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Depois de um séc. XIX predominantemente francês, de um séc. XX sob o signo da coca-cola, a China, o tão falado monstro económico, prepara-se para nos achinesar como uma invasão de baratas.

Já no piso baixo do museu Cobra, Museum voor moderne kunst, mostram-se em pequenos quadros os alinhavos de certas linhas mestras da arte chinesa contemporânea. Os restos de Mao-Tse-Tung são chamados de “Thing” por Zeng Tu, e Hong Hao impõe uma “New World Order”, onde quase toda a Europa se chama Moçambique, a China se torna dividida em países como os E.U.A. ou Portugal; São Marino e Andorra são agora o novo Canadá e a Antártida compõe-se de cidades-estado como Nova Iorque ou Londres. Será isto um prenúncio?

Na sala de cima descobrimos que a arte é a vida de todos os dias de uma cidade como Pequim, projectando-se nos testos de um tacho onde um cozinheiro prepara um refogado. Os seus ritmos repetem-se gradualmente em imagens desmultiplicadas nas paredes. A arte afinal não é para as massas, ela é as massas. E assim não sendo, como se explicaria então o realismo artístico imposto desde a Revolução Cultural de 1966? Simplesmente agora, há uma ironia suave que surge de dentro das artes do povo. Muitas das figuras de mulheres representadas continuam lutando invencíveis para sempre nas suas fardas apertadas mas, elas agora são tão felizes como operárias, que são também bailarinas. O punho erguido de um trabalhador chinês é a própria convicção que suplanta as formas de um corpo asiático para ser mais forte que o mais bravo dos vikings.

Uma ironia suave…ou os efeitos da censura? Os sinais da oposição exprimem-se num ritmo equivalente ao carácter milenar desta civilização; como formigas que picam ao de leve, até alastrar uma vasta imensidão. Trata-se de uma oposição em primeiro lugar inócua, tal qual uma enorme fotografia da exposição, onde insectos voam entre montes e vales, mas que de perto são rabos alçados. Depois como insectos que vagueiam entre caras, cabelos e restos de carne de pessoas comuns, cujas patas são coleccionadas como símbolo tradicional de longevidade, incomodando quem os sente e olha. E no final, como um vídeo de outro artista registando o movimento de um esforço milimétrico: as formigas devoram tudo quando já não há resistência, nem o controle da última estátua do regime. Aqui e ali, vemos fotos de fábricas e salas de comícios sindicais abandonados às brumas do esquecimento. As fotos das próprias pessoas são cinzas queimadas na praia, onde nem os ossos restam e o pó evapora-se.

Este exercício de paciência chama-se China, que não é mais que a própria natureza na sua dimensão em períodos longos. Depois dos dias finais da decadência, uma nova vida se anuncia. Ao lado do monumento dos Heróis do Povo, um bebé enorme caminha anunciando prosperidade. A prosperidade do consumo, do cruzar dos mundos onde a maioria dos produtos são Made in China. Não é por acaso, que em estilo de veneração, bonés, botas ou telemóveis se apresentam em material de louça sanitária. Outro tipo de prosperidade cujo o futuro se faz acompanhar de uma velocidade arrepiante, arrastando um bilião de chineses que correm nus pelas ruas das grandes metrópoles com a mesma determinação da sua paciência. Uma liberdade frenética que como tudo também terá o seu fim. Até ao momento de caírem do céu pessoas, umas atrás das outras, em vez de gotas de chuva.

É, exactamente aqui, que temos que entender a cultura de um povo. Mesmo que a morte seja massiva, que só haja lodo em nosso redor, tudo renasce e prospera. Por isto, o denominador comum da sua arte é uma pintura de uma mulher e de um rapaz, feitos de loiça, que parecem, por fora, a tudo resistir. Mas que ao próximo milímetro de esforço poderão estalar pela pressão das suas quase lágrimas e do seu ténue sangue aguado. E se estalarem…o mundo não acabará por aqui.

Eis uma resenha de uma exposição colectiva patente em Amstelveen, cidade subúrbio de Amesterdão, até 27 de Janeiro de 2008 com obras de artistas como Zhang Bin, Song Dong, Wang Guangyu, Yang Shaobin, Chi Peng, Zhang Dali, Zhang Xiaogang, Zhang Huan, etc.


Nuno Lourenço