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OPINIÃO


Tehching Hsieh, “One Year Performance”, 1978 – 1979


Tehching Hsieh, “One Year Performance”, 1980 – 1981


Tehching Hsieh, “One Year Performance (Outdoor Piece)”, 1981 – 1982


Tehching Hsieh, “One Year Performance (Art-Life)”, 1983 – 1984


Tehching Hsieh, “One Year Performance”, 1985 - 1986


Tehching Hsieh, “Earth”, 1986 – 1999

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PATRIMÓNIO CULTURAL E OS MUSEUS: VISÃO ESTRATÉGICA | PARTE 2: O PRESENTE/FUTURO

LUÍS RAPOSO

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FILMES DE ARTISTA: O ESPECTRO DA NARRATIVA ENTRE O CINEMA E A GALERIA.

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UM PARQUE DE DIVERSÕES EM PARIS RELEMBRA UM CONTO DE FADAS CLÁSSICO

Martim Enes Dias

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MARIA LIND

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2014-04-15
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Aimee Lin

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DE QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE TEHCHING HSIEH? *



EMANUEL CAMEIRA

2009-04-15




Mas quem foi que lhe disse que a arte devia ser vida?
Esta noite improvisa-se de Luigi Pirandello

Ainda desconhecidas para alguns, as performances de Tehching Hsieh (Taiwan, 1950) medem-se literalmente por anos. TambĂ©m por isso sĂŁo marcos numa linguagem artĂ­stica em aberto desde a dĂ©cada de 60 do passado sĂ©culo, quando outro era jĂĄ o registo, mais voltado para uma desmaterialização do objecto, refazendo o entendimento formalista sobretudo ao querer privilegiar na obra de arte aspectos de conceito e de processo e, como tĂŁo bem notou Lucy Lippard (1), concebendo-a em termos efĂ©meros, interdisciplinares, na directa interacção com o pĂșblico e prĂłxima do quotidiano. Mas explicar o recente interesse curatorial e acadĂ©mico pelo trabalho de Hsieh implica contudo situĂĄ-lo primeiro entre uma teia de circunstĂąncias onde constam a crescente atenção ocidental a artistas asiĂĄticos (muitos da diĂĄspora europeia e norte-americana), o actual peso dos estudos performativos no quadro da teoria cultural ou mesmo a emergĂȘncia de projectos expositivos baseados na reconstituição de performances histĂłricas.

Corria o ano de 1974 e Hsieh desembarcava ilegalmente num pequeno porto de FiladĂ©lfia. Essa condição de outsider, de imigrante ilegal, constitui aliĂĄs algo com que lidarĂĄ atĂ© Ă  amnistia de 1988, decorria a derradeira das suas seis performances, quase todas acontecidas na vibrante cena nova-iorquina. E sob que forma? Sempre a excessiva presença do corpo preso a situaçÔes-limite, de intenso desgaste fĂ­sico e mental: vemo-lo enjaulado no atelier e impedido de qualquer tipo de estĂ­mulo (2), contacto material ou humano (pedia-se inclusive o silĂȘncio da audiĂȘncia nas poucas vezes que a houve), picando o ponto hora a hora, na pele de sem-abrigo, amarrado a Linda Montano pese embora nunca lhe podendo tocar, recusando fruir de actividades de cariz artĂ­stico. Obras portanto singularĂ­ssimas, as “one year performances”, nelas se intensificaram as ligaçÔes da arte com a vida mediante o recurso a uma longa e metafĂłrica duração anual. Diz o artista:

One year is the largest single unit of how we count time. It takes the earth a year to move around the sun. Three years, four years is something else. It is about being human, how we explain time, how we measure our existence. A century is another mark, which is how the last piece was created. (3)

De facto, “Earth” Ă© diferente. A 31 de Dezembro de 1986 Tehching Hsieh nada revela do conteĂșdo da performance. A arte que produzirĂĄ apenas serĂĄ descrita no fim, treze anos depois. Quem esteve na Judson Church de Manhattan e entĂŁo assistiu ao anĂșncio, “I kept myself alive. I passed the Dec 31, 1999”, pĂŽde testemunhar a desconstrução dessa espĂ©cie de ontologia da performance associada grosso modo Ă  ideia de acontecimento momentĂąneo e nĂŁo tanto Ă  experiĂȘncia vivida extensamente no tempo. A absoluta diluição da arte na vida, aqui flagrante, mostra uma radicalidade que concretiza o tal princĂ­pio de Allan Kaprow segundo o qual the line between art and life should be kept as fluid, and perhaps indistinct, as possible (4). Ora, destituĂ­da de parĂąmetros palpĂĄveis, a obra estĂĄ na vida de Hsieh. Transfiguração da vida porque no plano da arte ou desmistificação desta por via das contingĂȘncias do dia a dia (lembre-se a ocasiĂŁo em que adormece e deixa de picar o ponto ou a rixa de rua que o força a entrar num espaço coberto, a esquadra), parecem surgir enquanto possĂ­veis rotas de sentido.

Julgo ter sido Jacinto Lageira a afirmar a necessidade de na performance reconhecer a integração das componentes fĂ­sica, sensĂ­vel da acção, e formal, do intelecto. Verdade Ă© que sem sujeito para a viver a forma nĂŁo ganharia existĂȘncia. PorĂ©m, o performer pensa emergido na especificidade de um corpo jĂĄ vivido, material pensante, dotado de histĂłria. Parte do fascĂ­nio de Tehching Hsieh provĂ©m daĂ­:

His destination: Manhattan, center of the art world. Once there, though, Hsieh found himself ensnared in the benumbing life on an illegal immigrant. He eked out a living at chinese restaurants and construction jobs, feeling alien, alienated and creatively barren until it came to him: he could turn his isolation into art. Inside an unfinished loft, he could build himself a beautiful cage, shave his head, stencil his name onto a uniform and lock himself away from a year. (5)

Na performance, a obra encontra-se na imanĂȘncia da encarnação. HĂĄ um sujeito que vejo e me interpela acerca de variados traços da vida individual e social, privacidade, trabalho, liberdade, alteridade. Hsieh estabelece pois com a arte uma nova e visceral vinculação, submetida a sua corporalidade Ă  pura passagem do tempo, a um duradouro e repetitivo conjunto de tarefas e constrangimentos.

Tehching Hsieh parou de criar a partir de 31 de Dezembro de 1999. Alexandra Munroe, curadora sénior de arte asiåtica no museu Solomon R. Guggenheim arrisca a seguinte interpretação:

maybe he was a man choosing art as a tool to demonstrate a certain philosophical set of conditions, and it served his purpose, so he doesn’t need it anymore. I think he’s bigger than art on some level. I think – I’ll be really extreme here – that he killed art so he could transcend it. (6)

AtĂ© dia 18 de Maio uma rĂ©plica da jaula construĂ­da no Ăąmbito da primeira “one year performance” pode ser vista no MoMA. Um mĂȘs antes termina no Solomon R. Guggenheim a exposição “The third mind: american artists contemplate Ásia, 1860-1989”, que documenta a segunda das performances.


Emanuel Cameira


NOTAS

* TĂ­tulo adaptado de De que falamos quando falamos de performance, revista Marte, nÂș 3, edição da Associação de Estudantes da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2008.
(1) Lippard, Lucy R. (1997), Six years: the dematerialization of the art object from 1966 to 1972, California, University of California Press.
(2) Exceptuando a alimentação que diariamente lhe era levada por um amigo.
(3) Retirado da entrevista a Hsieh disponĂ­vel em www.thebrooklynrail.org/arts/sept03/tehchinghsieh.html
(4) In Harrison, Charles e Wood, Paul (eds.) (2003), Art in Theory 1900-2000 – an anthology of changing ideas, Oxford, Blackwell Publishing, p. 720.
(5) Sontag, Deborah (2009), “The art of pushing the boundaries of life”, in International Herald Tribune, 27 de Fevereiro, disponível em www.iht.com/articles/2009/02/27/arts/artist.php
(6) Sontag, Deborah (2009), idem.