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PARTILHAMOS DA CRÍTICA À CENSURA, MAS PARTILHAMOS DA FALTA DE APOIO ÀS ARTES?

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Partilhamos da crítica à censura para confrontar a política do Museu de Serralves, mas partilhamos da falta de apoio às artes?

 

 

Este texto pretende observar o Modelo de Apoio às Artes antecipando as conclusões (ao novo modelo de apoio às artes) criadas pelo Grupo de Reflexão de Aperfeiçoamento do Modelo de Apoio às Artes criado em junho deste ano, envolvendo funcionários do Ministério da Cultura, da Direção-Geral das Artes (DGArtes), personalidades e organizações ligadas à atividade artística.

As conclusões ao novo modelo de apoio às artes que serão entregues este mês ao ministro da Cultura (e tornadas públicas), servirão de base às revisões e melhoramentos a introduzir no programa de apoio sustentado da Direção-Geral das Artes (DGArtes), segundo a tutela, de quem partiu a iniciativa.

Com uma formação em engenharia mecânica, tirando o lado científico e romântico da matemática, o conhecimento que eu trago para este texto é essa sensibilidade pura apoiada na experiência, com o conhecimento presente e a percepção precisa de saber programar arte contemporânea, na plataforma revólver e na artecapital.net, que me leva a pensar no programa de apoio sustentado da dgartes e a confrontar a política do governo (do ministério da cultura), no apoio às artes, incorporada na DGArtes. 

 

É extraordinário ver a forma misteriosa, duvidosa, com que os políticos olham para os apoios do Estado às artes. 

 

Subjacente a este texto está o meu entendimento que o Ministério da Cultura não é uma força cultural inclusiva! O primado da cultura é a atitude crítica que desafia a racionalidade para tornar a vida das pessoas mais simples e interessante: Se parece claro que as estruturas de arte precisam de mais dinheiro, é também certo que só aumentar o orçamento não resolve o problema do modelo de apoio às artes, e que é fundamental melhorar a partilha do orçamento, a gestão do modelo. 

Reverter os graves problemas que afetam a actividade artística e toda a injustiça que se pratica anualmente nos concursos dos apoios às artes implica termos de ir buscar mais dinheiro ou pelo menos a DGArtes partilhar o dinheiro de uma forma diferente, de forma a que as verbas cheguem a todos os projectos competentes, porque a cultura é uma necessidade imprescindível de toda uma vida, à semelhança do serviço nacional de saúde e da educação!

A qualidade que gostaríamos de ter na cultura é uma qualidade de longo prazo que só vamos conseguir medir bem mantendo o funcionamento rítmico das estruturas artísticas de programação. Mas a DGArtes não está habituada a pensar numa estratégia duradoura e consistente do investimento, antes numa política específica de apoio às artes de momento (as diversas revisões do modelo na última década é demonstrativo), preferindo ver aquilo que quer: um programa de apoio sustentado que não olha para todas as estruturas com justiça, longe da realidade, com implicações graves no funcionamento regular de diversas estruturas artísticas (mesmo que estruturas icónicas); especialmente as estruturas independentes não lucrativas, alternativas ao modelo de programação institucional, estruturas que têm sido amplamente prejudicadas com o modelo de apoio às artes praticado! E por aqui se pode ver - nesta tendência para a dgartes ver aquilo que quer ver - até que ponto o universo actual da arte contemporânea é um deserto de estruturas independentes de programação sem fins lucrativos (organizações consideradas alternativas às galerias comerciais e independentes das instituições), entidades inconformadas, estruturas que enobrecem ao mesmo tempo a arte do tempo presente, tal como as ideias ligadas à reflexão e à crítica de arte, onde literalmente a criação artística se desenvolve!

Existem dois caminhos para o modelo de apoio sustentado da Direção-Geral das Artes à arte contemporânea. Caminhos diferentes: um é seguir o caminho actual, antigo, estreito, a cair a pique; o outro o novo, alternativo, é amplo e plano. O caminho alternativo, adequado à decadência em que vive a arte contemporânea, é contra a ordem estabelecida, é ter uma atitude crítica!

As estruturas independentes (apoiadas pelo estado) devem ter uma lógica antissistema, não de repetição dos dispositivos institucionais de deferência. Essa é a vocação das entidades independentes, questionar o conceito de instituição; as estruturas apoiadas pelo estado não devem repetir a suposta autoridade institucional nem o discurso institucional que as isenta de responsabilidade.

"A criação artística existe sempre em relação à linha imaginária que circunscreve o território institucional", Marcel Broodthaers.

Resumido: deve o ministério da cultura simplificar as regras do programa sustentado de apoio às artes, de forma a seguir um caminho novo e se constituir uma força cultural puramente inclusiva!

Simplificar as regras significa a dgartes rever a percepção que tem da cultura anti-institucional, da cultura marginal, capaz de transformar o comportamento conservador, decadente, a estagnação vigente, dos amigos, dos favores, das famílias, etc - a cultura que não se deixa governar.

Simplificar significa também, reduzir, tornar compreensível - não é retórica (essa doença do intelecto) - o modelo dos concursos e agilizar o processo de candidatura (os questionários de candidatura); significa não subordinar, por exemplo, os projectos de candidatura a critérios políticos de majoração, de forma a que a arte seja elevada pelos pressupostos da programação e da equipa artística; significa a dgartes concentrar-se em cadernos de candidatura simples, de forma que os serviços não levem seis meses a avaliar da elegibilidade dos candidatos mais dois meses para se firmarem os contratos de apoio financeiro - simplificar, é tornar a vida de todos mais simples mais prática e sobretudo real! 

Não deve a DGArtes manter-se fiel ao seu percurso que, é muito estreito, para a arte contemporânea: as artes plásticas e a arquitectura não podem continuar a ser vistos como um todo (como artes visuais), cada parte tem de ser encarada separadamente. Significa simplificar! Não existe nenhuma razão para encaramos as artes plásticas e a arquitectura no mesmo tipo de relação!

Não pode ainda ignorar a dgartes que, critérios políticos de majoração como parcerias e colaborações com os municípios, na prática são critérios de protecção, disruptivos do essencial; aliás, critérios políticos de majoração deve o Estado e as Câmaras Municipais obrigar-se na gestão das estruturas artísticas que dirigem por decreto, nomeadamente museus e teatros nacionais, galerias e teatros municipais, etc. 

Simplificar, significa desburocratizar, significa eliminar critérios políticos de majoração como parcerias com os municípios e instituições e colaborações com escolas (como incorporar visitas de estudo, com propostas de atividades variadas que estimulem os alunos para lá da sala de aulas)!

A preocupação de desenvolver o ensino e a aprendizagem da arte, deve ser competência pública do Governo através do ministério da educação.

É o governo que tem o imperativo de incrementar a aprendizagem académica sobre arte, a inclusão do ensino das artes nas escolas e nas universidades - para que os jovens encontrem mais facilmente os caminhos de ligação à cultura -, e deve fazê-lo de forma potente, com qualidade, de forma a incentivar a criatividade nas crianças, nos jovens e nos adultos!

As estruturas artísticas independentes (ainda que apoiadas pela dgartes) devem ser livres de pensarem e incluirem parcerias ou não com as câmaras municipais, escolas, instituições do estado, etc: a tarefa humana destas estruturas, a sua tarefa de conhecimento, a sua tarefa em favor da humanidade, e justamente por isso, a sua razão de ser, é programar de forma autónoma e alternativa (promover a criatividade livre das práticas do estado e da moral das autarquias), criar equipas artísticas competentes (o reino da criação), que impõe a inevitabilidade de repetir, repetir e repetir, o essencial, até se fazer bem, porque programação e criação se encontram inevitavelmente unidas, são o verdadeiro crescimento das artes, o crescimento do saber, do conhecimento, e logo estabelecerem as parcerias e as interações que entenderm serem importantes e necessárias para cada estrutura específica, sem que o Estado deva impor majorações políticas redundantes, monolíticas, porque o que pode servir a uns pode não se adequar à programação e à criação de outros, e não deve caber às estruturas (independentes) apoiadas pela dgartes substituirem-se ao ensino das artes nas escolas e desenvolverem propostas de actividades que estimulem os alunos pra lá da escola! 

A função primordial dos apoios às artes é apoiar ideias que façam caminho para a criação (onde igualmente se faz investigação, que é o modelo que gera mais valor, uma qualidade de longo prazo).

Ensinar e/ou a realização de visitas de estudo que estimulem os alunos para lá da sala de aulas, cabe às escolas e instituições públicas dirigidas pelo Estado promoverem, não às pequenas estruturas privadas apoiadas pelo Estado. Os critérios de majoração no programa de apoio às artes são apenas um caminho ilusório, um recurso usado pelo Estado para escapar das suas obrigações, mas não, porém, o caminho da ligação verdadeira das estruturas independentes à comunidade das pessoas. Não cabe ao estado definir critérios políticos de majoração e/ou prioridades estratégicas para as estruturas independentes, e despojá-las do seu carácter que se quer alternativo às políticas de gosto do Estado, e autónomo da protecção e da moral das câmaras municipais!

O actual programa de apoio às artes precisa de uma revolução conceptual, que reflita uma profunda mudança cultural da sensação de paisagem antiga, de deserto na arte contemporânea; deve reestruturar-se o modelo de apoio às artes diferenciando as estruturas que irradiam com inelutável necessidade uma programação de qualidade efectiva, revelação da intuição, revelação do sentimento, do conhecimento (o saber maior, a verdadeira respiração do projecto), das estruturas onde a perversidade dos critérios políticos de majoração está no centro de toda a iluminação, em que o projecto está encerrado!, o que coloca a coisa artificial no lugar da coisa criada, viva e duradoira. Essa inversão, esta substituição, tem sido o caminho sinistro que o programa sustentado de apoio às artes tem levado; queda na inversão dos valores, queda na vulgaridade e no sítio onde a vulgaridade atinge o auge, na ignorância. 

 

Limito-me a dizer: programar estruturas independentes não deve ter nada de institucional, nem trilhos de gosto e/ou emanações de critérios políticos de majoração e prioridades estratégicas do governo, antes é um modo de vida diariamente inconformado; é no inconformismo, na diferença, na mudança do curso da historia, que assenta a opção de pensar outros caminhos. E se não estivermos diariamente a fazer coisas diferentes, elas não são feitas; resta apenas atraso, mais do mesmo, uma tristeza (ver a arte contemporânea em Portugal estagnada, um deserto)!

No novo ciclo do modelo de apoio às artes, talvez deva o ministério da cultura obrigar-se a reforçar o conhecimento e a operacionalidade dos profissionais da DGArtes com acções de formação especializada de forma a adequar os objectivos da cultura às necessidades das estruturas de programação independente, sem fins lucrativos. Talvez interagir realmente com as entidades (afinal as estruturas candidatas ao apoio sustentado não são assim tantas a perder de vista!), para que a percepção que a dgartes tem dos candidatos ao programa de apoio às artes seja mais do que o velho conhecimento analítico (teórico) das estruturas; que o êxito (a elegibilidade) das entidades candidatas não dependa, em boa medida, do facto teórico do projecto, que tem leitura muito equívoca. Em que sentido? Apoiado apenas nas abstrações da avaliação teórica dos projectos de candidatura que tentei já descrever (uma figura na paisagem, um desconhecido)! Porém, o conhecimento é outra coisa, uma coisa experienciada; de facto, a dgartes - demasiado distante das nossas experiências - não observa o trabalho das entidades de maneira a apreender e a ter conhecimento real dos resultados das estruturas. A dgartes não se pode isolar da experiência, como um homem que, não tendo oportunidade de visitar cidades importantes, aprende os mapas das suas ruas.

E, depois, os políticos que deveriam proteger a cultura são profundamente negligentes ou cúmplices na situação de desesperança para a arte contemporânea, partindo do princípio que produzir cultura é uma prática duvidosa, consequentemente perigosa; negligência que é tão-somente uma questão de ignorância. Sim, a ignorância é assustadora!

 

 

Victor Pinto da Fonseca