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HANS IBELINGS E JOHN ZEPPETELLI
17/07/2025
Depois do último Solo show da Anozero, onde a dupla Janet Cardiff e George Bures Miller prendaram o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova de Coimbra com um conjunto inesquecível de obras imersivas, participativas e deslumbrantes, anuncia-se mais uma edição da Bienal Anozero cujo epicentro será o espaço do Mosteiro.
Foi nesse mesmo espaço que no último dia 16 de Julho foram anunciados os novos dois curadores da próxima Bienal que irá para a sua 6ª edição. Com o título Segurar, dar, receber, a próxima Bienal Anozero irá decorrer de 11 de Abril a 5 de Julho de 2026 em vários espaços da cidade de Coimbra, que irão ser anunciados em breve, assim como os artistas e a programação. Carlos Antunes, Diretor do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), anunciou também um crescimento da programação convergente, tendo servido de estratégia para estender o convite para outras estruturas culturais de Coimbra poderem ativar e viver artisticamente os diferentes espaços comissionados à Bienal.
A curadoria da Anozero’26 estará a cargo de Hans Ibelings, fundador da revista A10 e professor na Daniels Faculty of Architecture; John Zeppetelli, curador na Art Gallery of Ontario, em Toronto; e Daniel Madeira na qualidade de curador assistente [1].
Com um financiamento de cerca de 700 mil euros para esta próxima edição, oriundos de diferentes fontes, a Anozero é uma iniciativa organizada pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra e Universidade de Coimbra desde 2015. É também um programa de ativação e reflexão sobre espaços patrimoniais, cujo momento fundador foi a classificação da Universidade de Coimbra, Alta e Sofia como Património Mundial da Humanidade, pela UNESCO, em 2013.
Pedro Vaz falou com a dupla de curadores Hans Ibelings e John Zeppetelli sobre o projecto que vão começar agora a empreender.
Por Pedro Vaz
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Pedro Vaz: O que podemos esperar, dar, receber e desejar da próxima Bienal?
Hans Ibelings: A própria pergunta mostra que o tema incentiva uma espécie de brincadeira com as palavras, o que eu gosto muito. Acho que há uma certa semelhança com isso, mas também é extremamente sério porque todo o nosso comportamento social se baseia nesse tipo de combinação de dar e receber. Não apenas um presente de aniversário, que é algo que se recebe de volta, algo com valores semelhantes na altura da celebração do nosso aniversário. Mas é também uma espécie de empatia humana. Todo o comportamento humano se baseia nessa noção de que dar e receber fazem parte da mesma ação, que às vezes usamos para uma transação no sentido económico, mas na verdade é muito mais do que isso. E há o artista que recebeu o dom do talento. É outro tipo de metáfora que realmente seguimos, e há o momento em que tu entras numa exposição e recebes algo de uma obra de arte que te comove e depois te inspira. Então, esse é o presente do artista para o observador. O que eu realmente gosto é que ficamos muito próximos da essência do que é uma exposição, a essência de como a arte funciona, além de todas as possibilidades de torná-la mais temática e destacar o Antropoceno, a crise climática…
PV: Esta é a primeira vez que vocês trabalham juntos. Quais são as vossas expetativas?
John Zeppetelli: Bem, já estou a aprender muito com o Hans, que vem de uma tradição mais intelectual do que a minha. Sou curador há quase 30 anos e também tenho formação como artista. Portanto, esta será uma oportunidade extraordinária. E o Hans tem razão, este conceito de «obter, receber» é muito generativo como ideia. É uma ideia que tem tanta propulsão que parece que pode ser aplicada a tantas coisas diferentes, e para mim foi uma oportunidade suficientemente ampla para que eu sinta que somos capazes de explorar todos os tipos de coisas diferentes que não se conectam necessariamente de imediato, mas depois podemos fazer essas pequenas conexões maravilhosas. Acho que essa será, espero, a experiência do visitante ao percorrer as diferentes áreas e zonas da exposição, porque a exposição como um todo é também a experiência cumulativa das diferentes coisas que se juntam, não necessariamente apenas um momento individual. Por isso é muito emocionante poder pensar nesta escala, pensar neste cenário arquitetónico incrível, que pode ser intimidante no início mas que se torna uma alegria maravilhosa. Quero que seja alegre.
HI: E então esta é a primeira vez que trabalhamos juntos, porque somos como dois navios navegando no mesmo mar, mas o John está na arte, eu estou na arquitetura, e somos amigos há mais de uma década. Basicamente, desde que nos mudamos da Holanda para Montreal em 2012 mantivemos contato, encontramo-nos, jantamos juntos... e nos divertimos muito, por isso estou extremamente feliz por finalmente termos encontrado um projeto em que podemos fazer mais do que apenas estar juntos.
PV: Ao estarem a visitar Coimbra pela primeira vez estão a mapear a exposição juntamente com o mapa da cidade. Como projetam o mapa da cidade no mapa da exposição?
JZ: Estamos no início do processo. O Hans tem muitas pessoas em quem pensa profissionalmente há muito tempo, que estão sempre presentes na sua mente. Eu tenho muitos artistas que estão muito presentes na minha cabeça e estou a tentar a) compreender se eles se relacionam com o tema que estamos a elaborar e b) compreender se eles podem trabalhar de uma forma interessante nos vários locais da cidade. Portanto, este é o processo em que estamos a embarcar agora, onde estamos a testar uma série de coisas que nos vêm à mente e coisas que nos habitam: ideias, pessoas, artistas e arquitetos que estão nas nossas mentes há muito tempo. Porque, no final, sabe, não pode ser apenas um exercício científico, tem de emergir de algo, penso eu, mais eficaz.
HI: Concordo, e acho que um dos desafios interessantes que temos é este convento enorme. Nunca conseguiremos preencher todas as salas aqui com arte e arquitetura. Da mesma forma que há tantos locais na cidade a pedir intervenções, mas não podemos colocar tudo em todo o lado, por isso temos de encontrar uma forma de marcar presença na cidade com a Bienal sem nos diluirmos demasiado. Criar uma espécie de coerência em grande escala, para além do tema da Bienal e a presença da arte e da arquitetura em toda a cidade, é o que me mantém ocupado.
PV: E o que pensa sobre elementos de encontro imersivos e participativos? Quando pensa numa exposição como esta, como é que esses elementos estão presentes nos espaços que encontraram? O que viram quando encontraram esses lugares?
HI: Esse é o maior desafio intelectual e criativo, encontrar esse equilíbrio. Por exemplo, acho que há a oportunidade neste convento de criar uma experiência mais imersiva, porque de uma sala para a outra há uma espécie de concentração de coisas que vão acontecer aqui. Vimos recentemente um pedido de exposição em Montreal, onde dentro de uma espécie de exposição histórica permanente havia pequenas intervenções. E tem mesmo de se ver, como os copos nesta mesa. Tudo isto fazia parte da exposição e, de repente, tem esta pequena garrafa adicionada, e essa foi a intervenção, por isso tem de olhar duas vezes. Funcionou porque é uma escala relativamente pequena, mas se o fizer na cidade, há o risco de se perder no ruído, na animação e na atividade que lá se passa. Então, temos mesmo de descobrir como podemos criar esse tipo de caráter às vezes casual, mas ao mesmo tempo um projeto que seja forte o suficiente para captar a atenção e fazer as pessoas perceberem o ambiente de uma maneira diferente.
JZ: Também adoro quando viajo para certas Bienais e elas obrigam-nos a ir a áreas onde normalmente não iríamos ou não exploraríamos. Assim, há uma oportunidade de explorar uma parte diferente da cidade, um edifício diferente, algo que, de outra forma, terias completamente ignorado, e acho que isso também é importante. E isso faz sentido para uma exposição que se preocupa com a arquitetura e as artes visuais, porque leva os visitantes a um cenário arquitetónico na cidade e, com sorte, a algum tipo de experiência extrema.
HI: E também se torna uma questão de quanto realmente fazemos para alterar a experiência, mas pode-se dizer que se pode construir uma torre enorme num lugar, ou pode-se ter algo quase como um pequeno banco, e o banco também pode ser uma espécie de rocha. Uma mudança para a perceção, criando assim uma mudança.
PV: Como é que vai traçar a linha entre a bela ideia temática de dar e partilhar, e aquela parte em que o visitante percebe que há algo de errado com o mundo? Como é que vai misturar a consciência com a parte bela e poética?
JZ: A arte da receção é muito interessante, e tenho a certeza de que teremos muitos artistas que farão perguntas difíceis e apontarão para questões difíceis e dificuldades no mundo que confrontarão e provocarão o visitante.
HI: Estamos numa situação em que o mundo não é um lugar feliz. Há tantas guerras a decorrer, a crise climática... por isso, é um momento difícil, certo? Então, pode-se falar sobre as dificuldades sendo muito explícito. O que estamos a fazer é, de alguma forma, mostrar que outro mundo é possível. Não estamos necessariamente presos a um mundo capitalista violento e explorador. Estamos gentilmente a apontar para um mundo mais solidário, onde se dá e se recebe, em vez de tirar, seja liberdade, recursos ou qualquer outra coisa. Acho que estamos a abordar este momento de crise, mas talvez com uma perspetiva um pouco mais otimista.
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Hans Ibelings é historiador de arte e arquitetura, professor na Daniels Faculty of Architecture, Landscape and Design da Universidade de Toronto e editor da Architecture Observer. Fundador da revista A10 – new European architecture, Ibelings tem comissariado exposições desde 1989 e é autor de títulos de referência como Supermodernism: Architecture in the Age of Globalization (1998) e Modern Architecture: A Planetary Warming History (2023). Doutorado pela Universidade de Coimbra em 2019, o seu trabalho atual explora uma abordagem não hierárquica à história da arquitetura e do ambiente construído.
John Zeppetelli é curador na Art Gallery of Ontario, em Toronto. Com uma carreira marcada pela direção do Museu de Arte Contemporânea de Montreal (MAC) durante mais de uma década, foi responsável por exposições emblemáticas como Leonard Cohen: A Crack in Everything (2017) e Velvet Terrorism: Pussy Riot’s Russia (2023). Com formação em cinema, é também realizador premiado e foi professor de Vídeo Arte nas universidades NSCAD e Concordia, no Canadá.
Pedro Vaz organiza desde 2014, em Coimbra, exposições e performances. Completou entre 2013 e 2018 a Licenciatura e Mestrado em Estudos Artísticos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Atualmente é doutorando em Artes e Mediações pela FCSH da Universidade NOVA, e faz curadoria independente pelo Coletivo Gambuzino, fundado por si e por Emanuela Boccia em 2023.
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Notas
[1] Daniel Madeira é licenciado em Estudos Artísticos pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Estudos Curatoriais pelo Colégio das Artes da mesma Universidade. Coordenou, entre 2018 e 2021, o Espaço Expositivo e o Projeto Educativo do Centro de Artes de Águeda. Colabora, desde 2021, com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC). É também autor na Umbigo Magazine.