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O ESTADO DA ARTE


Pavilhão britânico na 59ª Bienal de Veneza, com instalação de Sonia Boyce; nas telas, as artistas Errollyn Wallen, Tanita Tikaram, Poppy Ajudha e Jacqui Dankwort. © Cristiano Corte/British Council

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…. e esse benefício é real, porque nós sofremos os alargamentos, e,
uma vez franqueadas as fronteiras, nunca mais voltamos de facto a 
ser os miseráveis pedantes que éramos.
 — Emerson

 

 

A 59.ª Bienal de Arte de Veneza chegou ao fim em 27 de novembro: o que não impede, nem por um instante sequer, de não me conformar nem esquecer, a forma como nos deixámos perverter com a distorcida escolha da representação de Portugal na bienal. É preciso não esquecer como foi perverso todo o processo de decisão do concurso para escolha do projecto que representou Portugal na bienal de arte que agora encerrou - para que não se repita (e para que se registe em arquivo digital): — A decisão do concurso foi um golpe patriarcal de natureza misógina e provavelmente racista, de um dos jurados - uma combinação eficaz de dominação masculina, branca e viril, exercida sobre os restantes interlocutores [que participaram do concurso, candidatos e jurados]. O projecto masculino vencedor foi-nos construído uma vez mais, por um espírito ardiloso, para que não se desaprenda o status-quo de uma sociedade patriarcal, feliz e bem-aventurada - com a cumplicidade do ministério da cultura, da DGArtes e do envergonhado sistema artístico representado pela AICA (que intervém sempre - uma providência milagrosa e omnipotente -, nestes momentos, em que as visões tóxicas distorcidas são ameaçadas e encostadas à parede, em auxílio, para as salvar). E nós conformamos-nos. 

Para ser franco, não há nada de errado com o artista Pedro Neves Marques que representou Portugal em Veneza: Em termos de relevância para a arte, a ideia de artista ‘não binário’, retratando seres que celebram a autoexpressão e contestam as normas binárias tradicionais é aberta e bem-intencionada, uma boa realidade…. Mas, a tentação obsessiva / ostensiva, se quisermos, de manipular-se a nomeação de certos artistas em detrimento de outros, em boa verdade, com a intenção de perpetuar estereótipos de natureza tóxica, não é!

Se está implícito que a fluidez de género e sexual resultante de uma identidade de género que não é estritamente ‘masculina’ ou ‘feminina’, e a liberdade de expressá-la, é um antídoto para a ‘masculinidade tóxica’, e se era esta a mensagem do projecto que representou Portugal [de uma perspectiva virtuosa dos dois curadores, João Mourão e Luís Silva], sei, tenho que está claro, que o artista + os dois curadores andaram de mãos dadas com a mesma mentalidade masculina que negavam e a que se opunham (de resto, deixou entrever uma verdadeira ironia: o jurado decisivo, de uma certa forma, lançou uma dúvida sobre a credibilidade do projecto, sobre deixar-se prender indirectamente por processos de preconceito sexual e estereótipos de homem branco).

Pois bem, dito de outro modo: não é, então, verdade que a nomeação da representação portuguesa à Bienal de Veneza assentou na perversidade e na astúcia - entre um homem branco do júri [Nuno Crespo] empenhado em introduzi-la em Veneza e os nomeados, como manda a lei da correspondência, pois como sabemos, também as correspondências se cumprem em paralelo e gravitam em torno de um centro comum. — Abrindo uma verdadeira passagem subterrânea (no mundo dos favores concedidos, ou seja, no reino dos interesses) que a conduzisse a Veneza, ainda que mantendo uma insondável distância entre si?! E que melhor recompensa pode uma candidatura obter de terceiros do que a amizade, amor que os vincula à sua pessoa, ao mesmo tempo que a liberta da concorrência e valor das outras candidaturas?! (Há que tratar com clareza no que diz respeito ao nome da personagem ardilosa que interveio em todo o desenrolar da história, ao longo da escolha do representante português à Bienal de Arte de Veneza 22.)

Para dizer a verdade, nem haveria que traçar qualquer correspondência, porquanto a analogia se impõe por si mesma: em tese esta foi a mensagem que acabou por revelar-se da 59.ªBienal de Arte de Veneza: a representação portuguesa apresentada através do filtro de ideias progressistas que dizem defender a fluidez de género e sexual, paradoxalmente andou de mãos dadas com um comportamento na mesma linha da sociedade patriarcal - embora eles próprios (artista + dupla de curadores) possam ter, mais do que uma vez, se oposto a ela - a que se opõe, se pensarmos no auxílio decisivo que um membro masculino do júri concedeu à candidatura, um gesto que decerto alimentou a virilidade do referido jurado, valendo-se o artista dela sem reserva, sim. (Uma ideia familiar no nosso país). Foi evidente, na altura, que o que se escondia atrás da decisão do concurso para escolha do projecto que representou Portugal na bienal 2022, se resumia a pura misoginia - masculinidade tóxica, no que parece ser uma espécie de doença, e ao desejo ardente de reverência para com a virilidade e a amizade, como aliás sempre parece acontecer, estarmos todas as vezes a restaurar a nossa primitiva natureza patriarcal. (Imagem preocupante de uma visão do mundo desatualizada.)

Ao que tudo indica, a qualidade dos projectos não foi a derradeira razão que determinou a avaliação do referido jurado [Nuno Crespo]: uma nova variante se levantou, sob uma nova fórmula - a fórmula da “virilidade que empodera/concede”, que este, não se tivesse, de facto, limitado aos critérios estabelecidos no concurso. O que não é muito diferente de dizer — Tratou-se, em boa verdade, de interesse e amizade, de muito interesse na amizade. E o que aconteceu, é triste de dizer, mas Nuno teve o que queria, pela virilidade e pelas artimanhas. 

Quanto ao que resta por narrar, tenho de concluir que o sentido da história, o ponto de vista da virilidade masculina, trouxe-me à memória, “O Banquete”, de Platão, uma série de diálogos escritos por volta de 416 a.Cc, sobre o conceito e a natureza do ‘amor, amizade’.

Efectivamente, dá-me ideia de que o universo da arte não pressente, nem de longe, qual seja o poder da ideia platónica do amor, dos frutos do amor. (Na realidade, grande parte dessa dificuldade decorre do próprio serviço de desinformação criado pelo Sistema de arte instituído.)

Devo referir que o que aqui se revelará de filosófico de agora em diante trata, pois, de um banquete na casa de Agatão, poeta trágico ateniense… onde Sócrates é o mais importante entre os oradores presentes. Segue a evolução de uma teoria platónica do amor. Entre outras personagens, também ali se encontra Aristófanes, dramaturgo grego, considerado o maior representante da comédia antiga - que descreve a mais original definição da origem do amor (heterossexual e homossexual masculino e feminino), e com ela inicia-nos no mistério do seu poder: — Aristófanes, no seu discurso, faz de imediato uma denúncia da insensibilidade dos homens para com o poder miraculoso de Eros. Para conhecer esse poder, refere que, antes de mais, importa conhecer a natureza humana e as suas mutações. Dito isto, passa a narrar o mito da nossa unidade primitiva e posterior mutilação: Aristófanes:

 […]. Cada um de nós não passa, pois, de uma téssera humana, divididos, como estamos, em metades, à semelhança dos linguados, e é a sua própria metade, ou téssera, que cada um infatigavelmente procura. Em consequência, todos os homens que resultam do corte de um ser misto (o mesmo que em tempos era chamado andrógino) só gostam de mulheres. É deste género que descende a maior parte dos adúlteros, bem como todas as mulheres que gostam de homens — sem esquecer as adúlteras! Por outro lado, todas as mulheres que resultam do corte de um ser feminino não ligam praticamente aos homens e voltam-se de preferência para as mulheres: e aí estão as “comadrinhas” a ilustrar a descendência do género…Finalmente, todos os que resultam do corte de um ser masculino só andam atrás de homens, e mesmo de pequenos, como pequenas postas que são de um ser viril, revelam o seu fraco por homens e comprazem-se em estarem deitados a seu lado, abraçados a eles…
E eis justamente os adolescentes e os rapazes de maior valor, os que possuem, cem por cento, uma natureza viril!
 “O Banquete”, Platão, Edições 70, pg.54

Não se fica por aqui, Aristófanes, e este discurso minucioso prossegue por mais páginas do “Banquete” que Platão escreveu: […]. Em suma, um indivíduo desta espécie vem a dar um amante ou um amigo de homens, afeiçoado, como é sempre, ao que tem a mesma origem que ele.
Ora bem, sempre que um amante (um amante em sentido lato e não apenas o amante de jovens!) encontra essa mesma metade que lhe pertence, eis que de súbito os assalta uma estranha impressão de amizade, de parentesco*, de amor, enfim; e a tal ponto que já não aceitam, por assim dizer, separarem-se um instante que seja! Esses são justamente os que permanecem juntos durante toda a sua vida — muito embora não soubessem sequer dizer-vos o que esperam, em concreto, um do outro…Não passa decerto pela cabeça de ninguém que seja meramente a união dos sentidos a causa do seu afã e do prazer que sentem em estar juntos; visivelmente, é a alma de cada um que aspira a algo mais, algo que ela não sabe exprimir mas que advinha e deixa discretamente insinuar-se… 
Noutra passagem do discurso prossegue: E qual a origem deste anseio? Precisamente, como vimos, o facto de que a nossa primitiva natureza assim era e nós constituíamos então um todo. Ora, é essa aspiração ao todo, essa busca incessante, que tem o nome de amor. […]. E não se ponha Erixímaco a troçar das minhas palavras, com esses ares de entendido, a supor que é de Ágaton e de Pausânias que estou a falar: até porque bem pode dar-se o caso de pertencerem eles a esse número e possuírem ambos uma natureza viril… Mas não, o que afirmo tem antes a ver com a humanidade inteira, homens e mulheres! A nossa espécie só pode alcançar a felicidade quando cada um realizar em plenitude as suas aspirações amorosas e encontrar o favorito que lhe é próprio, de modo a restaurar a nossa primitiva natureza. E se este é o supremo bem, necessariamente o que há de melhor no mundo actual é o que dele mais se aproxima, quero dizer: acertar com um favorito talhado ao nosso feitio. E eis por que, ao celebrar um deus, será de toda a justiça celebrarmos o Amor: não só é ele quem, no presente, nos concede os maiores benefícios como alimenta, quanto ao futuro, as nossas esperanças mais caras. (pf.55-56 e 57)

Eis justamente por que, o jurado Nuno Crespo, foi impelido a encontrar o favorito que lhe é próprio, a realizar em plenitude a sua aspiração de identificar-se o mais possível ao projecto “Vampires in Space” - afeiçoado, como é sempre, ao que tem a mesma origem que ele. Um ‘fascínio’ exercido por encontrar essa mesma metade que lhe pertence, que lhe é semelhante. Nuno foi impelido a louvar a amizade e o amor, entre machos, enfim, a favorecer uma ‘natureza viril’ de maior valor. (Vampiros?!)

[Esclareço que para algumas interpretações do Banquete, o conceito de amor em Platão é irracional e explicado pela natureza - no seu significado de disposição inata.]

É indisfarçável, ainda, que o Sistema tudo fez, de facto, para camuflar e encobrir semelhantes circunstâncias: o que significa que ninguém ousou referir - nem que fosse um leve e imperceptível murmúrio - sobre o bem como o mal que o amor e cultivar a amizade causa. De resto, até assisti a um ‘abaixo assinado’ da AICA, como Nuno Crespo se havia saído bem.

Em suma: — Claro que entendo ter sido um “abaixo assinado” [AICA], cem por cento, de natureza sistémica, a favor do pedantismo, da virilidade e provavelmente do sentimento provavelmente racista de Nuno Crespo, para se adaptar aos seus interesses! Sempre que há uma crítica legítima, os influentes do universo da arte recorrem a alegações alarmistas sobre a perda da liberdade de expressão e o eliminar da opinião. Mas a dependência repetitiva do Sistema em cooptação e violação para ‘descolonizar’ ou educar o público sobre as injustiças – e depois contorcendo-se como santos afrontados quando o óbvio é apontado – é um ciclo de farsa. — Claro que saiu bem da prova, o macho Nuno Crespo. — O que significa que jamais fomos contemporâneos. — O que não é propriamente lisonjeador para a arte!

 

(O sentimento de ética é um sentido diário — uma escolha de vida. Não é um texto de carácter expositivo-argumentativo [abaixo-assinado] em que um determinado grupo reivindica com urgência a resolução de um problema.)

 

Antes de terminar, notar que houve uma linha que sobressaiu com particular nitidez: — O Ministério da Cultura e a DGArtes com o seu silêncio cúmplice - uma velha medida de apaziguamento - trataram hipocritamente a Grada Kilomba, demonstrando o ministério ser tudo menos um verdadeiro ministério da cultura. Conservador e exibindo uma humilde ignorância e constrangimento, incapaz de pensar arte e cultura contemporânea, foi um ministério vazio, isolado e incapaz de reagir em toda esta história veneziana. Este silêncio realmente precisa de ser visto através de uma lente de rigor:

‘Vergonha’ como o ministério da cultura se exonerou e racionalizou as suas ações remetendo a sua opinião/ decisão final para um parecer jurídico. Alegando que todo este episódio decadente de misoginia, motivações e interesses pessoais, falta de cultura ética, preconceito sexual e racial, atitudes provavelmente racistas, etc, era exclusivamente de natureza jurídica. Mas a forma vil e insidiosa como a Grada Kilomba foi maltratada - por tudo o que a Grada é e por tudo o que a Grada significa, foi uma vilania - e desqualificada propositadamente/ deliberadamente por um membro do júri da seleção portuguesa ligada à Bienal de Veneza 2022 (que referiu objectivamente que, “ser uma artista feminina ‘negra’ não tinha nada de ambicioso e intrigante; a sua voz simplesmente repete-se, não significa nada de novo”), com a condescendência do sistema da arte e cultura, esta vilania, abre também uma outra reflexão - sobre demasiada ignorância e/ou conservadorismo para percebermos artistas do continente africano e da diáspora, e portugueses de ascendência africana, que nasceram e cresceram em Portugal, por um lado; e, por outro, provavelmente há racismo a dizer (a África assusta-nos?). Evidentemente, não há como disfarçar com a habitual ideia que a subjectividade do gosto constitui o único critério de distinção em todos os domínios, incluindo o da Arte - como sempre é o caso quando não nos encaixamos: — Certo é que facilmente se descobre que o Sistema continua a banir / negligenciar os artistas negros (ou são colocados numa categoria de arte africana, quando na verdade fazem arte contemporânea), e pouco interessado em encorajar universos artísticos africanos - mesmo tendo plena consciência de que artistas afro-descendentes estão em casa em Portugal. Artistas brancos são mais propensos a ser escolhidos do que os artistas negros, e isso não mudou ao longo de cinquenta anos de democracia.

Em retrospectiva, o que retiro deste episódio veneziano é que, primeiro, o universo da arte deu um passo atrás no processo de descolonizar o Sistema; segundo, o Nuno Crespo não fez alguns trabalhos de casa antes de presumir entender o trabalho de Grada Kilomba. (O que serviu como era de supor, para os defensores das boas causas morais da arte não conseguirem impedir-se de escrever que, a subjectividade do gosto constitui o único critério de distinção e que não existem bons e maus artistas/ conceitos, apenas artistas de que não gostámos - retirando do trabalho de avaliação toda a exigência e qualquer esforço de compreensão da obra. Resultou lindamente.)

[A identidade é um conceito muito complexo. ‘No fim de contas’ é a vida que conta. Todos os artistas não ignoram isso, estejam onde estiverem, sejam quais forem as suas origens ou a cor da sua pele - a obra só vem depois.]

Volto à obra de Grada Kilomba: — Grada, à semelhança de Simone Leigh, de Sonia Boyce e de outras mulheres artistas negras, fala em primeiro lugar por e “para espectadores negros do sexo feminino”**. De maneiras diferentes (e porque as diásporas africanas não são todas iguais) constroem/ abrem espaço para mulheres negras, em grande parte ignoradas, se reunirem e partilharem conhecimento. Sabem-se ligadas por profundos laços ancestrais. Partilham questões convergentes da própria natureza, experiências vividas, relações interiores com o passado colonial, o domínio e o poder, e memórias mais longas dos seus antepassados, e do presente. Na obra destas artistas, a identificação não-ocidental e feminina vem primeiro. 

Mas, interpretar a obra da Grada Kilomba, como um acto de ‘estilo racial’ (embora simbolize a construção da obra), a ponto de não deixar nenhuma alternativa à narrativa essencialista do preto e branco para a conceptualizar - é uma visão ortodoxa de nos encerrarmos rigidamente dentro dela — Porque a sugestão de promulgar práticas/ formas de liberdade - pensar, questionar, reagir, e o que isso pode fazer, não é apenas útil para espectadores negros do sexo feminino, as suas implicações são mais amplas. Por outras palavras: Grada, é assim que concebe o seu compromisso com a arte - como um lugar para a pluralidade.

À medida que fazemos alguns trabalhos de casa sentimos que a independência destas artistas transcende o acto de estilo racial. Quem pode deixar de entender a procura de uma saída para se descolonizar o secular sistema de poder ocidental que a história configurou, entre África e o Ocidente (entre dois continentes que não dialogam entre si), como tudo menos beleza?

Imagino como sentir-se deixado de fora (esse sentimento de não ser o principal destinatário do projecto), terá perturbado, e criado mal-estar espiritual e físico ao dominante Nuno Crespo: a essa divergência, acrescentou-se provavelmente uma espécie de animosidade racista e feminina ou — Porque fazer alguns trabalhos de casa por uma cultura que nem sequer é a nossa?: Isso tornou-o incapaz de avaliar a obra de Grada Kilomba de forma imparcial e nos seus próprios termos, portanto, profissionalmente incapaz de construir um juízo. É preciso dizer que, com a posição que ocupa na Universidade Católica do Porto e como crítico pontual do ‘público’, Nuno, dispõe de seguidores fiéis, para os quais tudo o que emana dele é uma unção divina. Este público alargado e fervoroso pronto a defendê-lo, fez avançar o referido abaixo-assinado da AICA - que os ligou a todos solidamente, e talvez para sempre -, para acalmar os contestatarios que se atiravam contra ele, de forma a renunciarem à sua crítica…e a procurarem esquecer toda esta história. Mas, compreenda-se que deve prosseguir a discussão (não posso ficar indiferente), para que amanhã o Sistema não reapareça em termos teóricos com a abstração retórica de justiça social, transparência, integridade, os direitos da mulher, descolonização do pensamento, etc, com o propósito de comover-nos (que em termos práticos nada significa), e estamos outra vez no mesmo, o status quo bem comportado a controlar tudo, a pensar que inventou a cultura ética, quando nunca a praticou. (O pânico moral da AICA [por exemplo] foi uma farsa.) ‘Discutir é difícil’ — Mas temos de nos silenciar? Seja como for? De cair nas mesmas armadilhas de sempre?

Se não procurarmos falar das questões essenciais de quem somos, como somos, onde vivemos e como agimos, como forma de encarar a verdade, quem o fará? — Por outras palavras: o envolvimento crítico com a vida e a arte é um indicador sismográfico de orientação se nos estamos a dirigir na direção certa. Essa é a base da nossa qualidade: não é sobre dinheiro, não é sobre amizade, é sobre onde o país estará a longo prazo.  — A Verdade não pode ser inventada e controlada como um regime de construção e proteção de pessoas - e honestamente o ecossistema das artes não está realmente preparado para isso: precisamos de aprender a reconhecer que não pode haver justiça verdadeira nas escolhas que cruzam antecipadamente preconceitos que existem há décadas, interesses e amizades.

 

 

victor pinto da fonseca

 

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* No Lísis 221e-222a, Sócrates tenta, em último lugar, explicar philia ou eros por um sentimento de parentesco que aproxima duas almas; só aparentemente no Lísis a tese é rejeitada, e mesmo Sócrates, mais adiante, não rebate propriamente, limitando-se a encaminha-la num sentido ético, pondo, como exigência fundamental, que “o todo” a que se refere Aristófanes seja o Bem.

** Em 2019, na época da sua exposição individual do prémio Hugo Boss no Museu Guggenheim em Nova York, Simone Leigh, afirmou claramente que, “estava a falar em primeiro lugar para espectadores negros do sexo feminino e desafiou todos os outros a fazerem alguns trabalhos de casa antes de presumirem entender o seu trabalho.”