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ENTREVISTA


Natxo Checa na exposi莽茫o Mistif贸rio, Culturgest Porto. 漏 Renato Cruz Santos


Natxo Checa na exposi莽茫o Mistif贸rio, Culturgest Porto. 漏 Renato Cruz Santos


Mistif贸rio, Culturgest Porto. 漏 Renato Cruz Santos


Mistif贸rio, Culturgest Porto. 漏 Renato Cruz Santos


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NATXO CHECA


01/05/2023

 

 
 

Depois do ciclo de exposições Reação em Cadeia, realizado entre 2019 e 2022, comissariadas pelo programador de artes visuais da Culturgest – inicialmente Delfim Sardo e posteriormente Bruno Marchand – assistimos a uma nova colaboração entre a Fidelidade Arte e a Culturgest, intitulada Território.

O novo ciclo, que ocupará o triénio 2022-2025, apresentará nos espaços da Fidelidade Arte em Lisboa e na Culturgest Porto, nove exposições coletivas, cada uma das quais concebida por um curador português convidado, desafiado a incluir peças que não provenham obrigatoriamente do campo da arte contemporânea.

A inaugurar o ciclo Território, a exposição Mistifório com curadoria de Natxo Checa revela-nos os territórios de ação, de investigação e interesses do curador, numa mostra em que peças de arte contemporânea convivem com objetos da cultura material.

A propósito de Mistifório, atualmente em exibição na Culturgest Porto (10 de fevereiro a 14 de maio) depois da passagem por Lisboa na Fidelidade Arte, conversámos com Natxo Checa na entrevista que se segue.


Por Mafalda Teixeira

 

 

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MT: Em termos expositivos, como desenhou e concebeu este seu território que intitula Mistifório?

NC: O projeto surge do convite do Bruno Marchand a uma série de curadores, uns mais séniores outros mais novos, desafiando-nos a apresentar projetos que trabalhassem os territórios de cada uma das pessoas convidadas. O objetivo seria fazer uma exposição que falasse sobre as preocupações e maneiras de fazer, o pensamento que está por trás do trabalho que eu desenvolvo.

Como curador o meu trabalho é muito específico: trabalho com pessoas que são artistas e o que faço é debater e trabalhar com eles tanto ao nível de discussão de conteúdos como de produção. Tenho muitos interesses o que advém da minha interação com os artistas e com os debates que eles aportam.

Para esta exposição quis trazer a debate os trilhos curatoriais e decidi, para desenvolver o meu trabalho, trazer objetos domésticos - desenhos, pequenas pinturas, pequenos trabalhos em suportes não convencionais e por aí fora – que pertencem à minha casa, não no sentido de mostrar uma coisa que é do colecionador, mas sim para mostrar quais são os meus interesses que fazem com que sejam aqueles trabalhos que estejam ali a figurar e não outros.

Há um desenho da Lourdes Castro O domingo 16 V 93, que é uma parte de um plexiglass de 1968 de um homem sentado numa mesa cuja mão escreve um texto. O que aconteceu é que no exercício de Lourdes Castro de 1993, a artista isolou a mão a escrever-se a si própria - tornou-o num trabalho tautológico. Nesse caso o meu interesse não é ser um trabalho de Lourdes Castro, mas sim uma peça de arte que se reinventou a si própria e desviou o sentido, passou de um portrait para lançar esta ideia de tautologia, do desenho que se desenha a si próprio.

A maioria dos trabalhos que estão na exposição têm qualquer coisa fora do próprio caminho, do percurso artístico. As peças todas tentam de alguma maneira sair da conformação da afirmação do trabalho dos próprios artistas. O desenho do Escada de 1963 deve ser dos seus primeiros desenhos que divide em partes. É nos anos 70 que faz isso em produção e aqui é quase uma caricatura. Por exemplo a fotografia do Melo e Castro STOP ao fascismo, 1974/80 surge de um levantamento que fez de uma série de pinturas e intervenções na rua que aconteceram após o 25 de abril e que ele enquanto poeta visual considerou um momento de grande criatividade: a sociedade civil a fazer uma prática artística quase sem consciência, uma consciência outra que não seria artística, e tirou esta fotografia em que a condição de arte que tem é quase documental.

Outro aspecto da exposição consiste na revisitação de trabalhos e de artistas, alguns deles muito conhecidos e outros secundários, ou que nem sequer entraram para a História da Arte. Há um caso muito claro, o de Paulo de Cantos que na exposição está lado a lado com o trabalho do Almada Negreiros, e o que desperta um ou outro é uma consciência elevada e um interesse generalizado. No fundo com esta pequena revisitação da arte portuguesa sobretudo de meados do séc. XX até à atualidade, procurava integrar, pôr lado a lado artistas conhecidos com não conhecidos, e ainda tornar plana a categoria entre objeto/ artefacto; cultura ocidental VS outras culturas.
Não foi uma escolha só de afinidades, é de afinidade no sentido da escolha e da particularidade, mas não estão lá os artistas que eu acho que sejam os melhores, não tem a ver com isso. É um exercício curatorial muito afirmativo que corria o risco das pessoas acharem horrível, porque segue critérios que hoje em dia são raros para apresentar as exposições artísticas.

 

MT: A mostra assume-se como território de misturas, ilimitado e heterogéneo em termos geracionais, estéticos e temáticos. Enquanto curador de arte contemporânea quais foram os principais riscos e desafios na construção desta cosmovisão na qual se sobrepõem tempos, espaços e representações de diferentes proveniências e culturas?

NC: Mistifório é um fórum misto de coisas dispares, um lugar onde se podem estabelecer ligações quânticas entre as peças por via de sobreposições de tempos, espaços e representações de diferentes proveniências e culturas, um tribunal onde as peças podem ser julgadas por um espectador quanto à sua utilidade espiritual, estética, ética, lúdica, etc.

As duas primeiras salas, que têm a faixa verde para que as pessoas sejam levadas a pensar que é todo um conjunto, apresentam três peças que falam da exposição no seu todo. A primeira é o Panta Rhei, que remete para o eterno retorno e que se refere ao conceito do filósofo Heraclito, segundo o qual não se entra duas vezes pelo mesmo rio, a experiência vivida é sempre diferente a segunda vez da primeira.

A segunda peça é a Churinga, objeto sagrado em madeira da Papua Nova Guiné, que funciona como mapa e pauta para os jovens no seu ritual de passagem. Cada churinga apresenta na parte da frente um padrão que indica o lugar onde reside o Alcheringa - o pai espiritual do detentor da churinga - e na parte de trás uma mnemónica da canção que indica o percurso para lá chegar. A churinga é uma paisagem cantada, tem a ver com a oralidade, com a transição de conhecimento através da palavra.

A terceira peça trata-se de um objeto trouvé, espécie de espelho convexo que inclui o espectador dando visão total do que se passa à volta. Inclui-nos, não no sentido de estarmos representados, mas no sentido metafisico. É importante termos estas três propostas de leitura: uma ilustração da relação atual com o passado; a espacialização oral e visual; e que se pudesse rever e reler o que estava a ser posto em causa.

Tudo o que está presente nas duas salas, 99% são elementos que foram de alguma maneira recuperados, há um segundo olhar objetivo sobre eles e faz parte da exposição haver essa proposta.


MT: Quando concebeu a exposição, estava já definida a extensão cronológica e diversidade de obras a integrar?

NC: A partir do momento que decidi que apanhava coisas que tinha à mão de semear foi-se desenhando. Em termos de arte contemporânea, a peça mais antiga é de 1936, O Modelo Humano de Paulo de Cantos; existe uma obra de Sarah Affonso de 1959; outra do Almada de 1958 e pinturas de 1945 do pintor surrealista Cândido Costa Pinto. Na verdade, há uma releitura de artistas com os quais eu tenho interesse. Estudei arte contemporânea e arte moderna portuguesa e era evidente que ia adotar para isso. Para mim a arte contemporânea começa no início do século XX, podia ter entrado uma obra neorrealista, não havia problema nenhum. Na verdade, o objeto indestrutível de Man Ray, de que fiz uma cópia com pequenas nuances, é de 1919-20.

 

MT: Após a apresentação em Lisboa no espaço Fidelidade Arte, Mistifório encontra-se atualmente em exibição na Culturgest Porto, integrando novas obras, recordo as quatro esculturas da série Vasos de rua de Pedro Henriques. De que forma as especificidades arquitetónicas do edifício condicionaram e/ou possibilitaram uma nova montagem discursiva?

NC: A exposição tinha em Lisboa uma conformação que no Porto teve de ser repensada. Em Lisboa passava-se de sala para sala e no Porto entra-se e está tudo em aberto. Existem mais algumas peças no Porto, nomeadamente os vasos de Pedro Henriques, porque a componente arquitetónica é incrível. É um espaço com caráter e os vasos, precisamente por serem Vasos de rua (de forma meio antropomórfica) e assumidos como tal pelo autor, foram colocados no meio do sítio sagrado, daquele círculo absolutamente maçónico, espécie de ponto central, que também me recorda os panóticos das prisões. Os Vasos de rua estão ali para fazer um contraponto, absolutamente o oposto: são décor e como são altos e longitudinais dão esse peso próprio do espaço.

 

MT: Ao longo da exposição encontramos obras da sua autoria: os ready-made Panta Rhei, 2022, Espelho Convexo, 2020, e Indestructible Object ,1923/2022. Como distingue a atividade do artista da atividade do curador?

NC: Estudei Belas-Artes e pintei durante dois, três anos. Há vários tipos de curador: hoje em dia temos o curador antropólogo; o curador historicista; o curador sociólogo; e o curador cuja formação é artística, que é o meu caso. Eu não sou artista, sou curador, mas isso não me tira o direito de poder fazer obras de arte sejam elas temporárias ou permanentes. Não sou artista porque não sou representado por uma galeria, nem tenho esse interesse, não faço parte do mercado, mas sim no sentido de poder pensar um objeto ou uma pintura que transporte questões para o mundo da arte contemporânea.

 

MT: Um dos aspetos curiosos da exposição é a intervenção humana, através da presença da mediadora que permite ao visitante uma experiência única e enriquecedora. Denota-se na sua prática curatorial uma preocupação com o público, por isso pergunto enquanto curador de arte contemporânea e produtor cultural considera que estes tipos de experiências poderão atrair novos públicos e promover um melhor entendimento e menor distanciamento em relação à arte contemporânea?

NC: Uma exposição deste tipo tem de ter um texto e tem de haver o máximo de mediação possível para que o público consiga perceber ou ter uma relação. Se querem escalar mais no sentido daquilo que está a ser apresentado é bom ter alguém. O sentido da interatividade ainda enriquece mais a visita, faz com que esteja viva. Eu gosto muito das pessoas, tanto do espectador como do facto de ter alguém que o receba. A presença da mediadora é um apoio. A cultura serve para empoderar as pessoas a abrirem a sua visão de relação com o mundo.

 

MT: Em Mistifório temos a oportunidade de contactar com três obras inéditas, duas de Almada Negreira e uma de Sarah Affonso, pertencentes às respetivas famílias, o que motivou a seleção dessas obras?

NC: A maioria dos trabalhos pequeninos que estão ali também são inéditos: os de Lourdes Castro são inéditos. Há muitos deles que são trabalhos que podiam ser considerados não menores, mas que no fazer da vida do artista fugiram-lhe das mãos, não foram parar a uma instituição, nem fazem parte dessa visão que temos do artista, mas são existentes. Uma maneira de reforçar essa ideia era catapultar trabalhos de artistas pelos quais tenho grande admiração - não só eu, como o público em geral - como é o caso do Almada Negreiros e da Sarah Affonso, e que neste caso eram peças que não estavam classificadas porque faziam parte da decoração da casa da família. Soube da existência de duas peças do Almada: a da estrela, que é um jogo numerológico atribuído a deuses gregos e que fazia parte do seu atelier; e outra inédita a p/b, que não foi incluída na exposição retrospetiva de Almada por ter raspada a linha do contorno dos objetos. No caso do bordado de Sarah Affonso, a sua importância é ser uma obra abstrata. A Sarah Affonso apesar de ser hoje respeitada, ficou sempre em segundo plano: era mulher, foi mãe (...) levanta todo este tipo de questões. Este trabalho assinado, para mim é considerado arte e para ela certamente.

 

 

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Natxo Checa nasceu em Barcelona em 1968. Foi um dos fundadores da Galeria Zé dos Bois em 1994, associação onde continua a trabalhar e na qual comissariou e produziu dezenas de exposições. Criou um inovador sistema de residências, quer dentro quer fora de portas, trabalhando em estreita colaboração com os artistas não só nas suas exposições, mas também na produção das suas obras. Foi o comissário da representação portuguesa à Bienal de Veneza de 2009 e recebeu uma menção honrosa no prémio de Melhor Produtor Cultural Natércia Campos em 2011.

 

Mafalda Teixeira
Mestre em História de Arte, Património e Cultura Visual pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estagiou e trabalhou no departamento de Exposições Temporárias do Museu d’Art Contemporani de Barcelona. Durante o mestrado realiza um estágio curricular na área de produção da Galeria Municipal do Porto. Atualmente dedica-se à investigação no âmbito da História da Arte Moderna e Contemporânea, e à publicação de artigos científicos.