio torna às vezes as suas possíveis resoluções eficazes, ou até, mais funcionais e belas do que o esperado. Foi um obstáculo que se tornou numa potencialidade. A peça nunca seria o que foi se não tivesse existido essa condicionante.

FA: Podem falar-me um pouco dos materiais utilizados para construir esta peça e a relação que têm com eles?

ARTISTES: Para além da cerâmica — material que eu (Rebeca) privilegio na minha prática, usamos diferentes tipos de fio metálico (para criar relação com uma performance que a Adriana já fez antes e que inspirou bastante esta colaboração, por ter tantos elos de ligação com o meu trabalho). Alguns plásticos e tecidos cintilantes chamaram a nossa atenção pela sua transparência e brilho. A partir do momento que iniciámos este crochet frenético, todos os materiais foram muito fáceis de seleccionar entre nós, pois, no momento da escolha, concordámos quase sempre nos quais preferíamos e chamavam a nossa atenção. A um nível mais prático, ainda na faculdade, em 2019, passei três meses a tricotar 180m cabo de aço (Adriana), de modo a construir uma pele que usei numa performance documentada audiovisualmente e instalada num espaço. Em 2021, estive em residência artística com Gabriel Siams e com Filipa Alves no EGEU, onde desenvolvemos uma peça composta por vários processos e materiais, incluíndo 170m de correntes, que, diariamente, íamos entrelaçando e desentrelaçando no espaço. Acabámos por fundir peças antigas nossas na instalação final — como a pele de cabo de aço e fragmentos de correntes de cerâmica — pensámos em como criar novas parcelas, fazendo crochet conjunto com materiais como metal e tecido.

FA: Ao ver a vossa peça conjunta relembrei uma frase de Gaston Bachelard que está sempre muito presente em mim : “Só o sonhador que percorre caminhos arredondados para contemplar conhece essas jóias simples do repouso desenhado.” Sinto precisamente que vocês se propuseram a fazer este caminho de ligações entre as coisas, arredondado e enamorado, para que nós possamos contemplar as jóias simples deste repouso desenhado. Revêm-se nesta percepção?

ARTISTES: Eu (Rebeca) completamente. Dou sempre por mim nesse lugar de contemplar o meu próprio caminho redondo. Trabalho e pesquiso muito sobre esse lugar de reivindicação de tempo e espaço para produzir, tentando quebrar com o paradigma social rápido.

FA: Ao ver esta instalação, sinto uma teia brilhante que respira, à minha frente, como um ser vivo. Sinto que a corrente elétrica passa por aqui. Que há caminhos secundários a descobrir e curvas inesperadas para o olhar seguir, nesse processo arredondado sobre o qual já vos perguntei. Por vezes é preciso desligar as concepções e esquecer a geometria - sem recear o desconhecido, o curvo, o fulgurante — aquilo que nasce ! Vejo uma criatura quase marinha, não sei bem porquê. Também são os meus próprios universos a falar... O que é esta instalação, para vocês e para cada uma? Sente-se que uma e a outra trabalharam e colaboraram para um aprofundamento mútuo e profundo de ligações.

ARTISTES: Foi precisamente isso. Várias coisas do processo de ambes surgiram como inspiração para este cruzamento criativo — a água, a transparência, a trama, a repetição, o portal, UMBRAL — foram os caminhos que percorremos em conjunto com o Bruno e com a Reina — que também sinto como pessoas artistas e criatives que inspiraram e moldaram a nossa prática, através da proposta que nos fizeram e das interações das quais fizeram parte. Diria que a instalação e o produto digital são uma confluência de varias intenções — as de nós 4. A água que vem de um lugar aquoso ao qual uma vitrine como aquela nos remete inevitavelmente. E está lá transportada para a peça digital, onde se vê também, outra das peças (ainda que de forma distorcida) que surgiu como inspiração —uma fotografia da Adriana. A corrente elétrica que te atravessou de forma sensorial quando viste a instalação também esteve presente na energia elétrica que usei para cozer as peças de cerâmica (Rebeca) e que a Adriana usou para gravar o som delas e, outrora, no cobre inexistente dos cabos elétricos que reciclei nos Açores, e que cruzámos num padrão.

FA: No site, encontrando a peça digital, à medida que mexo o cursor, encontro e oiço cristais em movimento, cristais que ressoam sons, para mim, da mesma matéria que os sonhos. Talvez ainda não estejamos certos dos sonhos que temos...mas sonhamos. A sua textura acetinada seduz-nos e o seu som irradiante chama-nos a explorar mais o ecrã. O que é esta peça transformada para o formato digital, como expansão e alargamento da instalação na vitrine?

ARTISTES: Esta peça digital é, tal como a peça da vitrine, uma confluência dos nossos processos. De forma literal, foi uma sugestão de Rebeca para intervir e distorcer uma fotografia da Adriana, tornar mais aquosa uma fotografia de água. Os sons são captados e compostos por Adriana ao interagir com as cerâmicas sonoras de Rebeca. A interação do rato com a distorção da imagem e com o movimento do som foram ideias que a colaboração com Diogo Brito tornou possíveis. A Reina e o Bruno sugeriram-nos desenvolver uma peça que se bifurcasse em dois formatos: um físico e um digital. Para além de uma foto de água que vai distorcendo por onde o rato vai passando, também o som se vai alterando consoante os seus movimentos. Enquanto que na inauguração, que aconteceu paralelamente ao lançamento da edição #20 da Umbigo, o som se desenrolava do início ao fim, ma peça digital optámos por fragmentá-lo em quatro sons, mapeando o ecrã, criando zonas que despoletam x sons e zonas que despoletam y. O som é composto a partir de gravações das peças de Becas, por consequência processado digitalmente.

FA: Sinto-vos a serem a linha que cose, a ser a ligação. A andar ali para trás e para frente em busca do vínculo. Vocês quatro, nesta continuidade — na vontade do projecto, da ligação desta dupla de artistes e na própria peça final exposta. Querem comentar estas palavras?

TODES: É muito certo que essas palavras se encaixam. Esse lugar de vínculo —  e falta dele — é, sem dúvida, um lugar que trabalhamos neste processo.

 

 

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Adriana João vive e trabalha em Lisboa. Iniciou os seus estudos musicais em 2005 no Conservatório de Portimão Joly Braga Santos, onde estudou violino até 2013. Tem vindo a desenvolver vários projetos, a solo e colaborativamente, em residências artísticas, exposições, performances e concertos. O seu trabalho transdisciplinar e intuitivo integra a imagem em movimento, o som, a performance, a escultura, a fotografia e a instalação. Debruçando-se sobre o perpétuo vínculo imaterial entre tudo o que existe – quer tenhamos conhecimento, quer não o possuamos – enlaça-se quase sempre através do invisível, do impalpável, do inaudível, do inodoro e do insípido. Ciclos perfeitos, ciclos imperfeitos, ciclos aerófonos, e padrões que derivam das tangentes comuns.

Rebeca Letras é artista não-binarie que desenvolve trabalho em vários campos artísticos –  cerâmica, performance, educação experimental, som, escultura e desenho. Explora o loop como processo de criação revolucionária através da acumulação de circuitos repetidos potenciando o encontro energético individual e o questionamento matérico em coletivo. Trabalha o barro e o seus desdobramentos sem a criação de objetos estanques, decorativos ou utilitários. Utiliza-o em conjunto com outros materiais como possibilidade para atingir questionamentos políticos, estados alterados de consciência e novas imaterialidade(s) queer. Reflete sobre a binariedade, a hiper produtividade e o consumo contemporâneo através de rituais de repetição e meditação. Rebeca mistura a cerâmica com performance, criando formas esculturais sonora, paralelamente faz tatuagem experimental dos desenhos do seu trabalho e drag queer.

Bruno José Silva (1992, Leiria) é artista visual. Vive e trabalha em Lisboa. Tem formação em fotografia (Bolsa de Mérito na Formação Completa de Fotografia da HÉLICE) e em arquitectura (FAUTL Lisboa). Expõe regularmente desde 2016, apresentando o seu trabalho em exposições coletivas e individuais, em espaços independentes e institucionais. Concentra a sua pesquisa artística no conceito da imagem, explorando diferentes aspectos do mesmo, a partir de diferentes abordagens e perspectivas. A imagem, entendida de forma ampla, está sempre presente como mecanismo, ferramenta e conceito sobre o qual procura questionar o seu estatuto, a sua utilização e os mecanismos da sua produção, debruçando em paralelo sobre conceitos como espaço, materialidade e tempo. Foi artista em residência e apresentou o seu trabalho em ‘Planalto-Festival das Artes’ e em ‘raum:residências artísticas online’ a convite dos alunos Pós-Graduação em Curadoria de Arte na NOVA FCSH e em parceria com Galerias Municipais/EGEAC. Desde 2018, tem vindo a colaborar com teatro e performance, para o qual desenvolve cenografia e fotografia. Foi vencedor do Prémio Vídeo Keep It Brian, finalista dos Jovens Criadores e distinguido com uma menção honrosa pelo seu trabalho na Bienal JOV'ARTE de 2019. 

Reina del Mar(Marina Rei) (1992, Leiria) é programadora cultural, coordenadora e estratega de teorias artísticas conspiracionais. Formada em Comunicação Cultural frequenta a pós-graduação em Curadoria, Cultura Urbana e Práticas Espaciais pela Escola Superior Artística do Porto. Nos projetos de programação artística desenvolve serviços educativos transdisciplinares experimentais e circuitos de arte em espaços públicos e não convencionais. Investiga temáticas relacionadas com a identidade questionando conexões entre universos culturais e geográficos distintos, explora também as fronteiras da consciência e memória através do empoderamento tecnológico no cotidiano. É co-fundadora e programadora artística dos projetos, PEDREIRA (plataforma híbrida de residências artísticas e serviço educativo experimental com sede em Campanhã, Porto) e O STAND PROJECT (ciclo de exposições de arte contemporânea em concessionários de automóveis da Península Ibérica com sede em Penha de França, Lisboa) e ainda programadora do circuito de arte do TREMOR. Ao longo dos últimos anos tem trabalhado em coordenação e programação artística e comunicação cultural em diversos projetos artísticos, destacando-se o Carpe Diem Arte e Pesquisa, Galeria Underdogs e Festival Iminente, Gerador, Canal 180 e Ghost Creative Studios. Tem também colaborado frequentemente com distintos artistas como Wasted Rita, berru, Maria Imaginário, Odete, Trypas Coração, Vhils, Slim Soledad, Rita GT, Mantraste, entre outros.