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CELINE S DIAZ
FILIPA BOSSUET
“Dedico a minha vida à poesia da existência relacional”
Nasceu na Alemanha, em 1994, e a primeira língua que aprendeu foi o espanhol, uma vez que a pessoa com quem mais tempo passava era a mãe, uma mulher colombiana. Os momentos mais felizes da infância foram vividos na Colômbia. Lá teve contacto com a sua ancestralidade: o avô Hernando Salas Diaz, que em criança “teve a sorte” de ser a pessoa que apanhava as bolas nos campos de ténis. celine s diaz refere “ensinou-se a si próprio” - com todas as analogias que essa redundância poderá ter - a jogar ténis com uma raquete deixada por alguém. Tornou-se o primeiro a representar a Colômbia nas competições Wimbledon e Davis Cup (1959). Depois de sua mãe, é a primeira referência familiar que apresenta com ternura, admiração, orgulho e respeito, desbloqueando a sensação de bem-estar que nunca sentiu no país em que nasceu. Destaca os momentos vividos na finca (quinta) comprada pelo avô graças ao trabalho como atleta: sempre descalça em contacto com outros seres, sem hoje perceber como não foi envenenada por cobras.
celine em bebé, 1995.
Mesmo não tendo escolhido vir para Portugal, aos 14 anos o país pareceu-lhe melhor do que regressar à Alemanha. Da terra que a viu nascer recorda-se de chorar e sentir-se estranhe na escola, convivendo apenas com os amigos estrangeiros - os poucos que tinha. Entre o alemão, espanhol e português, as declarações cruzam-se, foram várias adaptações e por mais que não se sentisse bem na Alemanha, aponta para si mesme entre cabelos ruivos, sardas e olhos azuis, como a pessoa que visualmente talvez menos se encaixe com a Colômbia. Também será cultura.
As lembranças são sempre muito carregadas de emoções e uma falta de algo que não termina de descrever, mas transbordam na sua prática artística que se inicia aos 4 anos pelo desejo de celine em registar o mundo, congelar momentos para mostrá-los à mãe. Percebeu, por um anúncio da Kodad na televisão, que isso seria possível, recebendo assim uma máquina fotográfica comprada pela mãe e a avó. Assim, a fotografia tornou-se a sua forma mais honesta de comunicar dentre tantas realidades diferentes que vivenciava.
Licenciou-se em Fotografia e Cultura Visual pelo IADE - Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia, compreendendo que a sua produção artística não se aproxima de uma vertente mais comercial da fotografia. Pos-graduade em Discursos da fotografia contemporânea pela Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, entende qual o rumo que quer seguir artisticamente, e com o título de mestre em Fotografia pela Universidade Aalto, na Finlândia, estuda perspectivas artísticas que não se centram apenas nas noções ocidentais. Destas formações destaca a sua autonomia, ao entender que mesmo não concordando com muitas das perspectivas apresentadas na academia, teria de interiorizar aquilo que mais a beneficiaria no futuro.
Da série Série Transfundir (2018). © celine s diaz
Para celine s diaz a câmara é apenas um instrumento de registo de ações, existindo outros no seu trabalho, tais como a poesia, vídeo, impressões têxteis, o bordado e o crochê que se relacionam com a performance. Descreve todos estes elementos como documentos que partem de impulsos da experiência pessoal. Não necessariamente quererá dizer-se uma produção artística identitária como as convencionalidades do contexto artístico vem estereotipando, mas que parte de olhar o mundo, questioná-lo. Contrariá-lo em algumas das camadas mais densas presentes nas convivências inter-pessoais da academia, que fazem do experimental que celine sempre prezou, e portanto do seu trabalho, inadequado, infantil. Da mesma construção, o patriarcado que faz do nu objeto de prazer sexual do outro. É sempre sobre mais do que acaba também por ser.
Não será também a convivência e a noção do que é definido universal que nos permitem criar as nossas próprias linguagens?
Um processo criativo ritualístico de repetição vivenciado na natureza enquanto espaço físico de ligação com as rochas, algas, reflexos de luz sobre a água, e subjetivo de linguagem e pertencimento. A natureza, com toda a sensibilidade existente na sua pele, nos poros, pelos, cabelo, umbigo, cabeça, tronco, membros e na pupila dilatada pela fotografia, tornando-se arte aquilo que partilha das respostas que não procura, mas vai recebendo ao longo do seu processo de produção. Indo cada vez mais fundo sobre questões que, por vezes, tenta omitir a si mesme.
A natureza espelho do seu corpo cria um mundo de possibilidades em que celine s diaz se apresenta observadore e observade, abrindo caminhos a quem tem contacto com o seu trabalho.
Sobre a Ternura l foi a primeira exposição individual que aconteceu entre maio e junho do presente ano, na Galeria da Estação em Braga. Vem apresentando o seu trabalho em espaços como a Galeria Neorotitan, em Berlim (2022), em Leipzig (2020), Mältinranta Art Centre, em Tampete, Finlândia (2022), e NARA em Boyacá (2022), como é possível ver navegando no seu site no cargo collective.
Da série Palpating Landscape (2021). © celine s diaz
Desenvolveu o projeto “Palpating Landscape (2022) na revista académica Reserch in Arts and Education, em co-autoria, sobre como desenvolver afetividade para com o solo, usando como inspiração um ritual pessoal de caminhadas descalças de 4-5 horas pela costa na zona de Mafra, Portugal. O projeto usa o mapeamento sensorial como base do artigo académico” explica no seu Portfólio.
Todas estas intervenções de celine s diaz envolvem-se também em workshops com crianças e adultos, de pintura com plantas, artesanato e outras vertentes e suportes que permitam uma expressão de forma mais autêntica.
Não será esse público, heterogéneo, símbolo da universalidade?
Todos estes são trabalhos e palavras de um registo do momento em que celine s diaz se encontra ou encontrou porque é “água que camina”.
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Filipa Bossuet
Filipa Bossuet é o culminar do interesse pelas artes, jornalismo e tudo o que me faz sentir viva. Nasci em 1998, sou uma mulher do norte com memórias do tempo em Lisboa. Guiada pela sede de informação e pesquisa autónoma licenciei-me em Ciências da Comunicação e penso também sobre as influências dos estudos de mestrado em Migrações, Inter-Etnicidades e Transnacionalismo, criando um diálogo e questionamento entre os campos do saber. Colaborei como jornalista estagiária no Gerador, uma plataforma independente de jornalismo, cultura e educação, e no Afrolink, uma rede online que junta profissionais africanos e afrodescendentes residentes em Portugal. Utilizo performance, pintura, fotografia e vídeo experimental para retratar processos identitários, negritude, memória e cura. O meu trabalho transdisciplinar tem sido apresentado em espaços como a Bienal de Cerveira, Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), Teatro do Bairro Alto, Festival Iminente e o Festival Alkantara.