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ARQUITETURA E DESIGN




Cá Fora:Arquitectura Desassossegada, Souto de Moura e Ângelo de Sousa, 11ª Exposição Internacional de Arquitectura-La Biennale di Venezia, 2008. Comissários: José Gil/Joaquim Moreno


Europa, Arquitectura Portuguesa em Emissão, Representação Portuguesa na 7ª Bienal Internacional de Arquitectura de São Paulo, 2007. Comissários: Jorge Figueira/Nuno Grande.


Entrada de Emergência, Representação Portuguesa na 6ª Bienal Internacional de Arquitectura de São Paulo, 2005. Comissário:Pedro Bandeira.


Arquitectura: Portugal fora de Portugal, 2009. Comissário: Ricardo Carvalho.


Destaque no suplemento P2, do jornal Público.

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PEDRO MACHADO COSTA


Um périplo pela última década de representações nacionais de arquitectura fora de Portugal (Parte II/II)

Deixámos Hans algo confuso. Abandonado à sua sorte, vagueando pelos labirintos de Lisboscópio [www.tinyurl.com/lw7suf]. Por sorte, para sua sorte, a Ordem dos Arquitectos, sempre empenhada na clarificação e na objectividade, organiza, em Veneza, nesse mesmo ano, uma mostra colateral a Lisboscópio; cumprindo dessa forma a sua obrigação institucional na defesa dos mais elevados interesses da arquitectura portuguesa. Fá-lo através de uma selecção de 18 obras, de entre as 79 que compunham uma outra exposição que entretanto estava a ser organizada a nível nacional: Habitar Portugal 2003-2005. O seu comissário, José António Bandeirinha, céptico em relação às distopias da dupla Guedes / Jacinto, sente-se compelido a defender em Veneza aquilo que considera serem os melhores exemplos de Cidades: Arquitectura e Sociedade na arquitectura portuguesa, escolhendo para isso, entre outros autores, Siza e Souto de Moura; cujas obras, em conjunto, ocupam mais de 25% da mostra. A exposição seria financiada pela Ordem dos Arquitectos, e também pelo Instituto das Artes, cujo orçamento suportava também Lisboscópio.

Por ocasião da première de Habitar Portugal em Veneza, a crítica e ensaísta Ana Vaz Milheiro, que se encontrava em Itália em representação da Ordem dos Arquitectos, revelava “[…] que as obras seleccionadas [para o Habitar Portugal] não são as melhores construídas em Portugal”, porque “as obras escolhidas são apenas de arquitectos inscritos na Ordem dos Arquitectos”; justificando, dessa forma, a notada ausência da Casa da Música que tanto preocupava a jornalista que fazia a cobertura da mostra (Marta Neves, JN, 1-8-2006). Repare-se: embora Ana Vaz Milheiro tivesse sido, pouco tempo antes, responsável pela edição de uma 2GDossier (Portugal 2000-2005, 25 edifícios do século XXI; 2005) – onde, através de um panorama anormalmente diverso, a arquitectura nacional se mostrava por temas até então pouco ligados à identidade arquitectónica portuguesa tal como habitualmente a vemos ser reconhecida fora de portas – desta vez, a autora opta por um discurso mais consentâneo com aquilo que vem sendo a posição da Ordem dos Arquitectos em relação aos valores identitários da cultura arquitectónica em Portugal. E, para a Ordem, esses valores são claros: “apresentar a produção arquitectónica [portuguesa] como uma polarização entre a lírica [ou a poética, como preferiu chamar-lhe Ricardo Carvalho em Portugal Fora de Portugal] da Escola do Porto e o pragmatismo profissional de Lisboa […] que não exclui a tradição própria”, usando aqui as próprias palavras de Milheiro, na já referida 2G.

Se esse facto não fosse por si só revelador da tendência, por parte da Ordem dos Arquitectos, em acreditar na defesa dessa ideia de resistência poética para a arquitectura portuguesa; poderíamos sempre acrescentar um infindável rol de ocasiões em que a tradição, suportada por alguns, poucos, mestres, personifica cada vez mais a cultura arquitectónica nacional visível fora de portas. Vejamos: a apresentação da candidatura aos Prémios da União Internacional de Arquitectos, em 2005, onde figuram autores como Siza ou Carrilho da Graça. E a tendência, generalizada, em usar os mesmos paradigmas nas representações nacionais às Bienais Ibero-Americanas de Arquitectura e Urbanismo (BIAU). Ou mesmo as nomeações para as obras que iriam representar o nosso país nos Prémios de Arquitectura Contemporânea da União Europeia – Mies van der Rohe.

Poder-se-ia, claro, defender a ideia que as obras portuguesas constantes nesses eventos correspondem, em grande parte, aos melhores exemplares da arquitectura feita por autores portugueses. No entanto, por detrás destas escolhas, revela-se uma constante: a própria Ordem dos Arquitectos. Assim, para além do normal papel de interlocutor com as instituições internacionais ligadas à arquitectura, a Ordem dos Arquitectos tem vindo, com crescente empenho, sobretudo a partir do final da década de 90, a chamar a si, directamente, o papel de decisor sobre as políticas de divulgação da arquitectura nacional fora de Portugal, através de alguns dos seus responsáveis; cujos nomes surgem constantemente associados a tais eventos, bem como as suas opiniões sobre aquilo que é de facto a arquitectura portuguesa. Dessa forma, a responsabilidade de mostrar os frutos da criação arquitectónica nacional, junto às Bienais Ibero-Americanas, seria entregue a Ana Tostões, em Madrid (1998), na Cidade do México (2000) ou no Chile (2002); depois, a Gonçalo Byrne, em Lima (2004); a João Rodeia, em Montevideo (2006); e, finalmente, a Ricardo Carvalho, já em Lisboa (2008). Se, aparentemente, a designação dos comissários coincide, genericamente, com uma interpretação algo invariável dos conteúdos que se iriam mostrar ao longo das Bienais Ibero-Americanas; mais curiosa se torna a análise dos nomes dos responsáveis pela selecção das obras que irão representar Portugal nos Prémios Mies van der Rohe: Ana Tostões, em 1999, 2001, 2003, 2005, e Ricardo Carvalho, em 2008.

Ricardo Carvalho e Ana Tostões partilharão até, em determinado momento, responsabilidades por uma outra representação portuguesa oficial: neste caso, Portogallo 1990/2004, inaugurada na Trienal de Milão, em 2004; acompanhando a visita do então Presidente da República, Jorge Sampaio, a Itália. Portogallo 1990/2004, comissariada por Victor Mestre, com obras de Siza, Souto de Moura, Carrilho da Graça ou Aires Mateus, detém-se exactamente sobre os resultados da produção arquitectónica da última década do século XX. Aí, Ricardo Carvalho, sub-comissário da exposição, diz-nos: “da diversidade do conjunto [de obras expostas] importa ressaltar o abandono das cauções da Escola e uma disponibilidade total aos códigos expressivos da produção internacional, num evidente afastamento do carácter lacónico que marcou o olhar sobre a arquitectura portuguesa divulgada fora de portas” (no catálogo respectivo). Ana Tostões, no mesmo catálogo, confirma a pretensão de Carvalho: ”Evocar os últimos 15 anos de produção arquitectónica portuguesa […] implica uma mudança de ênfase […] porque os conceitos são mais fortes que as formas”. Contrariamente às teses de Carvalho / Tostões, na leitura que se faz, retrospectivamente, dos conteúdos da tal exposição, não se lê qualquer tipo de “afastamento do carácter lacónico”, e muito menos “conceitos mais fortes que as formas”. Aliás, a inclusão de projectos de Távora, João Mendes Ribeiro ou Nuno Brandão Costa confirma exactamente o tom lacónico da mostra. Se, para Tostões, os conceitos desses projectos são mais fortes do que as suas formas, então Tostões aparenta um distanciamento (poético?) àquilo que em 2004 era o tom da produção arquitectónica no resto da Europa; o que de resto minimizaria as possibilidades de sucesso de Portogallo 1990/2004.

Evidentemente que o que está aqui em causa não é tanto a singular repetição de nomes para o desempenho do cargo de comissário ou a respectiva selecção de obras e/ou autores a serem mostrados no estrangeiro; mas sobretudo a ausência de qualquer tipo de alternativa à visão e aos valores que todos esses nomes, de certa forma, comungam. Porque embora nem todos estes eventos sejam acompanhados de textos que nos permitam clarificar os critérios subjacentes à escolha que se vai fazendo das obras portuguesas que veiculam a cultura arquitectónica nacional a dado momento; verdade é que o leque da abrangência dos conteúdos dessas exposições é de certa forma restrito; lembrando, de soslaio, os conteúdos de Portugal Fora de Portugal. Aliás, se há alguma ideia continuada, transversal à maioria das obras que iriam constar dos catálogos das BIAU’s, é exactamente a referência ao tal posicionamento poético tão caro a Ricardo Carvalho; mas também o uso, recorrente, de palavras-chave como “tradição”, “herança”, ou então “um saber inseparável do conhecimento geográfico e topológico, sempre sensível às lógicas, matrizes, modelos e temas dos territórios em que opera. É um fazer em e de projecto, processual e contextual na procura de sínteses simples, precisas e possíveis, em que o novo não é frivolidade nem qualquer obsessão e em que a ‘linguagem’ é menos pretexto que resultado”. As palavras, aqui, não são de Carvalho; mas de (um excerto de uma conferência dada por) João Belo Rodeia em Montevideo (V BIAU, 2006), intitulada: Ritos antigos e caminhos novos: obras recentes de uma Arquitectura Portuguesa Contemporânea. [www.tinyurl.com/lop7j5]

A conferência de Rodeia, que exerce actualmente o cargo de Presidente da Ordem dos Arquitectos, apresenta-se como a melhor ilustração daquilo que caracteriza, condiciona também, a imagem pela qual a arquitectura portuguesa tem vindo a ser mostrada no estrangeiro. Não é que a tese de Rodeia não seja coerente, de alguma forma, extraordinária. O pensamento do autor é detentor de uma visão consequente, legítima, da realidade arquitectónica erudita em Portugal. Nele conseguimos ler a perseguição de uma constante que o autor tem vindo a alimentar, e a ser alimentado, desde os tempos, já longínquos, em que escrevia sobre arquitectura n’O Independente; e cuja síntese iria ser vinculada pela exposição Geração de 90, comissariada pelo próprio, organizada pela Ordem dos Arquitectos em 2000. Nessa ideia, claro, inscrevem-se práticas de vários arquitectos. Os mesmo arquitectos cuja presença será, a partir daqui, uma constante nas mostras portuguesas para as Bienais Ibero-Americanas, nas selecções nacionais aos Prémios Mies van der Rohe, em publicações ou colectâneas internacionais sobre arquitectura portuguesa, em múltiplas exposições, debates, seminários e conferências que, um pouco por toda a parte, vão acontecendo.

A questão começa a revelar-se problemática, até porque, com excepção de casos notáveis como são os de Siza, Souto de Moura ou Aires Mateus – esses nomes que Hans tão bem conhece –, poucas (ou nenhumas) obras constantes desses eventos internacionais granjearam qualquer tipo de visibilidade para a arquitectura portuguesa. Um exemplo?: a escolha da (inconsequente) Casa Unifamiliar de Jorge Sousa Santos como obra concorrente à melhor obra da Bienal Ibero-Americana de Arquitectura 2006; exactamente no mesmo ano em que jovens autores portugueses nos ofereciam obras bastante mais profícuas, sem serem, ainda assim, demasiado provocadoras para tão conservador júri: a Casa dos Cubos, a Gruta das Torres, ou a Casa do Gerês; só para citar algumas. Nesse sentido, mais do que apenas veicular uma ideia de arquitectura, as escolhas das obras nacionais que integram as várias exposições e prémios internacionais, centradas em tão pouca gente, revelam, na verdade, a perda de oportunidades para a arquitectura portuguesa.

Há aqui, aparentemente, um paradoxo. Veja-se: os mecanismos que fomentam a divulgação de um modelo institucional para a arquitectura nacional são, na última década, invariáveis. E, no entanto, as alterações observadas, nesse mesmo período, na sociedade portuguesa, imprimem necessariamente um alargamento das próprias problemáticas envolvidas na criação arquitectónica, criando campo para a sua diversificação; fenómeno esse, aliás, cada vez mais presente em obras de autores nacionais. Nesse sentido, sendo hoje os contextos diferentes daqueles que fizeram emergir autores como Siza, Souto de Moura ou Aires Mateus, as obras produzidas, nos últimos anos, por um cada vez maior e mais diversificado conjunto de autores nacionais deveria reflectir-se na própria alteração dos paradigmas vigentes e, claro, no modo de os interpretar, veicular, e difundir. No entanto, o paradoxo é, aqui, uma aparência apenas. O espaço para o surgimento de novas atitudes, de novas ideias ou de novas respostas é, em Portugal, como para qualquer país periférico, com pouca massa crítica e escassos recursos, muitíssimo condicionado pela sua própria dimensão; o que dificulta a transposição de valores tidos, numa dada altura, como certezas. Repare-se que são raros os casos de autores nacionais cuja obra é reconhecida pela ruptura com valores instituídos; e aqueles que existem devem-no, sobretudo, à exploração de áreas até então pouco ou nada consideradas pela cultura arquitectónica. Casos há até em que o processo de maturação de autores cujas primeiras obras, naturalmente falhadas, constituíram ainda assim momentos de excepção para a arquitectura nacional, passa pela reinscrição em valores que contrariam essas primeiras experiências; pondo de parte a hipótese da sua exploração; tudo isso em nome da aceitação institucional da sua obra. Depois há ainda esse outro fenómeno, típico também de países de pequena dimensão, que é a despudorada promiscuidade no desempenho de papéis distintos. Raro é, por exemplo, um comissário de uma exposição que não tenha, ele próprio, ambições enquanto autor. Poucos são os críticos nacionais que desempenham esse papel sem o serem simultaneamente arquitectos. E vários são os momentos em que vemos o comissário de uma exposição integrar, logo de seguida, outra exposição; desta vez representando o papel de autor. Embora, na última década, se tenha assistido a um aumento exponencial do número de arquitectos formados em Portugal; os mecanismos de divulgação da arquitectura portuguesa são redutores dessa realidade. O fenómeno de divulgação da arquitectura nacional, quer em Portugal, quer no estrangeiro, torna-se dessa forma estagnado. Improdutivo, portanto.

Voltemos a Veneza, e ao nosso Hans, dois anos depois da famigerada Lisboscópio. Lá está outra vez Ana Vaz Milheiro, liberta agora das suas responsabilidades para com a Ordem dos Arquitectos, desempenhando o papel de jornalista especializada em arquitectura, no jornal Público. O resultado: Souto de Moura a afirmar, em letras redondas, como que gritando nas primeiras páginas do suplemento cultural do dito diário: “isto [da representação portuguesa oficial a Veneza de 2008] vai ser um pequeno escândalo!” [www.tinyurl.com/ldzyyf].
De certa forma, Souto de Moura acerta na mouche, se bem que em sentido diametralmente oposto àquilo que se adivinha serem as suas próprias intenções. O pretexto [da declaração de Souto de Moura]: Cá Fora: Arquitectura Desassossegada; isto é: a representação nacional à Bienal de Veneza de 2008, organizada em torno do tema lançado por Aaron Betsky – Out There: Architecture Beyond Building. Para a organização da representação portuguesa à 11ª Bienal de Veneza, a Direcção-Geral das Artes, sob o comando de Jorge Barreto Xavier (que entretanto viera substituir Paulo Cunha e Silva), convida dois insuspeitos intelectuais: José Gil e Joaquim Moreno. José Gil dispensa, claro, apresentações. Considerado um dos mais proeminentes pensadores da condição portuguesa Fin de Siècle, Gil é responsável pelo ensaio que mais eco teve na definição do homem luso nos últimos tempos: Portugal Hoje, ou o Medo de Existir. Por outro lado, Moreno, académico, saído da Faculdade de Arquitectura do Porto, co-editor da saudosa revista de contra-corrente urbana In-Si(s)to, com estudos em Princeton e experiência académica na Columbia. Esperava-se, claro, da dupla, não mais do que uma visão exterior da produção arquitectónica mais recente em Portugal. Uma visão capaz de abranger pontos de vista deslocados da disciplina, mas fortemente concentrados na sua essência, vinculada, claro está, à identidade portuguesa. O resultado de tamanha ambição: “não um edifício, não uma instalação, não uma construção/escultura” mas “um emblemático” [www.tinyurl.com/n8x2v5] de… Souto de Moura. O autor aparece, desta vez, emparelhado com Ângelo de Sousa; dando porventura continuidade ao mote transdisciplinar da Direcção-Geral das Artes, inaugurado anos antes por Paulo Cunha e Silva. Souto de Moura não confirma, claro, tal ponto de vista, quando rejeita qualquer ligação entre arte e arquitectura: “Não acredito numa arquitectura adjectivada. A arquitectura tem de ser arquitectura.” afirma o autor, para logo dizer “[…] mas pode ter conexões com outra coisa”, reforçando “que quanto tem essa pretensão [de relacionar arte e arquitectura] o arquitecto é cem por cento pretensioso” [www.tinyurl.com/mucy9r]. No entanto, José Gil assume, aparentemente, a pretensão de Souto de Moura, quando nos explica a obra da dupla: “o plano de criação [de Cá Fora: Arquitectura Desassossegada] mostra o desenrolar do plano de imanência, através da absorção de uma série de elementos do exterior, que entram em caos na antecâmara, e se vão reverter à medida que entram os visitantes.”

Pretensões à parte, certo é que Arquitectura Desassossegada passa despercebida a Hans, como a quase todos os outros visitantes arquitectónicos de Veneza; porventura, por reflectir em demasiado a paisagem lacustre que a rodeia. Ana Vaz Milheiro será das poucas a ler, na obra de Souto de Moura / Ângelo de Sousa uma referência puramente disciplinar, ao citar I am a Monument de Venturi; possivelmente conduzida por um esquiço do próprio Ângelo de Sousa. E, no entanto, observa-se um claro e emotivo envolvimento da cultura arquitectónica portuguesa na proposta de Gil / Moreno / Souto de Moura / Ângelo de Sousa; resumida nas curtas palavras que um outro crítico e comissário de arquitectura nacional – Jorge Figueira – escreve, à mão, no livro de visitas da exposição: “Parabéns Sempre! Bravo Eduardo”. [www.tinyurl.com/kp4hv4]

A adesão de Jorge Figueira à Cá Fora é curiosa, sobretudo se nos recordarmos das suas posições sobre arquitectura portuguesa; quando, com razão, o autor critica a Ordem dos Arquitectos por pouco fazer pela difusão internacional da mesma [A nossa arquitectura está em “mupis”, a de Espanha está no MoMA]; ou, mais recentemente, quando Figueira lê (com maus olhos), esse instinto que faz com que o “[…] o arquitecto português queira ser artista.” [www.tinyurl.com/dnxcps]
Evidentemente que Figueira teria tido responsabilidades anteriores na divulgação da arquitectura nacional fora de portas; ou não tivesse ele próprio sido responsável, a par de Nuno Grande, por uma das últimas exposições antológicas da arquitectura portuguesa: Europa - Arquitectura Portuguesa em Emissão, inaugurada previamente na Trienal de Arquitectura de Lisboa (2007), e só depois enviada para a 7ª Bienal de Arquitectura de S. Paulo. Alguns dos nomes relevantes da exposição: Eduardo Souto de Moura, Álvaro Siza Vieira, Carrilho da Graça ou Gonçalo Byrne. A descrição do seu conteúdo não podia ser menos surpreendente, obrigando-nos, aqui, a usar as palavras em português do Brasil, de modo a prender a atenção do leitor: “A mostra portuguesa introduz a produção arquitetônica como objeto que reflete uma idéia de Europa, em que a adesão de Portugal à Comunidade Européia se destaca como momento fundamental na mudança da sua relação com o continente em que, geograficamente, se situa. Utilizando a imagem televisiva como fio condutor metafórico, a exposição divide-se em três partes. Na primeira, Eurovisão, onze edifícios testemunham o processo de passagem e transformação da coisa moderna em coisa portuguesa, entre 1955 e 1985. Em seguida, Euronews apresenta uma síntese da arquitetura atual, indexada pelas cidades, dentro e fora da Europa, onde os diversos projetos se localizam. Já na terceira parte, com o filme-instalação Cinema Português, aborda-se a relação de Portugal com os demais países da Europa, a partir do final dos anos 1980, com base em quatro grandes projetos – o Centro Cultural de Belém, a Exposição Internacional de Lisboa ’98, os Estádios de Futebol para a Eurocopa, e a Casa da Música”. [www.tinyurl.com/m97m36]

Mais uma vez, não se registam propriamente grandes consequências internacionais de Europa; talvez porque o Centro Cultural de Belém, ou os Estádios de Futebol para a Eurocopa não digam muito a Hans; como nada dizem, aliás, a todos aqueles que se interessam, de facto, por uma cultura disciplinar verdadeiramente empenhada em fazer da arquitectura um instrumento de cultura e de pensamento.

Analisar, assim, de forma ligeira, superficial até, as representações portuguesas de arquitectura no estrangeiro, revela, claro, fragilidades. Por detrás de cada um dos eventos sobre os quais nos debruçamos haverá, porventura, um prezável empenho que faltou referir. Consequências que não soubemos aferir. Ou interpretações a que fomos insensíveis. Não é que cada uma destas exposições não tenha, a seu modo, atentado a qualidade da produção nacional, dos seus autores, e das obras, poucas, que temos vindo, colectivamente, a saber construir. Admitimos, pois claro, as qualidades de cada uma delas. Portugal Fora de Portugal, como muitas outras exposições por nós referidas é, aliás, uma mostra eficaz, equilibrada, de certo modo demonstrativa dos valores pelos quais a arquitectura tem vindo a constituir-se como real valia para a identidade cultural portuguesa; o que nos levará até a aconselhar a sua visita, aproveitando o facto de a mesma ter recentemente inaugurado em Lisboa. Não há, claro, nada de extremamente errado em Portugal fora de Portugal. Como não o há em qualquer um dos eventos que tivemos oportunidade de fazer referência ao longo deste texto.

No entanto, olhando para o conjunto desses eventos, talvez possamos compreender de forma clara um facto menos positivo: o resultado, hoje, do investimento feito na última década na divulgação da arquitectura portuguesa é pouco mais que irrelevante. É inconsequente. Inútil.
Porquê? Porque a forma como o foi feito é, genericamente, autista. Pouco esclarecida. Nada curiosa. Nem arriscada.
Não se trata aqui, evidentemente, de pôr em causa o empenho de todos aqueles que, de uma ou outra forma, se viram envolvidos em cada uma dessas exposições; nem mesmo o sentido ideológico que cada qual terá optado por fazer cumprir a determinado momento. Mas, se alguma coisa se pode agora concluir, é que a constância pela qual se vem pautando a divulgação da cultura arquitectónica nacional acarreta consequências extremamente negativas para o próprio progresso disciplinar em Portugal.

São dois os factores que estão em causa, aqui. O primeiro prende-se com a forma como está a ser registada a história recente da arquitectura: pouco ampla, nada heterodoxa, redutora até. Não há qualquer registo de nomes portugueses emergentes no panorama internacional na última década; e se os há, eles nada devem à política oficial de divulgação tal como tem sido exercida. A segunda revela-se no bloqueio, sistemático, à necessária abertura da arquitectura portuguesa a outros campos de desenvolvimento; escassos – é certo – mas porventura bem mais produtivos no contexto internacional do que a contínua reafirmação de valores que toda a comunidade arquitectónica – corporizada, por nós, em Hans – reconhece, e valida. De certa forma, a insistência nos nomes de Siza, Souto de Moura ou de Aires Mateus – autores que não necessitam propriamente de plataformas oficiais de divulgação para verem as suas obras reconhecidas, dentro e fora do país – equivale à desistência de outros nomes, hoje pouco importantes, é certo, mas cujo desenvolvimento futuro dos seus percursos profissionais poderia trazer motivos acrescidos de interesse para o panorama arquitectónico, nacional e internacional.

Ser comissário de uma exposição internacional é, primeiro que tudo, uma oportunidade. Uma oportunidade de demonstrar um ponto de vista único, singular, sobre um determinado tema ou conteúdo; que possa vir a ser reconhecido como paradigmático, produzindo necessárias consequências disciplinares.
Ser comissário de uma exposição internacional é, também, uma responsabilidade. Uma responsabilidade em transformar uma obra, ou um conjunto de obras, um autor ou um conjunto de autores, num veículo de divulgação da cultura nacional; contribuindo para a sua consolidação, externa e interna.
Ser comissário de uma exposição internacional de arquitectura constitui, por isso, uma oportunidade e uma responsabilidade disciplinares; que possibilitam, ambas, pôr em prática argumentos que venham a tornar-se consequentes para a arquitectura; trazendo, na volta, actos ou factos que permitam o desenvolvimento interno de novas formas de pensar, e de outras formas de olhar para as questões que emergem da prática do seu quotidiano. E, no entanto, julga-se que essa consciência tem sido deixada de parte vezes de mais.

Poder-se-ia, claro, em última análise, dar razão a todos aqueles que argumentam que as exposições de arquitectura só mostram a (melhor) arquitectura que existe. É um facto: Siza, Souto de Moura ou Aires Mateus serão exemplos de autores que praticam arquitectura excepcional em Portugal. Irão, claro, continuar a fazê-lo, dentro ou fora do país, sobretudo se a sua obra for constantemente validada por eventos oficiais. Até aqui, nada teremos a opor, mesmo que não acreditemos que a arquitectura portuguesa possa subsistir nas entrelinhas da visibilidade que esses (e outros, poucos) arquitectos lhe têm trazido. E, no entanto, as consequências, para a cultura arquitectónica nacional, de se ver constantemente enquadrada nos mesmos paradigmas, operam de facto uma redução das suas possibilidades reais.

Nesse sentido, não haver hoje, mais e melhor arquitectura portuguesa, corresponde, em parte, a essa falha presente em todas as formas que se encontraram de a divulgar. Porque, se ao invés de a aposta naquilo que é certo, fosse feita na dúvida ou na incerteza, talvez Hans se interessasse hoje mais pela arquitectura portuguesa. Quase todos estes eventos têm, retrospectivamente, um factor que lhes é comum: nada souberam criar. Quando o fizeram (Lisboscópio, Entrada de Emergência, Cá Fora), envolveram-se em efabulações pouco objectivas, e nada consequentes. Temo pois confirmar a tese de José Gil: (a arquitectura em) Portugal tem medo de existir. Tem medo de se reinventar. De se ultrapassar. De olhar para o passado de forma descomprometida. E de encontrar o seu caminho. Um caminho mais consentâneo com aquilo que lhe é exigido, disciplinar e socialmente.

Enquanto isso não for uma realidade, Hans-Jürgen Commerell vacilará, sempre que lhe perguntarem algo sobre arquitectura portuguesa contemporânea.



Pedro Machado Costa
Pedro Machado Costa (1972). Licenciado pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (1996), Mestre em Cultura Arquitectónica Contemporânea pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (2004). A sua formação académica passa ainda pela Technische Universiteit Delf e pela École d’Architecture Paris-Conflans. Cria em 1997, com Célia Gomes, o a.s* - atelier de santos [www.projects.as]. É nessa condição que participa na Representação Oficial Portuguesa à IX Bienal de Arquitectura de Veneza, em 2004; ou na IV Bienal Ibero-Americana de Arquitectura, em Lima. Foi responsável pela organização das exposições de arquitectura L’Atalante, e A Casa Portuguesa, ambas em 2005. Tem textos publicados em revistas e livros de arquitectura, e mantém o Blog Quando as Catedrais eram Brancas [www.tinyurl.com/nnjhb8]