Links

O ESTADO DA ARTE


Marina Abramovic, The Artist is Present, 2010. MoMA

Outros artigos:

2024-09-20


O MITO DA CRIAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE A OBRA DE JUDY CHICAGO
 

2024-08-20


REVOLUÇÕES COM MOTIVO
 

2024-07-13


JÚLIA VENTURA, ROSTO E MÃOS
 

2024-05-25


NAEL D’ALMEIDA: “UMA COISA SÓ É GRANDE SE FOR MAIOR DO QUE NÓS”
 

2024-04-23


ÁLBUM DE FAMÍLIA – UMA RECORDAÇÃO DE MARIA DA GRAÇA CARMONA E COSTA
 

2024-03-09


CAMINHOS NATURAIS DA ARTIFICIALIZAÇÃO: CUIDAR A MANIPULAÇÃO E ESMIUÇAR HÍPER OBJETOS DA BIO ARTE
 

2024-01-31


CRAGG ERECTUS
 

2023-12-27


MAC/CCB: O MUSEU DAS NOSSAS VIDAS
 

2023-11-25


'PRATICAR AS MÃOS É PRATICAR AS IDEIAS', OU O QUE É ISTO DO DESENHO? (AINDA)
 

2023-10-13


FOMOS AO MUSEU REAL DE BELAS ARTES DE ANTUÉRPIA
 

2023-09-12


VOYEURISMO MUSEOLÓGICO: UMA VISITA AO DEPOT NO MUSEU BOIJMANS VAN BEUNINGEN, EM ROTERDÃO
 

2023-08-10


TEHCHING HSIEH: HOW DO I EXPLAIN LIFE AND CHANGE IT INTO ART?
 

2023-07-10


BIENAL DE FOTOGRAFIA DO PORTO: REABILITAR A EMPATIA COMO UMA TECNOLOGIA DO OUTRO
 

2023-06-03


ARCOLISBOA, UMA FEIRA DE ARTE CONTEMPORÂNEA EM PERSPETIVA
 

2023-05-02


SOBRE A FOTOGRAFIA: POIVERT E SMITH
 

2023-03-24


ARTE CONTEMPORÂNEA E INFÂNCIA
 

2023-02-16


QUAL É O CINEMA QUE MORRE COM GODARD?
 

2023-01-20


TECNOLOGIAS MILLENIALS E PÚBLICO CONTEMPORÂNEO. REFLEXÕES SOBRE A EXPOSIÇÃO 'OCUPAÇÃO XILOGRÁFICA' NO SESC BIRIGUI EM SÃO PAULO
 

2022-12-20


VENEZA E A CELEBRAÇÃO DO AMOR
 

2022-11-17


FALAR DE DESENHO: TÃO DEPRESSA SE COMEÇA, COMO ACABA, COMO VOLTA A COMEÇAR
 

2022-10-07


ARTISTA COMO MEDIADOR. PRÁTICAS HORIZONTAIS NA ARTE E EDUCAÇÃO NO BRASIL
 

2022-08-29


19 DE AGOSTO, DIA MUNDIAL DA FOTOGRAFIA
 

2022-07-31


A CULTURA NÃO ESTÁ FORA DA GUERRA, É UM CAMPO DE BATALHA
 

2022-06-30


ARTE DIGITAL E CIRCUITOS ONLINE
 

2022-05-29


MULHERES, VAMPIROS E OUTRAS CRIATURAS QUE REINAM
 

2022-04-29


EGÍDIO ÁLVARO (1937-2020). ‘LEMBRAR O FUTURO: ARQUIVO DE PERFORMANCES’
 

2022-03-27


PRATICA ARTÍSTICA TRANSDISCIPLINAR: A INVESTIGAÇÃO NAS ARTES
 

2022-02-26


OS HÁBITOS CULTURAIS… DAS ORGANIZAÇÕES CULTURAIS PORTUGUESAS
 

2022-01-27


ESPERANÇA SIGNIFICA MAIS DO QUE OPTIMISMO
 

2021-12-26


ESCOLA DE PROCRASTINAÇÃO, UM ESTUDO
 

2021-11-26


ARTE = CAPITAL
 

2021-10-30


MARLENE DUMAS ENTRE IMPRESSIONISTAS, ROMÂNTICOS E SUMÉRIOS
 

2021-09-25


'A QUE SOA O SISTEMA QUANDO LHE DAMOS OUVIDOS'
 

2021-08-16


MULHERES ARTISTAS: O PARADOXO PORTUGUÊS
 

2021-06-29


VIVER NUMA REALIDADE PÓS-HUMANA: CIÊNCIA, ARTE E ‘OUTRAMENTOS’
 

2021-05-24


FRESTAS, UMA TRIENAL PROJETADA EM COLETIVIDADE. ENTREVISTA COM DIANE LINA E BEATRIZ LEMOS
 

2021-04-23


30 ANOS DO KW
 

2021-03-06


A QUESTÃO INDÍGENA NA ARTE. UM CAMINHO A PERCORRER
 

2021-01-30


DUAS EXPOSIÇÕES NO PORTO E MUITOS ARQUIVOS SOBRE A CIDADE
 

2020-12-29


TEORIA DE UM BIG BANG CULTURAL PÓS-CONTEMPORÂNEO - PARTE II
 

2020-11-29


11ª BIENAL DE BERLIM
 

2020-10-27


CRITICAL ZONES - OBSERVATORIES FOR EARTHLY POLITICS
 

2020-09-29


NICOLE BRENEZ - CINEMA REVISITED
 

2020-08-26


MENSAGENS REVOLUCIONÁRIAS DE UM TEMPO PERDIDO
 

2020-07-16


LIÇÕES DE MARINA ABRAMOVIC
 

2020-06-10


FRAGMENTOS DO PARAÍSO
 

2020-05-11


TEORIA DE UM BIG BANG CULTURAL PÓS-CONTEMPORÂNEO
 

2020-04-24


QUE MUSEUS DEPOIS DA PANDEMIA?
 

2020-03-24


FUCKIN’ GLOBO 2020 NAS ZONAS DE DESCONFORTO
 

2020-02-21


ELECTRIC: UMA EXPOSIÇÃO DE REALIDADE VIRTUAL NO MUSEU DE SERRALVES
 

2020-01-07


SEMANA DE ARTE DE MIAMI VIA ART BASEL MIAMI BEACH: UMA EXPERIÊNCIA MAIS OU MENOS ESTÉTICA
 

2019-11-12


36º PANORAMA DA ARTE BRASILEIRA
 

2019-10-06


PARAÍSO PERDIDO
 

2019-08-22


VIVER E MORRER À LUZ DAS VELAS
 

2019-07-15


NO MODELO NEGRO, O OLHAR DO ARTISTA BRANCO
 

2019-04-16


MICHAEL BIBERSTEIN: A ARTE E A ETERNIDADE!
 

2019-03-14


JOSÉ MAÇÃS DE CARVALHO – O JOGO DO INDIZÍVEL
 

2019-02-08


A IDENTIDADE ENTRE SEXO E PODER
 

2018-12-20


@MIAMIARTWEEK - O FUTURO AGENDADO NO ÉDEN DA ARTE CONTEMPORÂNEA
 

2018-11-17


EDUCAÇÃO SENTIMENTAL. A COLEÇÃO PINTO DA FONSECA
 

2018-10-09


PARTILHAMOS DA CRÍTICA À CENSURA, MAS PARTILHAMOS DA FALTA DE APOIO ÀS ARTES?
 

2018-09-06


O VIGÉSIMO ANIVERSÁRIO DA BIENAL DE BERLIM
 

2018-07-29


VISÕES DE UMA ESPANHA EXPANDIDA
 

2018-06-24


O OLHO DO FOTÓGRAFO TAMBÉM SOFRE DE CONJUNTIVITE, (UMA CONVERSA EM TORNO DO PROJECTO SPECTRUM)
 

2018-05-22


SP-ARTE/2018 E A DIFÍCIL TAREFA DE ESCOLHER O QUE VER
 

2018-04-12


NO CORAÇÂO DESTA TERRA
 

2018-03-09


ÁLVARO LAPA: NO TEMPO TODO
 

2018-02-08


SFMOMA SAN FRANCISCO MUSEUM OF MODERN ART: NARRATIVA DA CONTEMPORANEIDADE
 

2017-12-20


OS ARQUIVOS DA CARNE: TINO SEHGAL CONSTRUCTED SITUATIONS
 

2017-11-14


DA NATUREZA COLABORATIVA DA DANÇA E DO SEU ENSINO
 

2017-10-14


ARTE PARA TEMPOS INSTÁVEIS
 

2017-09-03


INSTAGRAM: CRIAÇÃO E O DISCURSO VIRTUAL – “TO BE, OR NOT TO BE” – O CASO DE CINDY SHERMAN
 

2017-07-26


CONDO: UM NOVO CONCEITO CONCORRENTE À TRADICIONAL FEIRA DE ARTE?
 

2017-06-30


"LEARNING FROM CAPITALISM"
 

2017-06-06


110.5 UM, 110.5 DOIS, 110.5 MILHÕES DE DÓLARES,… VENDIDO!
 

2017-05-18


INVISUALIDADE DA PINTURA – PARTE 2: "UMA HISTÓRIA DA VISÃO E DA CEGUEIRA"
 

2017-04-26


INVISUALIDADE DA PINTURA – PARTE 1: «O REAL É SEMPRE AQUILO QUE NÃO ESPERÁVAMOS»
 

2017-03-29


ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE FEIRA DE ARTE
 

2017-02-20


SOBRE AS TENDÊNCIAS DA ARTE ACTUAL EM ANGOLA: DA CRIAÇÃO AOS NOVOS CANAIS DE LEGITIMAÇÃO
 

2017-01-07


ARTLAND VERSUS DISNEYLAND
 

2016-12-15


VALORES DA ARTE CONTEMPORÂNEA: UMA CONVERSA COM JOSÉ CARLOS PEREIRA SOBRE A PUBLICAÇÃO DE O VALOR DA ARTE
 

2016-11-05


O VAZIO APOCALÍPTICO
 

2016-09-30


TELEPHONE WITHOUT A WIRE – PARTE 2
 

2016-08-25


TELEPHONE WITHOUT A WIRE – PARTE 1
 

2016-06-24


COLECCIONADORES NA ARCO LISBOA
 

2016-05-17


SONNABEND EM PORTUGAL
 

2016-04-18


COLECCIONADORES AMADORES E PROFISSIONAIS COLECCIONADORES (II)
 

2016-03-15


COLECCIONADORES AMADORES E PROFISSIONAIS COLECCIONADORES (I)
 

2016-02-11


FERNANDO AGUIAR: UM ARQUIVO POÉTICO
 

2016-01-06


JANEIRO 2016: SER COLECCIONADOR É…
 

2015-11-28


O FUTURO DOS MUSEUS VISTO DO OUTRO LADO DO ATLÂNTICO
 

2015-10-28


O FUTURO SEGUNDO CANDJA CANDJA
 

2015-09-17


PORQUE É QUE OS BLOCKBUSTERS DE MODA SÃO MAIS POPULARES QUE AS EXPOSIÇÕES DE ARTE, E O QUE É QUE PODEMOS DIZER SOBRE ISSO?
 

2015-08-18


OS DESAFIOS DO EFÉMERO: CONSERVAR A PERFORMANCE ART - PARTE 2
 

2015-07-29


OS DESAFIOS DO EFÉMERO: CONSERVAR A PERFORMANCE ART - PARTE 1
 

2015-06-06


O DESAFINADO RONDÒ ENWEZORIANO. “ALL THE WORLD´S FUTURES” - 56ª EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE ARTE DE VENEZA
 

2015-05-13


A 56ª BIENAL DE VENEZA DE OKWUI ENWEZOR É SOMBRIA, TRISTE E FEIA
 

2015-04-08


A TUMULTUOSA FERTILIDADE DO HORIZONTE
 

2015-03-04


OS MUSEUS, A CRISE E COMO SAIR DELA
 

2015-02-09


GUIDO GUIDI: CARLO SCARPA. TÚMULO BRION
 

2015-01-13


IDEIAS CAPITAIS? OLHANDO EM FRENTE PARA A BIENAL DE VENEZA
 

2014-12-02


FUNDAÇÃO LOUIS VUITTON
 

2014-10-21


UM CONTEMPORÂNEO ENTRE-SERRAS
 

2014-09-22


OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS: Quando a arte entra pela vida adentro - Parte II
 

2014-09-03


OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS: Quando a arte entra pela vida adentro – Parte I
 

2014-07-16


ARTISTS' FILM BIENNIAL
 

2014-06-18


PARA UMA INGENUIDADE VOLUNTÁRIA: ERNESTO DE SOUSA E A ARTE POPULAR
 

2014-05-16


AI WEIWEI E A DESTRUIÇÃO DA ARTE
 

2014-04-17


QUAL É A UTILIDADE? MUSEUS ASSUMEM PRÁTICA SOCIAL
 

2014-03-13


A ECONOMIA DOS MUSEUS E DOS PARQUES TEMÁTICOS, NA AMÉRICA E NA “VELHA EUROPA”
 

2014-02-13


É LEGAL? ARTISTA FINALMENTE BATE FOTÓGRAFO
 

2014-01-06


CHOICES
 

2013-09-24


PAIXÃO, FICÇÃO E DINHEIRO SEGUNDO ALAIN BADIOU
 

2013-08-13


VENEZA OU A GEOPOLÍTICA DA ARTE
 

2013-07-10


O BOOM ATUAL DOS NEGÓCIOS DE ARTE NO BRASIL
 

2013-05-06


TRABALHAR EM ARTE
 

2013-03-11


A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS: META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (III)
 

2013-02-12


A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS: META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (II)
 

2013-01-07


A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS. META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (I)
 

2012-11-12


ATENÇÃO: RISCO DE AMNÉSIA
 

2012-10-07


MANIFESTO PARA O DESIGN PORTUGUÊS
 

2012-06-12


MUSEUS, DESAFIOS E CRISE (II)


 

2012-05-16


MUSEUS, DESAFIOS E CRISE (I)
 

2012-02-06


A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE DIGITAL (III - conclusão)
 

2012-01-04


A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE DIGITAL (II)
 

2011-12-07


PARAR E PENSAR...NO MUNDO DA ARTE
 

2011-04-04


A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA REPRODUTIBILIDADE DIGITAL (I)
 

2010-10-29


O BURACO NEGRO
 

2010-04-13


MUSEUS PÚBLICOS, DOMÍNIO PRIVADO?
 

2010-03-11


MUSEUS – UMA ESTRATÉGIA, ENFIM
 

2009-11-11


UMA NOVA MINISTRA
 

2009-04-17


A SÍNDROME DOS COCHES
 

2009-02-17


O FOLHETIM DE VENEZA
 

2008-11-25


VANITAS
 

2008-09-15


GOSTO E OSTENTAÇÃO
 

2008-08-05


CRÍTICO EXCELENTÍSSIMO II – O DISCURSO NO PODER
 

2008-06-30


CRÍTICO EXCELENTÍSSIMO I
 

2008-05-21


ARTE DO ESTADO?
 

2008-04-17


A GULBENKIAN, “EM REMODELAÇÃO”
 

2008-03-24


O QUE FAZ CORRER SERRALVES?
 

2008-02-20


UM MINISTRO, ÓBICES E POSSIBILIDADES
 

2008-01-21


DEZ PONTOS SOBRE O MUSEU BERARDO
 

2007-12-17


O NEGÓCIO DO HERMITAGE
 

2007-11-15


ICONOLOGIA OFICIAL
 

2007-10-15


O CASO MNAA OU O SERVILISMO EXEMPLAR
 

A OBRA DE ARTE, O SISTEMA E OS SEUS DONOS: META-ANÁLISE EM TRÊS TEMPOS (III)

PAULO CUNHA E SILVA

2013-03-11




3º Tempo: Os seus donos e a “beleza” do dinheiro



A “democratização radical” que as feiras de arte promovem é sobretudo a democratização do contacto, mais do que a democratização da compra, do poder. Por outro lado, nunca a arte teve a dimensão especulativa que tem hoje. Ela é considerada o derivado, o lugar de investimento, não direi mais seguro, mas aquele em que, se o tiro for certo, a possibilidade de replicação do investimento mais se manifesta. Pode ser o núcleo excelente de um lucrativo hedge fund.

A proposta inicial da Fundação Ellipse, que associamos ao Banco Privado, tinha como objectivo inicial ser um fundo de investimento em que uma comissão especializada (de curadores, do tal sistema) selecionava as obras de arte com maior potencial de valorização no mercado.

Nesta perspectiva faz sentido uma antropologia presesnt(íssima) da política (e dos seus derivados, para mantermos a linguagem financeira, artísticos e económicos). Não interessa nenhuma Crítica da Razão Cínica à Sloterdijk, neste momento. Porque se alguém a fez com muito mais talento e oportunidade do que eu foi, por exemplo Michel Houellebecq, com o seu romance La Carte et le Territoire (2010). Em que o personagem central é um artista contemporâneo (Jed Martin) que é introduzido num processo de ratificação e valorização que o próprio não percebe, por uma russa (outra russa), responsável do marketing da Michelin. Nessa fase do seu trabalho Jed faz grandes obras que são retratos quase metonímicos dos mapas Michelin. A responsável do marketing destes mapas, apaixona-se pelo produto e, quase imediatamente, pelo produtor. Numa das fases seguintes dedica-se a fazer retratos de profissionais, uns famosos outros não. E o livro começa com ele a olhar para o resultado de “Jeff Koons e Damien Hirst partilhando o mundo da arte contemporânea” e a manifestar a sua insatisfação com o estado das coisas, do quadro, no caso.

O mesmo não aconteceu quando retratou Bill Gates e Steve Jobs discutindo o futuro da informática. O que poderá ser um sinal da intranquilidade cínica com que Houellebecq olha para o mercado da arte. E o romance, não sendo uma autobiografia é um auto-romance. O autor entra como ele próprio na trama ficcional. O protagonista vai pedir um texto a Michel Houellebecq para a sua próxima exposição, porque o sistema precisa de se refrescar com olhares alienígenas. Neste caso, o grande (e insuportável) romancista que não é um membro do sistema abordado.

Um amigo meu que vive em Nova Iorque e é dealer (de obras de arte) postou no seu Facebook há algum tempo a venda das tulipas do Jeff Koons por cerca de 40 milhões de euros. Em Itália, outros amigos meus, muito ricos, mas não novos ricos, não dealers mas colecionadores, os Marqueses de Berlingeri, há minha pergunta: a vaca do Damien Hirst está no palácio de Palermo? Respondem: não, está no Castelo da Basilicatta.

Deve dizer-se que eles venderam talvez o quadro mais caro do mundo, o Six Presleys do Warhol (não podia deixar de mencionar nestes artigos passar o Warhol, esse grande mestre do cinismo artístico e de como ele pode ser a manifestação de um imenso talento) por 100 milhões de euros, informação que resulta de uma investigação do Financial Times e que eles, todavia, não confirmaram. Nem ao jornal, nem a mim.

Este fait divers e este detour parece-me oportuno, porque coloca com uma dimensão radical, o poder de legitimação social da arte contemporânea. A esses grandes proprietários rurais já não lhes interessa só terem milhares de cabeças de gado, interessa-lhes possuir a vaca do Damien Hirst. E não são um caso de recém-chegados ao colecionismo de ponta, começaram há mais de 40 anos com o minimalismo americano, quando estariam nos seus trinta.

Por outro lado, lembro-me de uma entrevista à revista Pública de então, com capa integral em que o selecionador nacional de futebol, também de então, se fazia fotografar em frente a um grande Julião Sarmento (que está agora em Serralves) onde dizia que estava a incutir nos jogadores, como compete a um selecionador ou treinador, o gosto pela arte no sentido da apropriação do colecionismo, porque seria muto mais interessante do que estourarem (literalmente) o dinheiro em Ferraris .

Ou seja, de que falamos quando falamos hoje de arte: falamos sobretudo de dinheiro. Hoje o mercado da arte canibalizou a escuta da arte, o tempo necessário para ouvir uma obra. Porque as artes visuais também são artes do tempo.

E aqui gostaria de fazer um grande mea culpa porque as questões que abordei dizem respeito sobretudo aos problemas colocados pela obra de arte visual. Muito mais do que pelas artes performativas. Penso todavia que há cada vez mais uma indistinção formal entre estes territórios.

De resto, quando me convidaram para dirigir o Instituto das Artes [hoje Direção-Geral das Artes] fi-lo só no pressuposto de que ele articularia artes performativas e artes visuais, porque me pareceu, que essa distinção não era mais viável. Obras muito interessantes situam-se nessa zona de descontinuidade entre a performance a instalação.

É claro que uma política de apoios teria, neste contexto, que ser revista. No caso das artes visuais o apoio à feitura de um quadro é muito discutível. Mas o apoio a uma atividade de programação regular, ou o apoio pontual a um objecto expositivo passou a ser pertinente acontecer. De resto, a política de apoios que defendemos, devia estruturar-se a partir de uma estratégia organizada num espaço triangular que tinha por vértices estes três pontos: descentralização, internacionalização e experimentação. Portanto uma política do mapa e do território, para voltar a pegar no Houellebecq. Levar o país para fora, levar o país para dentro, abrir escalas experimentais dentro do mapa. Fractalizá-lo. Isto não implica, obviamente, desvalorizar-se o que se faz bem feito. Mas o que se fazia bem feito deveria ajudar a “alavancar”, como agora insuportavelmente se diz, esta estratégia.

Mas voltando à ideia de performance, ela também se esmoreceu no seu duplo significado. Inicialmente a performance, apesar de pressupor tempo era do domínio das artes visuais e não das performativas: as artes performativas puras e duras eram o teatro, a dança, a música. A pintura, a escultura, a instalação, o objecto, o vídeo, ou o design (do industrial à moda), até a arquitetura, eram visuais. Mas depois apareciam os trans, cada vez mais densos e ufanos da sua territorialidade intersticial.

Portanto, tempo e espaço também passaram a ser categorias do domínio da relatividade. Categorias inseguras, instáveis. Veja-se a esse propósito, e para não me ficar só com um Abramovich (embora este seja russo e a outra não, seja sérvia), o espantoso The Artist is Present um longo documentário (com uma narrativa velocíssima e vinculativa) sobre a vida e a carreira de Marina Abramovic que coloca e redistribui com particular pertinência tudo o que disse até agora.

Marina é “o” nome central da performance contemporânea. E o MoMA (Nova Iorque) dedicou-lhe em 2010 uma singular retrospectiva, que coloca desde logo a questão central de como expor uma arte do tempo, que se coloca também para o vídeo e o cinema num espaço expositivo (de resto numa recente exposição que comissariei propus ao Gabriel Abrantes que o seu trabalho pudesse ser designado como instalação-cinematográfica), pois era cinema para ser consumido, não na dedicação e no silêncio da sala escura mas no trânsito e no ruído do espaço expositivo. Apesar de neste caso estarmos numa capela (para o caso dessacralizada).

A arte contemporânea vive da resolução/convivência com estes oxímoros. Destes fogos que ardem sem se ver.

A exposição de Marina reproduzia algumas das suas mais importantes performances. Mas contava talvez com a mais radical e também mais recente de todas elas concebida propositadamente para esta exposição. A artista presente e imóvel, impondo o sortilégio do espaço a uma arte do tempo.

Numa das salas do MoMA, Marina estava sentada imóvel numa cadeira durante todo o período de abertura do Museu (nine to five, e digo em inglês por causa da ligação a uma ideia de trabalho de escritório) e durante o tempo de exposição. Março a Maio de 2010.

Em frente à Marina imóvel estava outra cadeira vazia, que recebia os visitantes do museu. Marina continuava imóvel e silenciosa e não havia um tempo limite para a permanência do interlocutor. Apenas acenava ligeiramente com a cabeça quando um “novo” se sentava. E havia novos de todos os tipos, desde a nova que se despia integralmente e tinha que ser removida pelos seguranças, até os ex-novos que se sentavam pela décima vez e sistematicamente de lá saiam a chorar. Tal a intensidade do silencioso encontro. A imobilidade suserana e estatuária desta artista do movimento era um momento de uma intensidade dramática e emocional irreprodutível. Todos saíam de lá diferentes, Marina tentava manter-se igual.

Nos últimos dias da exposição as filas serpenteavam por Nova Iorque com uma mole imensa de gente à procura desta experiência transcendente. É para isto que serve a arte, para nos propor uma experiência transcendente. E no entanto a arte não é uma religião, como ela não precisa de prova, ao contrário da ciência. Mas ao contrário dela dispensa, como a ciência, a fé.

Com a alarvidade do costume, a Fox News fazia transmissões em directo perguntando aos transeuntes se aquilo que se passava dentro do museu era arte. Era arte, sim senhor. O rosto de Marina era um cruzamento de Cristo com Gioconda. Ela era manifestação do enigma da vida, do trânsito que esta sistematicamente faz entre alegria do mundo e o sofrimento do homem. E este trabalho de Marina era da ordem do sacrificial mais absoluto.

Poderia ter feito a “não-performance” na inauguração, todos os sábados. Uma hora por dia. Mas não, a artista estava presente, sempre. Não sairia do seu lugar. Nem se uma urgência fisiológica a chamasse. Situação de resto acautelada pela produção na confecção de uma cadeira especial que resolveria transitoriamente o problema. Havia outra situação previamente acautelada que era o risco de aparecer um mitómano, ou um psicopata qualquer, que lhe apontasse uma arma ou tentasse espancá-la. O risco era grande dado o nível de inquietação, de fibrilação que esta ex-posição (em sentido literal) continha. Aí um pequeno sinal, previamente combinado, faria precipitar a segurança rapidamente.

Mas convoquei Mariana Abramovic para este encontro, sobretudo por um momento que ela descreve no filme. Marina tinha um companheiro de performance, Ulay, com quem chegou a casar e viviam uma vida a dois que se confundia com a natureza da arte que faziam. Tinham uma carrinha, que também foi exposta no MoMA, com a qual circulavam pela Europa inteira fazendo o seu trabalho, como saltimbancos ou artistas de circo. No fim de uma das suas performances mais conhecidas em que cada um fez 500 Km dos 1000 utilizáveis da Grande Muralha da China encontrando-se passados três meses na metade meridiana da muralha, Ulay confessa-lhe que durante esses três meses teve uma relação com uma local. Três meses a andar é muito tempo. Dá para fazer muitas coisas pelo caminho. Marina chora perante a revelação, Ulay pede desculpa. Mas ela está intransigente. Cansada de andar de um lado para o outro sem sossego, sempre em processo de arte, e continuar pobre, decide separar-se e mudar de vida.

A primeira coisa que faz é enfiar-se nas lojas do Faubourg de Saint-Honoré, em Paris, e dar largo a uma pulsão feminina reprimida (segundo ela), a do fascínio pela moda. E a partir daí começa a ser menos performativa e mais visual. Ou seja, começa a perceber o mercado da arte e começa a perceber que o mercado das artes visuais pode ser muito mais generoso com ela do que o mercado da performance.

Arranja um galerista, que vende os vídeos e faz séries de frames, fotografias numeradas, que atingem cotações dos grandes artistas contemporâneos. E percebe que o star system (que ela decidiu não enjeitar, pelo contrário, não trata todas as artes da mesma forma). As artes performativas estão menos próximas desse convívio. É claro que o grande ator de teatro existe, o grande encenador também, o grande coreógrafo (com menos rentabilidade), o grande bailarino ou bailarina. O grande maestro, diretor de orquestra ou a grande cantora lírica também, ou o grande instrumentista, todos eles com os seus fãs que percorrem o mundo no seu encalço.

Mas aqui o que temos é a excepcionalidade do divo ou da diva, temos stars mas não temos system. Nas artes visuais e no cinema o star system é constitutivo. E a história de Marina e a percepção de que para ser feliz não podia continuar na caravana é eloquente.

A arte, cruzando-se com a política e a economia, é sobretudo humana, demasiado humana.

Paulo Cunha e Silva