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MÁRIO TEIXEIRA DA SILVA ::: MÓDULO - CENTRO DIFUSOR DE ARTE


Mário Teixeira da Silva é galerista. Abriu a Módulo em 1975, no Porto. Em 1979, veio para Lisboa. Como não poderia deixar de ser, o momento de formação do seu projeto, a entrada na fase contemporânea da arte portuguesa, a história da atividade galerística, bem como os aspectos mais significativos do nosso meio artístico, foram abordados nesta longa entrevista. A atualidade, o momento de mudanças por que passamos, e as perspetivas de futuro, também não escaparam ao conjunto de assuntos comentados.

Lisboa, 9 de outubro de 2012
Por Sandra Vieira Jürgens


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P: Abre a Módulo em 1975, no Porto. Como é que toma a decisão de abrir um espaço galerístico nessa altura?
R: Estive em Inglaterra durante algum tempo e quando regressei tinha duas hipóteses: ou iria trabalhar na área da museologia ou pura e simplesmente regressava a Inglaterra. Esse momento coincidiu com o surgimento do Centro de Arte Contemporânea (CAC) do Museu Nacional de Soares dos Reis (MNSR) e a Etheline Rosas e o Fernando Pernes convidaram-me a trabalhar com eles. Todavia a situação daquele centro era extremamente complexa. O seu estatuto era o de um empréstimo muito oportuno da parte da diretora do MNSR, tendo em conta o momento revolucionário que se estava a atravessar, mas a sua existência não deixava se ser incerta pelo que aquela situação não me garantia futuro nenhum.

Trabalhar no Porto também não era fácil e a própria decisão de abrir um espaço foi muito complicada. Naquele momento olhava-se com muita desconfiança para a relação entre a arte e o negócio, o que era talvez fruto de uma certa utopia dos anos 70 que marcou a minha geração, e isso fazia-me também alguma impressão, ao ponto de viver um pouco desconfortável com a ideia. O país também estava a viver um momento muito especial no pós 25 de abril e o mercado de arte tinha deixado praticamente de existir. A maior parte das galerias, ou melhor dizendo, as poucas que existiam, já nem sequer faziam exposições.

Mas duas ou três pessoas não deixaram de me desafiar com a ideia de eu abrir uma galeria. A certa altura, nas várias conversas à volta deste “drama”, houve mesmo alguém que me disse: “Tente, se não der ao fim do mês, fecha”. O facto é que a ideia começou a germinar na minha cabeça e havia a hipótese de ter disponível um espaço. Uma casa que era da minha avó, na Avenida da Boavista, e que estava vazia, havendo inclusivamente todo o interesse em dar-lhe um destino já que se vivia um período de ocupações. Foi assim que entrei numa plataforma de entendimento com a família.

Ainda assim, encarei sempre esta experiência como temporária, e isto durante os anos seguintes. Não pensava vir a ser galerista e continuava com aquela utopia de que a associação da arte e dinheiro não iria dar certo ou que eu não me entenderia com ela. Mas havia realmente a vantagem de eu estar a fazer o que me dava prazer. Antes disso, já havia feito duas exposições na Árvore e mais duas ou três mostras numa galeria que hoje já não existe. E tinha algumas ideias que poderia ser engraçado pôr em prática. Todavia penso que as pessoas não estavam completamente convencidas da viabilidade do meu projeto. Por exemplo, em torno da cooperativa Árvore havia muita discussão política, uma discussão à volta do sexo dos anjos para a qual eu tinha pouca paciência. Não me interessava estar a discutir esse tipo de questões completamente áridas.

Conclusão, tudo isto fez com que eu experimentasse abrir a galeria em maio de 75 com uma programação totalmente diferente em relação àquilo que era visto até essa altura nas galerias de Lisboa e do Porto. Foi uma grande machadada, uma bomba que rebentou, precisamente num momento em que o mercado estava reduzido a zero. Por um lado, abri com exposições de artistas ingleses, mostrei fotografia, tendências dos anos 70, e não aquilo que era visto em Portugal, artistas da Escola de Paris, do grupo Cobra dos anos 50... Por outro lado, não mostrei obras de artistas que já estavam no circuito expositivo, o que também contribuía para tornar aquele projeto qualquer coisa de “estrambólico” e de “aberrante”. Surgiram até situações curiosas. A certa altura alguém brincou mesmo com a situação. Visto que a situação era de domínio da esquerda em Portugal e eu tinha a galeria quase em frente à sede do Partido Comunista no Porto, perguntaram-me se eu não seria subsidiado pelo Partido [risos]. Um colega que já não está entre nós, vinha muitas vezes à galeria ver as exposições e um dia acontece que, estando eu na galeria sem que ele soubesse, oiço a conversa: ele faz exposições com estes estrangeiros porque fala inglês! Esta era a realidade do país naquela altura.

P: Tenho uma certa curiosidade pela escolha do nome “Módulo - Centro Difusor de arte”. Como surge?
R: O nome deve-se à minha formação em museologia e de ter muita vontade de ampliar o olhar das pessoas e rebentar os esquemas estereotipados.

Naquela altura havia muito a associação do nome da galeria ao nome da pessoa e a ideia de chamar ao espaço ‘Galeria Mário Teixeira da Silva’ não me parecia a mais adequada.

O nome “Módulo” vem de modelo e “Centro Difusor de Arte” traduzia essa vontade e necessidade de divulgar as exposições da forma que era possível. Já com a galeria aberta fiz uma série de exposições itinerantes pelo norte e centro do país e a minha ideia era na realidade levar as mais variadas formas de arte ao contacto com uma população, mais ou menos informada, ou mais informada do que formada.

P: Mas encarava o projeto como um espaço cultural ou como uma galeria? Porque é, de certa forma, um género híbrido?
R: Um género híbrido neste sentido, em que de facto, até aos anos oitenta, não aceitei que iria ser galerista e havia uma ambiguidade em relação ao que iria ser.

É também preciso ver que aquele era um momento de grande entusiasmo, apesar de todo o caos que se vivia. Era um momento de crise, mas uma crise que não era pessimista, não era depressiva, mas construtiva. E percebi que para levar o barco a bom porto teria que funcionar isoladamente, ou seja, abrir a galeria. Mas era um teste em tempo limitado, até porque houve um período − eu abri em 1979 em Lisboa − já nos anos 80, em que recebi uma bolsa na área de museologia para ir para os Estados Unidos, e a prova é que interrompi temporariamente a atividade da galeria, durante alguns meses, para ir. O meu objetivo não era fazer isto para o resto da minha vida.

P: Mas desagradava-lhe a orientação mais comercial ou achava que o clima de desconfiança em relação ao mercado era grande?
R: O Porto era uma cidade, como ainda é hoje, extremamente burguesa e muito conservadora e, nessa medida, sabia, logo à partida, que não teria público para as iniciativas que queria desenvolver. De resto, um dos aspetos com que me preocupei inicialmente foi em criar uma secção de livros, catálogos e revistas − como a Artforum, a Flash Art, a Art Press − que não se encontravam nas livrarias nacionais. Entrei em contacto com as editoras e passei a distribui-las em Lisboa e no Porto, o que veio a acontecer durante alguns anos. A minha ideia era realmente dar informação às pessoas que me visitavam e ao mesmo tempo criar condições de apoio para o que estava a fazer. Não queria que as pessoas olhassem para mim como uma ave rara, como alguém dedicado a umas coisas estranhas, aberrantes, que não tinham qualquer fundamento. Como dizia o Francisco Paulino, eu era um vanguardista e mediante isso, tinha que fazê-las compreender que estava apenas a mostrar as últimas tendências da arte internacional. Como nunca gostei de trabalhar com artistas já com um percurso expositivo, também sabia que essa era uma via mais ingrata e que implicava assegurar-me do máximo de utensílios para fazer ver às pessoas que esse era o caminho que a arte estava a seguir. Há este lado muito didático na primeira fase da galeria.

P: Como era nesse momento o meio cultural do Porto? Quais eram as suas referências? O Centro de Arte Contemporânea? Que galerias eram importantes nessa época?
R: Havia a Galeria Alvarez e os Encontros Internacionais de Arte, a Zen, a Dinastia, que eram as galerias mais ativas no período antes do 25 de abril. Na fase posterior, era a Dois. Uma coisa curiosa com que me deparei, quando o Fernando Pernes me convidou a trabalhar no Centro de Arte Contemporânea, numa função logística, foi que não havia programação definida. E muitas das exposições que foram feitas no ano em que lá trabalhei, nem chegou a um ano, foram sugeridas por mim. Estou a falar da exposição do Jochen Gerz, de A fotografia como arte, a arte como fotografia... A década de setenta foi um momento muito importante para a fotografia na medida em que ela entrou no mundo das artes plásticas, nas universidades e nas escolas de arte e passou a ser utilizada, numa primeira fase, mais como utensílio pelos artistas e foi essa tendência que eu mostrei.

P: Portanto a base era o conceptualismo?
R: Eram tendências mais pós-conceptuais, em que havia muito a ligação entre o texto e a imagem ou interrogações sobre a linguagem e sobre a imagem. É nesse período que eu surjo.
Por outro lado, nunca compartimentei os usos da fotografia. Para mim, a fotografia que se via no mundo das artes plásticas tinha tanto interesse como a chamada “straight photography”. Desde o início, cruzei sempre exposições de fotografia pós-conceptual com obras de outros artistas dos anos 50, 60 e 70, sobretudo da fotografia americana, que eu achava serem uma forma de arte e que em Portugal não tinha lugar no circuito das artes plásticas.

P: Quem eram para si as maiores referências no meio artístico português, em termos de atividade cultural, curatorial, crítica? E digamos, qual era o seu grupo de parceiros?
R: Tenho que reconhecer que na altura, quer o Fernando Pernes − que me deu um grande apoio, ainda muito antes − quer o Ângelo de Sousa, o Alberto Carneiro e o Eduardo Batarda foram muito importantes. No Porto existiam jornais, comerciais e locais, mas eram completamente avessos a estas tendências e havia depois o Diário de Lisboa onde escrevia a Helena Vaz da Silva. E de facto a primeira referência positiva à galeria foi o artigo/entrevista da Helena Vaz da Silva. Foi a partir desse momento que comecei a ter mais eco na imprensa lisboeta do que na imprensa do Porto, que era extremamente fechada. E claro, havia também uma série de pessoas, que mais tarde viriam a formar a base de apoio da Fundação Serralves, de quem também recebi suporte: médicos, advogados, arquitetos que passaram a frequentar a galeria com assiduidade e que permitiram que o projeto vingasse. Eu tinha os pés assentes na terra e tinha que vender alguma coisa para pagar as despesas. Não tinha outra forma de manter o projeto com vigor.

P: O que significou a Alternativa Zero em 1977? A seu ver, que influência teve no panorama português e sobretudo na atividade galerística?
R: O Ernesto de Sousa teve um papel importante na medida em que defendia e chamava à atenção para aquilo que estava a acontecer nas artes nacionais e internacionais. A Alternativa é o computo desta situação toda. Eu colaborei com a montagem da exposição e inclusive alguns dos artistas que eu tinha mostrado integraram o lote de artistas da Alternativa Zero.

De alguma forma, a Alternativa foi um chamar de atenção para uma nova situação. Mas não nos podemos esquecer que Portugal foi sempre um país muito reativo a tudo o que é novo. Ainda assim, no mundo lisboeta vivia-se uma realidade que não tinha nada a ver com o resto do país. O Centro de Arte Contemporânea do Porto teve um papel importante mas para consumo de uma minoria. Já sabemos que a arte é para uma minoria, mas naquele caso era mesmo uma minoria. Havia uma grande resistência inclusive dentro do Museu Nacional Soares dos Reis. Lembro-me de ter uma longa discussão com uma conservadora do museu que estava completamente furibunda pelo facto da Diretora ter cedido o andar nobre do museu, ao CAC, e ter realizado ali certas exposições, como a antológica do Alberto Carneiro e uma exposição sobre erotismo que foram fortemente contestadas na imprensa, pelo Comércio do Porto, pela ousadia e aberração. “Palha no Museu”! Isto dizia-se em relação à obra de Alberto Carneiro.

P: Regressando à Alternativa Zero e à sua influência na atividade galerística. Na continuidade surge a Galeria/Cooperativa Diferença e o Mário abre a Módulo em Lisboa, em 1979. E quais seriam as consequências da Alternativa para a década de oitenta?
R: Há uma abertura de determinados espaços a estas novas tendências. Ocorre um certo reconhecimento. Vamos pensar por exemplo na Quadrum. O que foi a Quadrum antes e após o 25 de abril? Há que reconhecer à Dulce d’Agro, ter percebido que não tinha condições para manter a galeria com uma programação que estava de acordo com a sua forma de pensar e de gostar, mais próxima da arte dos anos 50. Percebeu que estávamos a entrar num momento de abertura a novas tendências, o que não aconteceu com a Galeria 111 do Manuel de Brito, que se manteve sempre coeso em relação a uma pintura figurativa, muito marcada pelos anos 60.

P: Mas na Galeria 111 também se mostrou trabalhos experimentais de Melo e Castro, da Ana Hatherly...
R: Uma das coisas que eu verifiquei na altura é que havia algumas galerias com uma programação interessante mas que era feita por artistas. Lembro-me da São Mamede. Nos períodos áureos, era o Cruzeiro Seixas que a apoiava. Dizia-se que o Manuel Brito era também ajudado por artistas e ouvi falar de alguns. E conhecendo Manuel de Brito, teria de ser assim.

P: Quais eram?
R: O Fernando Conduto, o próprio Fernando Pernes, o Rui Mário Gonçalves, são nomes que ouvi mas não sei se é verdade ou mentira.

P: Decide vir então para Lisboa, em 1979. Como referiu, Lisboa era por essa altura um meio mais aberto que o do Porto. O que é que mudou?
R: Em Lisboa havia imprensa e também maior facilidade de comunicação com o exterior. Ainda assim, a minha primeira ida à Art Basel foi em 1977. Fui a primeira galeria portuguesa a ir. A Quadrum foi no ano seguinte.

Lisboa era assim o sítio ideal para estar. Todavia, repare, a galeria era no meu apartamento, metade era galeria, metade era habitação. Não sabia quanto tempo poderia resistir.

P: Uma verdadeira galeria alternativa?
R: [Risos] Lembro-me que quando fiz aquela instalação do Daniel Buren, gente bem sonante, afirmou que eu tinha transformado a galeria numa barraca de praia e que aquilo não era arte. E lembro-me que pelo facto de mostrar fotografia, um crítico conhecido da altura, disse-me: “É uma pena Mário, é uma pena essa história da fotografia. Isso não é nada”. Tive que fazer frente a isso.

Também reconheço que muitas pessoas estiveram ao meu lado e me acompanharam. Mas não tive ninguém de peso a trabalhar comigo. E repare uma coisa, embora eu soubesse o que queria fazer, sabia que naquele contexto não poderia ser uma galeria de tendência pois correria o risco de rapidamente esclerosar.

Por um lado, percebi através de outros exemplos internacionais que não era viável em Portugal seguir uma só via artística. Tinha uma imagem muito clara de percursos de outras galerias internacionais, como a Denise Renée, galeria que ficou fechada numa tendência artística, a Op. Por outro lado, achava mais interessante multiplicar e acompanhar uma variedade de perspetivas sobre a arte.

P: Vendo a arte portuguesa que se fez durante essa década de setenta, muita dela esteve representada na Alternativa Zero. O tipo de arte que se produziu teve a ver com a crise do mercado galerístico? Ou são fenómenos independentes?
R: Não sei, mas sinceramente não vejo este rebentar da bolha pós-conceptual, que culminou na Alternativa Zero, como estando relacionada com a crise do mercado. Estará certamente mais associada às condições sociopolíticas do país...

Algo que eu reparei é que o mercado estava realmente a zero, as galerias mais comerciais deixaram de fazer exposições. E a década de setenta, em Portugal, não é muito rica em criadores. Depois também senti que era uma arte muito masculina, feita por artistas que haviam passado pela experiência da guerra e que viveram um hiato muito grande entre o fim da sua formação e a entrada na vida ativa. Uma das grandes dificuldades que tive foi encontrar gente nova interessante.

Senti sempre que em Portugal, sobretudo na camada mais bem informada, uma grande dependência do que acontecia lá fora. Também me preocupou muito o percurso dos artistas. Eu sei que o país é ingrato para a vida de um artista mas sempre verifiquei que havia pouco profissionalismo e muito improviso por parte dos artistas. Havia muitas situações deste tipo: “No dia tantos vou marcar uma exposição na galeria tal. Vou começar a trabalhar com um mês ou dois de antecedência”. Faltava a atitude profissional que se exige a um artista. O atelier é um laboratório e havia muito pouca consciência disso entre nós. Não sei até que ponto essa postura não fazia com que muitos dos artistas portugueses, chegados aos quarenta anos, estagnassem e repetissem continuamente a mesma fórmula. A relação entre o artista e a galeria também foi uma questão com a qual tive de me debater.

P: Qual era o modelo em que funcionava?
R: Achei que o melhor era criar uma união de esforços entre o artista e a galeria. Tinha que haver uma ligação transparente, sendo que era eu a representar o artista. Não era possível estar a expor a sua obra e ao mesmo tempo ele estar a trabalhar no atelier, no mesmo sentido ou contra mim. Tive problemas desse tipo com alguns artistas em que nada se passava na galeria. As pessoas visitavam o espaço, tomavam notas, iam-se embora e a certa altura comecei a perceber que o faziam para depois irem comprar as obras diretamente ao artista.

P: Está a falar dos anos 70 e também dos anos 80?
R: Dos anos 70. Nos anos 80, a situação começa a mudar. Contudo, ainda tive problemas com alguns artistas no início dos anos 80, exatamente porque aquela não era a forma indicada de atuar. Sempre achei que havia um elo de ligação entre o atelier, onde estava o artista, a galeria, que divulgava a obra e o espaço público, onde se incluíam as instituições. O investimento numa feira de arte também era caro e difícil e, portanto, ou as relações eram claras ou então não funcionava de todo.

P: Do seu ponto de vista ao que se devia essa falta de profissionalismo?
R: O mercado português era muito recente e imaturo.

P: Nos anos 70, o José-Augusto França escreveu no Diário de Lisboa, no seu Folhetim artístico, alguns textos didáticos sobre qual deveria ser a atitude mais profissional dos artistas...
R: Exato. Quando nos anos 80, começo a mostrar a nova geração portuguesa saída da Faculdade de Belas Artes, também tive que enfrentar as opiniões dos ditos mestres sobre as galerias. Viam-nas como um tubarão que iria devorar o artista. Lembro-me perfeitamente de haver preleções aos jovens artistas para terem cuidado com as galerias, que eram umas exploradores.

P: Nessa década a situação vai mudando.
R: Surgem novas galerias e existe uma renovação. Com a Cómicos por exemplo. Algumas galerias que tinham estado fechadas, voltaram a abrir com exposições, como a S. Mamede e a 111.

Passa a existir uma certa atividade mas também uma grande disparidade. Se analisarmos a programação da Fundação Calouste Gulbenkian durante esses anos, é difícil perceber qual era a razão que motivava a escolha de algumas exposições. Havia grandes compromissos sociais e não se entendia porque é que num dia se via a exposição do senhor tal e passados dois meses a exposição da senhora embaixadora. Havia muito pouco profissionalismo em termos de orientação programática.

P: Considera que as galerias contribuíram para que a situação se modificasse?
R: Acho que sim, quer pelo profissionalismo quer pela abertura a novas tendências. Mas note, ainda estávamos sob o domínio da pintura figurativa. Nos finais de setenta e princípios dos anos oitenta, discutia-se ainda a questão da arte figurativa e da arte abstrata. Era um fenómeno completamente aberrante. Lembro-me de discussões fora de toda a razoabilidade sobre as cores que se deviam usar na pintura. Havia os ingleses que usavam muito aquela cor “pink”, que aqui era impensável aplicar em pintura. Recordo-me que quando mostrava fotografia dos americanos dos anos 70 surgia logo alguém a alimentar a discussão sobre as teorias da composição. Consideravam que aquilo não era fotografia. A respeito do Garry Winogrand, diziam que estava tudo de viés. Havia uma grande falta de informação, o que era grave.

Mesmo os professores de belas artes, diziam já ter visto tudo. Mas eu, que vinha de um estágio numa galeria em Inglaterra, havia tido contacto com uma outra realidade. Tinha assistido a visitas às galerias de alunos e de professores das várias escolas de belas artes londrinas e sabia que lá existia uma comunicação continua entre os vários polos do meio artístico. Aqui não.

Posso contar uma situação que me recordo. A Gulbenkian publicava a Colóquio Artes e havia a rubrica “Carta de Lisboa” do Rui Mário Gonçalves. Ora havia na altura um café perto do Cinema Monumental que era o Montecarlo, onde eu ia muitas vezes e encontrava o Rui Mário e várias outras pessoas que ali confluíam para conversar. O Rui Mário acompanhava-me por vezes até à galeria (na António Augusto de Aguiar) e na verdade nunca subiu as escadas. Não me caberia a mim estar a dizer “Então porque não sobe?” já que ele era o crítico profissional, o autor de uma rubrica que se chamava “Carta de Lisboa”, sobre as exposições que decorriam na capital. Já o José Luís Porfírio, que pertence à mesma geração, via todas as exposições. Acompanhava, tinha uma atitude diferente. Também tenho que render homenagem a uma outra figura, dada a posição que ocupava na Gulbenkian, que era o Fernando Azevedo. Ele sempre viu com muitos bom olhos a minha programação. Inclusive chegou a escrever alguns textos para alguns artistas, mas sempre na área da pintura, nada que fugisse disso.

P: Teve apoios da Gulbenkian?
R: Tive apoios para participar nas feiras de arte internacionais. Na altura, não existiam outros. Passados uns anos eu e o Luís Serpa tivemos uma conversa com a Teresa Patrício Gouveia, que na altura estava na Secretaria de Estado da Cultura. Explicámos-lhe que o apoio para a ida das galerias às feiras era uma forma de internacionalizar e dar a conhecer a arte portuguesa e de ela ter sido renitente em relação a isso. Fiquei irritado e disse-lhe que esperava que daqui a uns anos ninguém lhe fosse pedir satisfações por não apoiar as galerias. O que é certo é que passado um ou dois meses os apoios chegaram. Na realidade, o mercado de arte era muito mal visto por muita gente.

P: Mas até quando?
R: Penso que a mudança se deu com o Fernando Calhau na Secretaria de Estado da Cultura. Um outro aspeto que nunca percebi foi a forma como algumas instituições formavam as suas coleções. Aquilo que eu tinha conhecimento acerca de instituições afins internacionais, é que quem decidia era uma pessoa minimamente capacitada. Aqui não, era um curioso. Como dizia o presidente de uma administração de uma instituição – “Ah ele tem muito bom gosto”. Era assim que as coisas funcionavam neste país. Era tudo feito de uma forma amadora. O profissionalismo foi sendo progressivo mas houve sempre uma certa resistência. Ainda hoje!

P: Mas há muita coisa que mudou.
R: Há muita coisa que mudou mas eu continuo a achar que a grande euforia por que passámos foi um verniz. Não sinto que vivamos num país culto, aberto a inovações. Aquilo que se está a viver hoje, neste momento difícil do país, encaixa perfeitamente no que é a realidade. Ou seja, as pessoas não sentem necessidade de se rodearem de arte, nas suas várias formas. Não é uma necessidade.

Uma das coisas que eu acho espantoso é a incultura. Por exemplo, há alguns anos tive essa experiência enquanto era professor. Um dos meus desesperos foi que alunos cujo objetivo era entrar numa via artística desconheciam completamente a Fundação Calouste Gulbenkian. Estávamos em Lisboa e não era propriamente uma franja da população mais carenciada, a escola ficava na zona da Lapa. Não dá para entender.

P: Sente isso hoje, em relação ao público? Há também o efeito de moda?
R: A imprensa, os media têm imensa influência nisso. Os artistas que são referência para um público generalizado, são-no porque a sua obra é mais popularucha. Vamos pensar no caso da Joana Vasconcelos. Porque é que ela tem esta cobertura? É meritório, fez uma exposição em Versalhes, e claro que isso ajuda a vender a imagem, mas são fenómenos de media. De repente descobriram uma star chamada Paula Rego ou Joana Vasconcelos e enchem as páginas, os canais de televisão com referências a esses nomes.

P: Acha que isso é prejudicial ou benéfico para o meio?
R: Pergunto-me muitas vezes se aquela gente que enche o CCB sai de lá diferente. Parece-me uma situação semelhante a quem faz uma visita a uma cidade e coloca cruzes por onde deve passar. Não acredito. Talvez entre qualquer coisinha, mas não sinto que haja curiosidade em ir mais além.

P: Para si qual deve ser a aproximação?
R: Primeiro que tudo a formação de base. Os nossos professores são muito carenciados de muita coisa e não comunicam muitas vezes aquilo que deviam comunicar. A falta de curiosidade é tipicamente portuguesa. Na altura em que abri a galeria criei a seção de livros, de catálogos, revistas, e os alunos da Faculdade de Belas Artes, pediam-me livros sobre o impressionismo e o cubismo. Eu dizia-lhes: “Mas isso vocês encontram nas livrarias. O que é que ainda precisam de conhecer sobre esses movimentos tão históricos e recuados?”.

Não havia curiosidade por coisas novas. Ainda hoje não sinto essa curiosidade de muita gente que frequenta as Belas Artes. Mas há mais abertura.

O ARCO foi muito positivo porque inclusivamente começou a haver aquelas excursões gigantescas e também os portugueses começaram a viajar mais. Mas eu continuo a achar que não é de todo uma sociedade culta, uma sociedade aberta e disponível para ser chocada, no bom sentido da palavra.

P: Tenho a sensação que anteriormente, há uma década, as galerias eram mais visitadas e encaradas como um espaço cultural para além de comercial.
R: Durante 10 anos a arte esteve na moda e portanto houve mais frequência. Hoje assistimos a uma enorme redução de público, o que me preocupa imenso.

P: Isso é extensível a outras áreas.
R: Mas é preocupante. No meu caso, sempre quis conquistar um novo público e ficava desesperado com a dificuldade de ultrapassar o número de quinhentas pessoas por exposição. É muito pouco para uma cidade com a dimensão de Lisboa.

Não sei se será devido à falta de concentração das várias galerias em zonas da cidade, ou a dificuldade das pessoas com o seu tempo disponível. Penso contudo que estes são argumentos que não pesam.

Penso que tem a haver mais com a falta daquela necessidade das pessoas verem arte. E a afluência é sempre muito diminuta, a não ser que seja um fenómeno da noite, por exemplo, em que a galeria está implantada na zona de saída noturna e pode usufruir disso.

P: Acha que as galerias vão ter de encontrar outras formas de existência? A arte mudou, os espaços, os museus mudaram. Será que as galerias permaneceram demasiado tempo iguais a si próprias? Fala-se cada vez mais das galerias que funcionam enquanto projeto, não tanto com as condições de um estabelecimento comercial.
R: Não sei, tenho vindo a pensar sobre isso, e na forma de fazer vingar o projeto. Tem a ver com o momento muito depressivo que a sociedade vive. Aquilo que me assusta mais é o percurso dos artistas que começam agora a sua vida profissional. Serão capazes de levar por diante o seu projeto?

P: De quem é que isso depende, dos galeristas, das instituições?
R: Depende dos media que cada vez são mais diminutos. Por um lado, fico muito desgostoso com o fechamento de alguns deles a um grande número de galerias. Falam sempre das mesmas galerias e artistas. Isto não ajuda de todo.

Por outro lado, as coleções públicas não são tantas quanto isso. A situação é melhor do que há alguns anos mas de qualquer forma estão muito limitadas por razões económicas ou financeiras.

Sinceramente, não sei, se há que mudar as alternativas, o tipo de funcionamento... Curiosamente, a abertura do mercado à fotografia resultou, o que antes era impensável. Hoje tem um peso considerável na programação e nas vendas da galeria.

P: Em termos de visibilidade dos novos artistas, considera que os galeristas têm um papel importante e determinante para a maneira como podem ser recebidos?
R: Sempre defendi que a galeria é o espaço adequado para a obra dos artistas entrar no circuito público. E isto por uma razão muito simples. Só o trabalho continuado com o artista permite dar frutos. Numa exposição pontual não existem compromissos e é isso o que acontece noutros espaços, como os independentes. Aí não há o compromisso de construir uma relação que demora tempo. A galeria pode participar em feiras, já os espaços alternativos não têm essa possibilidade.

Acho que há muito pouca clareza de quem é quem. Para dizer a verdade, considero que há um circuito muito mafioso. Há valorização excessiva de gente que não me parece que tenha grande futuro. Os cursos de curadoria que foram surgindo, lançaram muita gente e tenho a sensação que também querem inovar e ter uma assinatura na responsabilidade de divulgação de artistas. São lançados muitos artistas que não têm substrato. Só uma ideiazinha.

As reações não são muito positivas. A situação cria uma certa desconfiança e confusão, que leva o público a querer regressar mais ao passado.

P: De alguma forma os curadores podem constituir um alvo concorrencial com as galerias, talvez como os espaços independentes?
R: Os espaços independentes são interessantes enquanto espaços de experimentação. Mas não sei até que ponto é que eles não pretendem ser uma alternativa às galerias.

P: Diz isso em relação ao passado ou em relação à atualidade?
R: Também em relação à atualidade. Há ainda outro aspeto. Nós estamos numa sociedade de mercado e uma das coisas que se observa hoje é que há várias escolas de arte que têm de ter viabilidade e que fazem a promoção dos finalistas junto do mercado. É um fenómeno muito recente.

P: Mas a escola Ar.Co também o fazia? Não parece ser de agora.
R: O Ar.Co começou. De qualquer maneira repare que é toda uma situação nova e vem acrescentar mais concorrência no meio artístico. Mas atenção, não vejo as escolas de arte como concorrência às galerias.

Há uma maior necessidade de afirmação de novos autores e portanto é nesse sentido que sinto que as coisas são por vezes muito imaturas. Especialmente da parte de alguns projetos alternativos associados a novos curadores. Este tipo de atividade implica uma certa sedimentação, e se funciona através do olhar, pressupõe uma grande experiência prática e não apenas ideiazinhas. Estou farto de ideiazinhas que trazem como consequência o afastamento do público. Há muito vazio.

P: É um fator de dispersão?
R: É um fator dispersivo, associado a um desencantamento. Há muita gente – e estou a falar do público consumidor – desencantada com muita coisa. Isso afasta o público deste circuito. Há também um desencantamento relacionado com o mercado e histórias associadas, como por exemplo a desvalorização das obras de arte nos leilões. Associa-se muito a arte a um valor monetário e as pessoas não percebem que, antes de tudo, há o prazer que a obra de arte proporciona, a viagem que ela contém. Esse investimento é a longo prazo, não é imediato. Nós vivemos numa sociedade que vive com o valor do imediato, tem que ser tudo muito rápido.

P: O público confia mais numa relação mediada pelas galerias?
R: Cabe às galerias desenvolver essas relações mas também sei que a conversa de alguns galeristas com clientes comuns são perfeitamente aberrantes. Não há uma formação e eles caem de paraquedas neste mundo. Funcionam estritamente com o binómio arte e dinheiro. Logo, o visitante e possível consumidor confronta-se com discursos algo hilariantes.
Esta não é uma atividade que seja muito fácil, é extremamente exigente e existindo outro tipo de negócios que dão menos trabalho e mais dinheiro, não entendo porque se dedicam a este. É a forma de ser português, é tudo muito superficial.

P: O que é mais importante nesta atividade, sobretudo para superar a prova do tempo?
R: Sempre disse que enquanto a galeria me desse prazer, continuava. Não é o cifrão que me faz manter a galeria aberta, é realmente sentir que ela responde às minhas necessidades mais interiores. Tenho necessidade de mostrar gente nova. Se há uma época em que eu não vejo nada de interessante ,costumo dizer que caio em depressão. Gosto de ser provocado, de outra maneira, canso-me e principalmente se vejo que não há investimento da parte do artista no trabalho.

Por exemplo, no momento por que passamos, em que as galerias estão a viver dias difíceis, em que o mercado está em baixo, há um assédio inacreditável de artistas à galeria. Muitos deles já com um longo passado.

P: Isso porque as galerias estão a diminuir a sua carteira de artistas e a concentrar a sua ação naqueles que têm maior sucesso comercial?
R: Acredito bem nisso. Para mim é muito difícil aceitar artistas já corridos. Primeiro, porque não conheço nada do que é o seu mercado, segundo porque não tendo começado com eles, há imensas variáveis que me escapam. As experiências que tive nesse sentido resultaram mal.

Sei que é sempre mais difícil partir do zero com um artista, do que trabalhar com alguém com um certo nome no mercado, mas sou assim.

P: Isso é uma exceção já que cada vez mais os artistas mudam de galeria, as galerias terminam os vínculos permanentes com os artistas. O que era antigamente uma relação continuada, de permanência, é hoje em dia menos habitual.
R: Por um lado, o mercado traz o rompimento das relações. Acarreta o tentar “safar-se” das mais variadas maneiras. Isso é mau e vai-se pagar muito caro e não apenas do lado das galerias mas também do lado dos artistas. Se trabalhámos durante muitos anos para afastar os clientes do atelier e levá-los à galeria, existe agora a possibilidade de caminharmos no sentido contrário. Vamos voltar ao que acontecia no passado?

Por outro lado, interessa-me ser confrontado com coisas novas no percurso artístico do artista. Se sinto que vou encontrar sempre o mesmo, crio as condições para ele sair da galeria. E nisso eu sou bastante ágil, já que nessas situações sinto-me enganado, e nada motivado. E como sei que há muita gente que cobiça os artistas que eu mostro, sinto que a situação do artista pode modificar-se. São formas de atuar e eu tenho a minha.

Agora, não sei qual vai ser o futuro. Sinceramente. Deixei de fazer feiras fora e estou novamente a retomá-las, porque é a única maneira de expandir o negócio. Fazer menos exposições e investir esse dinheiro em feiras internacionais pode ser uma possibilidade. Há que modificar a gestão.

P: A que feiras ir?
R: Uma das coisas espantosas é esse pedigree das feiras que não havia antes. Por exemplo, a Módulo esteve vinte e tal vezes em Basel e deixei de ir à feira porque ela é caríssima. Tinha muita piada durante aqueles anos em que estive, já que havia uma clara diferença entre o primeiro andar e o rés do chão. No primeiro andar havia gente nova e isso deixou de ser possível, com aqueles valores. No último ano em que participei em Basel, tomei a decisão de deixar de ir porque pensei que não iria para a feira com os tubarões todos ou desvirtuar o que tinha sido o meu trabalho. Atualmente também é preciso ter cuidado na escolha das feiras porque se vamos a uma que não é bem considerada podemos ser eliminados de outras. Isto era impensável aqui a alguns anos.

P: O currículo de uma galeria tem que ser muito bem pensado?
R: Completamente. Mas isto é um fenómeno muito recente. Há outra coisa espantosa. Por exemplo, a feira de Santander é muito curiosa e cada vez mais bem vista. Mas a nossa participação não se baseia com total liberdade no que queremos mostrar. É necessário propor duas ideias e são eles que escolhem uma. É uma feira que é muito atrativa para galerias que representam jovens artistas e tem o aliciante de não se pagar o stand. Eu vou participar na Just Mad, mas apesar de ter sido convidado, tenho também que dar primeiro uma ideia do que vou mostrar. Não é uma proposta fechada como a de Santander mas é uma situação bastante nova. Para Basel nunca propus nada.

P: As feiras passaram a ser comissariadas.
R: No fundo é isso e essa nova situação é curiosa. Cada vez mais o mercado tem forças ocultas a dominá-lo. Aquilo que era a estratégia americana de promoção de um artista, está a expandir-se. Lembro-me de alguns nomes de artistas que encheram páginas de revista e que não se conseguia encontrar nenhumas das suas obras no mercado. Porquê? Porque havia três ou quatro pessoas que açambarcavam tudo o que era possível para usufruírem desse efeito especulativo. Hoje a situação é mais abrangente ainda, há mais forças a controlar quem é quem neste mundo.

P: E quem controla?
R: Por detrás estão os opinion makers. Há uma série de pessoas que se acham titulares do conhecimento. Eu percebo que quem está no comité de uma feira − eu já estive e tenho essa experiência − interessa-lhe que ela tenha pelo menos uma qualidade mínima, e por isso mesmo analisa-se o currículo de cada galeria que se candidata. Todavia há muito a tendência de querer construir um circuito bem definido entre algumas galerias internacionais e espaços museológicos ou institucionais. Isso é muito claro. Há uma conivência, há um fechamento a outras coisas. E Portugal sofre um pouco desse fenómeno. Temos o exemplo da Culturgest. Não estou a criticar a programação mas ela é completamente monocórdica e não é assim que se conquista um público. Quando eu estive no CAC, no Museu Soares dos Reis uma das questões que foi muito discutida era a conquista de público, uma das dimensões que é fundamental também para os museus americanos. Sendo museus privados são obrigados a justificar-se perante os sponsores. Nós aqui teimamos numa certa atitude de diletantismo, de mostrar sempre a mesma coisa. Assim produz-se o afastamento do público. Os visitantes até podem ser renitentes a certas manifestações artísticas, mas se for chamado por outras, terá uma maior abertura num futuro próximo.

P: Pensa que isso se faz para defender a curadoria?
R: Nessa situação o curador está a olhar muito para o seu umbigo. Acompanho imenso alguns espaços institucionais a nível internacional e vejo que ao longo do ano variam consideravelmente o tipo de exposições que fazem já que têm de responder ao público da cidade em que estão implantados. E esse trabalho é extremamente importante. Se nós cortamos relações com o público estamos apenas a comunicar com os nossos amigos.

Uma das coisas que aprendi lá fora, quando recebi a bolsa para estar nos Estados Unidos, foi a estratégia que os vários museus americanos desenvolveram para conquistar público na sua cidade. Ali não se brinca. O dólar é o dólar.

P: Estava há pouco a falar nas forças que controlam o mercado internacional: são os setores da economia, os galeristas, curadores, diretores de museus?
R: Hoje as galerias deixaram de ser apenas galerias, são trusts que têm um peso enorme no mercado. Pense numa Gagosian. Uma das coisas que mais me impressionou há alguns anos, ainda estávamos nos anos 80, foi numa das vezes que fui a Nova Iorque para ir a uma galeria que representava um artista em que estava interessado. Na galeria havia um agente responsável por esse artista, com quem se falava, e caso nos interessasse um outro da mesma galeria, já não se falava com a mesma pessoa, o agente era outro. Isto já não é a galeria dos velhos tempos. É uma situação nova e através deste modelo domina-se consideravelmente quem é quem no mercado.

P: Como é que isso se joga com as instituições?
R: Joga-se na medida em que estabelecem relações preferenciais, de prestígio social e porque é necessário pagar esses projetos, criam-se parcerias e relações privilegiadas. Por detrás destas galerias há os colecionadores e muitos deles são pesos muito pesados. Cria-se assim uma rede e uma teia que faz com que certas situações aconteçam e que outros artistas não tenham acesso a esses circuitos. Isso é cada vez mais evidente.

P: Mesmo em Portugal?
R: Serralves enferma muito disso. Pense-se em algumas galerias nova-iorquinas, nos artistas que se mostram e vê-se que o circuito está definido. É uma relação biunívoca, as instituições precisam de se afirmar e ao querê-lo vão buscar esses artistas e promovem-nos. É uma situação pouco transparente.

Em Espanha e na Alemanha, por exemplo, como têm muitos museus, existe uma rede e facilmente um artista afirma-se porque expõe nesses vários espaços. E há colecionadores e coleções privadas importantes que apoiam esses museus.

P: De alguma forma são os colecionadores que estão a determinar a programação dos espaços institucionais e a influenciar a valorização do seu património pelo apoio mecenático que podem angariar?
R: Exatamente. Depois o gosto mudou muitíssimo. Repare como a fotografia começou a entrar cada vez mais no mercado. Essa é uma fotografia plástica, que compete com a pintura, não a outra fotografia. E para poder competir com a pintura e com determinados tamanhos passou a ser digitalizada. Essas são as leis do mercado pura e simplesmente. É algo que me desgosta imenso porque acho que as coisas nasceram para determinadas escalas e para certas formas de existência e a certa altura o mercado inverte tudo.

P: O que é que o Mário, que também é colecionador de fotografia, tem a dizer ao galerista?
R: A minha relação de colecionador com a galeria é a seguinte, os meus momentos de liberdade são aqueles em que estou fora da galeria. Neles vou para a rua e, a par e passo, sou flâneur, encontro isto e aquilo. Não quer dizer que não haja cruzamento entre aquilo que eu faço e aquilo que eu tenho. Claro que há. Mas a razão pela qual comecei a trabalhar com fotografia foi porque comecei a comprar quando ainda era estudante. Era muito barato.

É engraçado, eu tenho um grande problema com a pintura figurativa mas a com a fotografia não. Pelo facto de ser uma imagem captada por uma máquina, surge de um processo de abstração em relação aquilo que nós vemos. A fotografia coloca-me questões sobre a linguagem em si, sobre a imagem, sobre a perspetiva, sobre aquilo que podemos dizer ao condensar num pequeno retângulo, uma imagem exterior. Até que ponto não podemos efabular e encenar esse exterior? Para mim foi a linguagem que acompanhei com maior proximidade e que me suscitou mais questões. Portanto estou sempre atento em relação aquilo que vai acontecer. Mas o que coleciono não é aquilo que exponho. Interessa-me acompanhar os vários desvios que a fotografia vai tendo, tendo sempre presente uma imagem que é a do mundo real. Não sou apologista de nenhuma tendência específica mas sei, novamente, que vivemos num país em que há muita incultura em relação à fotografia. A fotografia veiculada por muitos dos espaços expositivos em Portugal é uma fotografia muito plástica. O que é grave. Mas como se pode ver aqui [ local onde se realizou a entrevista ], também gosto de pintura.

Para mim é extremamente positivo ter estes momentos de flâneur numa cidade qualquer em que esteja. Têm sido momentos de descoberta. Não vou à procura de nada. As oportunidades surgem-me e muito do que tenho, não teria dinheiro para comprar, se fosse aos valores de hoje. Encontrei-as no momento certo. Isso para mim é muito salutar e por outro lado obriga-me a pensar.

A profissão de um galerista exige formação continua e nesse aspeto há um artigo irónico que o Cerveira Pinto escreveu no Independente. Era sobre os galeristas de Lisboa e ele dizia que, nessa altura, a maior parte funcionava pelo ouvido e que eu era o único que funcionava pelo nariz. Achei divertido [risos].

Foi um pouco assim, nunca tive ninguém ao meu lado a dirigir a galeria, o trabalho é meu, bom ou mau é meu. E é assim que eu gosto de ser, não para ser independente mas para fazer aquilo que eu gosto. E como lhe digo, a galeria existirá enquanto me der prazer. No dia em que achar que estou a sofrer, fecho a galeria. Isso para mim é muito claro.

P: Nos tempos que correm o que é que pode dizer aos novos artistas?
R. Primeiro que tudo não desistir. Segundo, serem verdadeiros com eles próprios, não estabelecerem estratégias, apenas estratégias que descurem o seu próprio trabalho. E que sejam profissionais ou seja que encarem o trabalho criativo como o trabalho de um cientista de laboratório. É a dedicação continuada e com cunho próprio que dá frutos, não é uma ideiazinha que estão a repetir ad eternum. Trabalhar nesta área implica encontros e desencontros, momentos de felicidade e de infelicidade mas é no trabalho continuado que se chega a resultados.


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