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ÍNDICES, LISTAGENS E DIAGRAMAS: THE WORLD IS ALL THERE IS THE CASE
ANTÓNIO COXITO
Design é desenho e desígnio. Designar é uma função da indexação pelo que o designer se enquadra na actividade de construtor de índices. Construir a informação de forma legível, utilizando a matriz de leitura adequada.
Particularmente naquelas actividades que produzem comunicação, o plano epistemológico deve ser integrado. A ordem que percebemos é uma ordem cultural, transmitida através de informação mais ou menos organizada por quem a emite e por quem a recebe e essa informação pode ser apresentada sobre diversas matrizes, que implicam um entendimento diferente do real.
A forma como organizamos os conteúdos no nosso computador é tendencialmente de matriz taxonómica (menos nas pastas chamadas "coisas" ou "para arrumar"). Na pasta "documentos" temos as pastas "pessoal", "trabalho" e "receitas", dentro da pasta "pessoal" temos as pastas "contas", "férias" e "diário" e por aí fora. É uma organização em árvore, proposta em 1735 por Carl von Linné. É bidireccional e diagramática. A maior parte dos índices e da organização científica da informação segue esta estrutura.
No entanto, algumas dessas pastas podem ter uma organização linear (alfabética, por data, por tamanho). Os dicionários costumam adoptar esta organização.
Na passagem para o hardware a chave torna-se binária, apenas o "0" e o "1" ou ligado e desligado ou "A" e "B".
Da mesma forma, pode referenciar-se desordem nestes sistemas, ou porque não foi pensada a ordem ou porque foi introduzida a desordem ou porque o receptor não decifra a mensagem. Mas a nossa tendencia natural é a de organizar essa informação, recorrendo para tal a uma matriz, um índice.
Quando ouvimos uma sirene pó-pi-pó-pi-pó organizamos imediatamente aquele som em sequências de pó-pi ou de pi-pó o que é, em termos de imagem do mundo, diferente. Quando lemos um romance ou contemplamos a paisagem procuramos uma ordem ou uma desordem, mas uma ordem ou uma desordem relativa a uma matriz de pensamento.
Um índice não é apenas uma lista de conteúdos de um livro. O índice percorre todo o livro, a sua reflexão e o seu design. Utilizamos índices quando escolhemos materiais, quando pensamos funções, quando organizamos os nossos livros nas prateleiras, interiorizamos nova informação ou tomamos opções pessoais. Felizmente que nem todos os índices são taxonómicos e numerados.
Index
A palavra "índice" provém do latim índex, indicar. Inicialmente, essas indicações não eram organizadas em listagens, processo que requereu uma posterior sistematização. Na Antiga Roma, um índex era uma tira de tecido agarrada ao papiro, onde se encontrava escrito o assunto do texto e, por vezes, o seu autor. Ainda hoje em inglês, book índex refere-se a essa tira que alguns livros exibem saindo de dentro das suas folhas.
A última página do Sophismata grammaticalia (1) de Robertus Anglicus, c. 1240, apresentava uma Tabela de Capítulos de dois outros livros de Gramática da altura, os Priscien Mineur (livros XVII-XVIII das Institutiones Grammaticae).
A Era Moderna trouxe uma rápida e significativa evolução das listagens. Um dos primeiros sinais do advento dessa Era foi a introdução dos tipos móveis em 1439 por Johannes Gutenberg, o que deu sentido à numeração das páginas. Mas cresceu uma ferramenta mais influente nesta febre organizacional, a do raciocínio sistemático cartesiano ou raciocínio científico, herdando a organização por classes que já existia em Platão.
O Index Librorum Prohibitorum iniciado em 1559 e vigente até 1966, ao coligir os livros proibidos pela Igreja Católica incluiu nessa lista alguns dos autores seguidamente referidos.
Listagem diagramada de 15 listagens e diagramas posteriores a 1500
Carl von Linné publicou Systema Naturae em 1735 (2). A sua estrutura taxonómica sobre a classificação das espécies naturais foi adoptada por todas as áreas científicas nas suas listagens de informação. Introduz as duas dimensões na leitura (sequência e profundidade). A própria reflexão dialéctica evolui desta forma.
A Encyclopédie, ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, par une société de gens de lettres, mis en ordre par M. Diderot de l’Académie des Sciences et Belles-Lettres de Prusse, et quant à la partie mathématique, par M. d’Alembert de l’Académie royale des Sciences de Paris, de celle de Prusse et de la Société royale de Londres (3), publicada entre 1751 e 1765, foi uma das primeiras aplicações científicas da organização taxonómica de Linné, aqui com a pretensão de referir a totalidade do conhecimento.
Em 1921 Ludwig Wittgenstein publicou o seu único livro de filosofia em vida, o Tractatus Logico-Philosophicus. Não tem índice mas é um paradigma de uma idexação absoluta. O índice encontra-se no próprio texto que se refere apenas a si.
Aqui a indexação testa os seus limites de representação questionando o próprio sentido e organização da linguagem e das palavras e a sua relação com as coisas. Bertrand Russel, na introdução à primeira edição sublinha:
"relations which are necessary between words and things"
Contém 7 proposições e suas sub-proposições. Tudo o que existe é referido entre a proposição 1 e a proposição 7:
“1 The world is all there is the case.
[...]
4.25 If an elementary proposition is true, the state of affairs exists;
if an elementary proposition is false, the state of affairs does not exist.
[...]
7 What we cannot speak about we must pass over in silence.”
Encerra em si todas as possibilidades, mas encerra:
"3.332 No proposition can say anything about itself,
because the proposition sign cannot be contained in itself.”
Não considera nada nem ninguém para além de si próprio:
“6.4311 Death is not an event in life.”
Do lado eruptivo, Jorge Luís Borges. Em O idioma analítico de John Wilkins de 1952, declara:
"sabidamente não há classificação do universo que não seja arbitrária e conjectural"
Este ensaio sobre a busca de uma linguagem universal refere vários sistemas de organização divergente.
Sobre o mais difundido entre eles, Umberto Eco cita (em A vertigem das listas, 2009) que Michel Foucault citou (no prefácio de As palavras e as coisas, 1966) que Jorge Luís Borges citara (em O idioma analítico de John Wilkins) que John Wilkins referira (em An Essay towards a Real Character and a Philosophical Language, 1668), que Franz Khun traduzira "de uma certa enciclopédia chinesa" com o título Empório celestial de conhecimentos benévolos a seguinte taxonomia animal:
a) pertencentes ao imperador
b) embalsamados
c) domesticados
d) leitões
e) sereias
f) fabulosos
g) cães em liberdade
h) incluídos na presente classificação
i) que se agitam como loucos
j) inumeráveis
k) et caetera
m) que acabam de quebrar a bilha
n) que de longe parecem moscas
Aby Warburg produziu entre 1891 e 1929 dezenas de pranchas com colagens de fotografias e gravuras às quais chamou Atlas Mnemosyne (4). O seu âmbito era a História da Arte. Os factos históricos e os dados recolhidos eram ali agrupados por associações mnemónicas.
Esta é uma representação muito próxima daquela como construímos memórias pessoais.
Em 2013, no Atlas do Corpo e da Imaginação, Gonçalo M. Tavares organizou um índice com 400 entradas de um Atlas pessoal.
Sob a perspectiva das listagens é um paradoxo, porque utiliza as ferramentas de uma taxonomia para estruturar algo que não é organizável.
S,M,L,XL (5) é uma obra de Rem Koolhaas e Bruce Mau com edição de Jennifer Sigler de 1997. São as páginas amarelas do OMA.
Trata-se de um índice de 1400 páginas, organizado por dimensões dos projectos (small, medium, large, extra-large).
Todo ele é um objecto perceptivo. É pesado, denso e impresso até ao limite da página.
As associações não são claras. O índice das páginas xxx-xxxi (Project Credits) comunica que as relações são muitas e cruzadas. Lêem-se densidades, de forma divergente e não convergente.
Um léxico atravessa todo o livro, iniciado por Rem Koolhaas em Generic City, organizado por Jennifer Sigler e composto graficamente por Bruce Mau.
Em 1869 foram lançadas as bases para a actual representação da Tabela Periódica dos Elementos por Dmitri Mendleiev.
A listagem e organização dos Elementos suscitou uma das mais amplas abordagens da representação conceptual, onde a componente gráfica joga um papel matricial.
Os quatro Elementos platónicos (ar, água, terra e fogo) terão sido uma das primeiras listagens dos Elementos, já então representados graficamente dentro de um quadrado com um quadrado circunscrito.
A partir da Era Moderna podem ser referenciadas, entre outras, a Tabela de Alquimia de Basilius Valentinus de 1670, o Gráfico de Afinidades de Diderot de 1778, a Tabela de Substâncias Simples de Lavoisier de 1789 ou a Hélice Telúrica de Alexandre-Émile Béguyer de Chancourtois, sete anos antes de Mendleiev.
Uma característica distintiva das listagens dos Elementos a partir de Mendleiev é a de que contemplam os Elementos ainda não conhecidos mas previstos. Actualmente existem dezenas de representações da Tabela (6).
O espectrograma (7) também é uma representação gráfica da periodicidade dos Elementos em que o único código introduzido é o da construção do espectroscópio.
A numeração através de um Código binário foi concebida em 1679 por Gottfried Leibniz em Explication de l’Arithmétique Binaire. Segundo Borges e Eco, Leibniz ter-se-á inspirado nos hexagramas do I Ching. Os dois únicos dígitos eram representados por “0” e “1”.
O actual suporte digital recorre a um código binário (bit) sobre uma chave de 2x4 bits (byte) o que representa 256 (28) possíveis signos para cada caractere.
O diagrama da dupla hélice (8) proposto em 1953 por Watson e Crick da já então conhecida estrutura do ADN recorre a apenas quatro letras e a sua associação é binária. Com elas é criada a diversidade da vida biológica.
No seu livro DISPLAY Didattica per un architettura di relazione (9) de 2013, Marco Navarra apresenta uma perspectiva axonométrica explodida para referir o conteúdo da publicação. Aqui, a representação aproxima-se do representado através da forma, é mimética.
Robert Fitzroy foi o Capitão do Beagle, navio que empreendeu a histórica viagem de Charles Darwin às ilhas Galápagos. Concebeu os primeiros diagramas sinópticos de previsão meteorológica no seu livro The Weather Book: A Manual of Practical Meteorology de 1863. As suas previsões contemplavam dois sentidos para o tempo, baseando-se nos dados do passado para prever o futuro. Recorreu aos modelos estatísticos que Blaise Pascal delineara no século anterior para derivar os dados do passado. Estas matrizes de percepção introduziram uma leitura mais difusa e menos específica do real.
Sobre a sua veracidade, Ilya Prigogine contra-argumenta que tudo é produto do instante imediatamente anterior (citando o poder criativo da Natureza de Bergson), pelo que o passado longínquo não influencia estes ritmos. Apesar de se poderem referenciar ciclos e ondas no passado, estes não são regulares. O sentido que o Homem atribui a estas leituras é uma construção a posteriori do evento.
Quando estes modelos são aplicados à economia (10) têm a expressão de uma ortodoxia contemporânea, um oráculo com influência directa no dia-a-dia de cada um.
Originalmente, rizoma é um termo da Botânica e refere-se às raízes de determinadas plantas.
Gilles Deleuze e Félix Guattari apropriaram-se deste termo para o âmbito da filosofia (11) em 1980, a partir de Mille Plateaux.
O rizoma é caracterizado por heterogeneidade, conectividade e não-hierarquia. É um sistema aberto, no sentido em que não busca um estado mas um processo. Não é ecuménico, no sentido em que não representa uma totalidade.
As partituras de John Cage (12), Stockhausen ou Iannis Xenakis são alguns exemplos de notação para música improvisada.
Esta escrita segue princípios musicais mas também recorre a notação própria e é intrinsecamente interpretativa.
Por fim, a Verb List(13) que Richard Serra escreveu entre 1967 e 1968.
Trata-se de um glossário literal. Aqui, as palavras são acções. Não existe distância entre signo e referente.
Sob todos estes modelos encontra-se o tempo como quântico e sequencial, primeira interpretação dos ciclos na Natureza que o Homem criou.
Procurou-se mapear estes quinze paradigmas de listagens e diagramas de uma forma relacional.
Optou-se por um plano bi-axial definido pelo eixo aberto-processos / fechado-estados e pelo eixo convergente-literal / divergente-interpretativo (14). Neste diagrama não existem vectores de leitura mas zonas de influência. A introdução de um terceiro eixo ortogonal a este plano conferiria a tridimensionalidade a este espaço. Esse eixo poderia referir o tempo cronológico, o âmbito científico ou qualquer outro plano de leitura transversal.
Da análise deste índice depreende-se a diversidade topológica das matrizes existentes e a sua influência sobre a construção da imagem do mundo. A objectividade é predominante no quadrante superior esquerdo. A componente gráfica está presente na metade inferior com a excepção dos diagramas sinópticos, que se afastam pelo quadrante superior direito. Verifica-se que alguns destes modelos são exclusivos, que a sua adopção implica a negação de outros. Outros há que são abertos e inclusivos.
Existem muitas matrizes de representação e interpretação para além das aqui referidas, como o hipertexto, as Matrioskas, os algoritmos ou os hieróglifos, a narrativa cinematográfica, a projecção de Monge ou as cabalas. Todas elas podem ser integradas no índice dos índices. Nos índices em suporte digital, uma ferramenta paradoxal é a sua capacidade para produzir o caos aleatório. Isto é extremamente útil para simular a ausência de matriz.
Sobre o percurso regressivo das listagens de conhecimento antes da Era Moderna, há que referenciar e perceber o contexto de abordagens como a da Ars magna de Raimundo Lulio do século XIII, da Etymologiae de Isidoro de Sevilha do século VII e da Árvore de Porfírio do século III. E recuar até à proto-categorização do Yin e Yang ou da tabela dos opostos pitagórica.
Se a matriz sobre a qual colocamos os dados tiver um, dois ou três eixos, se for sinóptica ou se recorrer a uma notação própria, altera o ponto de partida, o percurso e o ponto de chegada do conhecimento ali inscrito. Esta reflexão revela-se assim importante para legitimar leituras autónomas (no sentido kantiano) do real, seja para fins estéticos, políticos ou perceptivos.
Em último caso, serve instrumentalmente para tirar umas ideias para um índice.
António Coxito
Arquitecto pela UAL. Encontra-se a desenvolver doutoramento na Universidade de Évora nos moldes research by design.
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Bibliografia
Mimesis e negação, 1984, Fernando Gil
Rosa do Mundo, 2001, Ed. Hermínio Monteiro
A Vertigem das Listas, 2009, Umberto Eco
As Imagens com que a Ciência se Faz, 2010, Olga Pombo e Silvia di Marco
Unidade da Ciência. Programas, Figuras e Metáforas, 2011, Olga Pombo
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[o autor escreve de acordo com a antiga ortografia]