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ISABEL MADUREIRA ANDRADE

LIZ VAHIA


23-11-2017

 

Isabel Madureira Andrade (n. 1991) é natural dos Açores. A sua formação foi feita na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e desde 2014 tem vindo a participar regularmente em diversas exposições coletivas. Neste momento podemos ainda visitar a sua segunda exposição individual, intitulada ‘‘Indícios’’, na Fundação Portuguesa das Comunicações, em parceria com a Galeria Bessa Pereira. A Artecapital conversou com a artista no seu atelier a propósito desta exposição, sobre as técnicas e métodos de trabalho que usa, sobre as obras mais recentes na sua ainda muito jovem carreira.


Por Liz Vahia



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LV: Imagino que quem vê os teus trabalhos pela primeira vez se interrogue sempre sobre a técnica usada. No texto de sala da exposição que tens patente neste momento, na Fundação Portuguesa das Comunicações, falas dos “objectos comuns como matrizes mediadoras da produção de imagens”.

IMA: Eu trabalho a partir da apropriação de algo que me é exterior, mais concretamente, a partir de objetos e das suas formas. Para mim não há propriamente uma técnica só, uso uma mistura de materiais e procedimentos.
Num contexto processual, sinto uma necessidade de ‘‘ordem’’ ou de estrutura primeira segundo a qual atuar, isto é, ‘‘algo’’ de onde começar, o que me leva à escolha e incorporação desses objetos na prática de atelier pois funcionam como matrizes mediadoras na produção de imagens, de um modo semelhante àquele utilizado em processos de gravura, por exemplo. Também uso frequentemente máscaras de fita adesiva de papel para bloquear a passagem de tinta em determinadas áreas do suporte e que no fundo delimitam um campo a partir do qual irei trabalhar, tal como as matrizes, e isso para mim é importante. Interessa-me depois o imprevisto e todo o descobrir da imagem durante o ‘‘fazer’’e que se estende para lá daquela estrutura inicial.


LV: Fazes muitas experimentações com estes objectos antes de chegares ao resultado final que te interessa?

IMA: Sim, muitas. O trabalho que está na exposição vem quase todo de uma série de 2017,resultante de um percurso que começou com os objectos em 2015 e que implicou muitas experimentações com diversos papéis, com gesso, com óleo. Gosto muito do óleo e das mutações que permite, da sua plasticidade, embora reconheça que as imagens finais podem sugerir, por vezes, algo bastante claro e moderado. Há todo um processo de falhas, que não são realmente falhas, antes formas de experimentação e isso é a parte que me entusiasma. É falhar, ver o que é que vai acontecer. Há uma dimensão de curiosidade, de muitas vezes poderem ocorrer reacções sobre o suporte que eu não esperava.


LV: Interessa-te chegar a uma imagem completamente limpa e potencialmente infinita? Partes um objecto que é uma coisa delimitada, física, mas depois a imagem que crias a partir desse objecto é uma coisa que se podia expandir e continuar. É esse o teu objectivo?

IMA: Nalguns casos, sim. Em certos trabalhos, há de facto uma expansão que resulta da simulação de uma ou de várias matrizes em conjunto, o que me permite criar sobre o papel áreas de aspeto uniforme constituídas por formas que se duplicam e que sugerem uma continuidade. Por isso, a meu ver, apesar de ser delimitada, a imagem não fica fechada pois há um ritmo visual que se propaga. Interessa-me que o resultado final dê lugar a essa sensação de abertura que penso fundamental na experiência de contemplação que a obra estabelece com o observador. 

 

LV: E a tua escolha de padrões geométricos, repetitivos, é por alguma razão?

IMA: Não tenho nenhuma razão objectiva que possa apontar. Comecei por adquirir estes objectos como podia ter adquirido outros que não tivessem padrões, mas estes chamaram-me a atenção, dão-me um certo prazer ao olhar. Existe algo que me fascina em conseguir prever como é que um certo ritmo se vai desenvolver. Portanto sei que esta minha propensão para formas e estruturas de ordem repetitiva reflete uma das muitas escolhas intuitivas que caracterizam grande parte do meu processo criativo. Mas no fundo posso apenas dizer que essa escolha é uma questão fundamentalmente... não verbal! Curiosamente, reconheço que os padrões estão presentes em muitas situações do dia-a-dia, quer seja no meio quotidiano a que remetem os objetos por mim apropriados, na Natureza ou nos modos que usamos para nos organizar através de ritmos como o relógio e o calendário, por exemplo.


LV: E estes objectos, vais procurá-los especificamente para os trabalhos, ou são coisas que encontras?

IMA: Alguns são procurados e outros são encontrados. Em 2015comecei por adquirir alguns objectos e queria só experimentar se era possível traduzir a sua forma numa imagem bidimensional ou, mais concretamente, qual era o desenho que deles podia obter. Às vezes ando na rua e começo a imaginar os desenhos ‘‘possíveis’’ou contidos naquilo que me rodeia. É uma questão de curiosidade. Mas desde o início do meu percurso no âmbito da pintura e do desenho sempre recorri ao gesto de apropriação como resposta ao desejo de partir de ‘‘algo’’ pré-existente como fotografias ou modelos vivos a partir dos quais trabalhar. A única diferença é que atualmente esse princípio estendeu-se a objetos tridimensionais.

 

LV: Provavelmente há uma tendência para as pessoas tentarem descobrir que tipo de objecto é que é aquele que esteve ali literalmente por baixo.

IMA: Já tive oportunidade de ouvir diversas observações e realmente algumas pessoas reconhecem ali algo que lhes parece familiar. Interessa-me essa questão da reinterpretação daquilo que nos é familiar, de coisas que nos podem passar no dia-a-dia despercebidas pelo seu valor apenas utilitário, por exemplo. Basicamente, uma parte do meu trabalho abrange uma reconsideração dos sentidos habituais atribuídos ao meio físico envolvente, justamente pela possibilidade de criação de um ‘‘novo pensamento’’ para um determinado objeto. Quase que numa reorganização do modo como o ‘‘real’’ é concebido ao reinterpretá-lo por via do desenho e da pintura. Penso que o próprio mundo físico onde me encontro se pode ligar e cooperar com o mundo interior do subconsciente. A união desses dois universos para mim é muito natural, não são coisas afastadas.


LV: O título desta exposição que tens agora é "Indícios", palavra que para mim quer dizer qualquer coisa que te dá pistas sobre outra coisa. Mas não sei se aqui é propriamente sobre estes objectos.

IMA: Certo, os ‘indícios’’ estabelecem o seu significado através da relação física com os seus referentes. No caso dos trabalhos expostos na Fundação Portuguesa das Comunicações, a ideia de "indício" surge da conexão entre um referente e um produto. Os trabalhos patentes são indícios de objectos, são desenhos e pinturas como indícios de matrizes ‘‘ausentes’’. Mas, num sentido mais vasto, são também indícios do próprio gesto de desenhar, do gesto de pintar, do óleo, de ritmos.


LV: Falavas há pouco da relação do teu trabalho com a gravura, apesar de não usares prensas.

IMA: Penso que, começando por utilizar uma matriz, à partida estou já a remeter para questões básicas do processo da gravura. Estou ciente disto e reconheço que esta ligação pode ser estabelecida por via dessa minha decisão técnica, embora não utilize uma prensa. Portanto, diria que as semelhanças entre as minhas imagens feitas à mão e a gravura residem maioritariamente num momento de ‘’revelação’’ visual proporcionado por um elemento matricial. Isto porque, no meu processo de trabalho, tudo nasce da necessidade de descobrir o que é que acontece plasticamente quando junto e manipulo os materiais, muito simplesmente. Eu aproprio-me destes objetos e experimento o seu carácter ‘’positivo’’. Com eles, parto de algo que me é exterior, e se me retribuírem um desenho ou uma pintura, isso é um fator de surpresa para mim. Portanto, quero sempre ver o que é que acontece se juntar esta tinta, esta matriz e este suporte, e aí há um momento de revelação que pode ser feliz ou não. E a gravura acho que tem muito essa característica de revelação no processo, por exemplo, ao separar-se o papel da respetiva matriz para ver o que aconteceu.


LV: Algumas das imagens parecem resultantes de um processo semelhante à fotografia, como quando deixas um objecto sobre qualquer coisa e o sol incide durante x dias, ficando lá a marca desse objecto.

IMA: Sim, o processo de que falas é o fotograma que é produzido pela colocação de objetos sobre papel foto-sensível, pela exposição do conjunto à luz e depois, pela revelação do resultado: a imagem criada deste modo é a de sombras de objetos ausentes. Identicamente, os trabalhos que tenho vindo a produzir em atelier lidam com o registo da marca física de objetos por contacto direto sobre uma superfície. De facto, a fotografia pode ser pensada como paradigma do ‘‘indício’’ - também na imagem fotográfica existe uma matriz que é um negativo ou, no caso da fotografia digital, uma dada realidade física e temporal.


LV: O que é que fazes com essas experiências todas que não satisfazem os teus objectivos? Deitas fora, reutilizas, cortas...?

IMA: Eu tenho capas que só têm "sobras". Houve um tempo em que deitava tudo fora. Agora algumas dessas experiências eu guardo durante algum tempo e depois revisito-as e tenho um outro olhar sobre elas (às vezes não!). Raramente volto a trabalhar sobre elas, mas pode dar-se o caso de vê-las de outro modo, posso até assumi-las como finais. Aliás, nesta exposição há dois trabalhos que estiveram desde 2015 fechados em capas porque eu não gostava deles, mas depois voltei a vê-los e fiquei feliz por não me ter desfeito deles, porque faziam sentido com o trabalho que eu estava a fazer agora em 2017. Procuro não deitar as coisas fora porque sei que podem ter um valor diferente consoante as minhas experiências num dado intervalo de tempo.


LV: Projectos seguintes?

IMA: Eu não tenho “um” projecto. Eu venho sempre para o atelier com a vontade de fazer e descobrir e tenho sempre um caderno para as minhas muitas ideias a realizar, pois muitas das intuições para os trabalhos surgem quando estou fora do atelier. Esse é o meu projecto: desenhar sempre que puder, experimentar sempre que puder, vir para o estúdio, ligar-me aos sentidos (táctil, visual,...), ao sentido do fazer manual que é muito importante para mim. Depois as séries e os "projectos" ganham corpo associados ao factor tempo.